Capítulo 31 - Pudim
Naquela noite, Jay resolveu entrar quando deixou os meninos. Eles mal falaram comigo e subiram para o quarto de cabeça baixa. Minha mãe fez questão de vir até a sala cumprimentar o genro querido, que aparentemente havia se tornado tudo o que um ser humano pode ter de bom, depois da separação. De repente ela nem se incomodava mais por ele ser tão mais novo, nem com a tendência a parar de prestar atenção enquanto a gente falava ou com o cigarro que nunca conseguiu largar. Todas as imperfeições dele, que a faziam falar incansavelmente na minha cabeça por mais de três anos, desapareceram aos olhos dela, no momento em que ele saiu da minha casa.
— Jay, querido, fiz aquele pudim de laranja que você adora. Faço questão que prove um pedaço.
— Obrigado, dona Zita. - ele respondeu com aquele sorriso de bom moço que já devia ter parado de me dar frio na barriga e depois se virou para mim, bem mais sério. — Podemos conversar lá fora?
— Claro. - seguimos para o jardim e nos sentamos nas cadeiras à beira da piscina.
— Por que sua mãe insiste no pudim de laranja? Eu detesto aquele negócio.
— Eu sei. Mas você elogiou tanto na primeira vez, que agora é tarde demais. Se quiser rejeitar, vai ter que inventar alguma dieta. - ele riu pelo nariz.
— Vou pensar em alguma coisa na próxima. - ele disse e fechou o sorriso. Deve ter pensado o mesmo que eu: que era possível não haver uma próxima vez.
— Correu tudo bem com os meninos na sua casa? Eles pareceram meio chateados.
Antes que ele respondesse, minha mãe veio com a bandeja. O pudim para ele e uma tigela com frutas cortadas para mim.
— Eu não ganho pudim?
— Você perdeu uma parte do sistema digestivo. Preciso te explicar o quanto precisa de fibras e vitaminas? - balancei a cabeça, agradecendo antes que começasse o discurso. Assim que ela virou as costas, troquei nossas sobremesas num gesto rápido.
— Obrigado. - disse, movendo os lábios sem deixar sair som.
— Pode sempre contar comigo pra te salvar de uma sobremesa indesejada. - respondi depois que ela entrou na casa.
— Bom saber. - ele respondeu colocando um pedaço de pêssego na boca. - Quanto aos meninos, não aconteceu grande coisa. Achei melhor te avisar pra evitar confusão. Você já está passando por coisas demais.
— O que houve? Você está me deixando preocupada.
— Encontrei umas fotos no histórico de navegação do celular do Pedro. Depois disso, olhei o do Victor e tinha algumas pesquisas inesperadas lá também.
— Que tipo de fotos?
— Você nem imagina? Eles têm 11 anos, estão descobrindo uma porção de sensações novas. - pensei por alguns segundos.
— JÁ? - perguntei um pouco alto demais, sussurrando depois. —Os meus bebês estavam vendo fotos de...
—Estavam. - ele se esforçava para não rir. —Eles não são mais bebês, acredite. Isso é normal.
— Pode ser, mas o que eu faço? Converso com eles sobre isso?
— Não! Por favor, não faz isso. Eu bati um papo de leve, expliquei algumas coisas, cuidados que eles precisam ter. Eles pediram para não te contar.
— Clube do Bolinha, que lindo.
— Eu não sei o que é isso.
— Desenho brasileiro. Tinha o Clube do Bolinha e Clube da Luluzinha. No do Bolinha, as meninas eram proibidas.
— Ah, então deve ser isso. Eles ficam com vergonha de uma menina saber.
— Mas essas fotos eram de coisa muito forte, degradante? Porque a internet tem uns negócios meio bizarros. E não sei se concordo com eles assistindo a maior parte desse tipo de material.
— Não. Tudo normal, basicamente algumas moças sem a blusa. Nada que eu não veria.
— Acho que eu queria não ter ouvido isso. De qualquer forma, obrigada por me contar e lidar com isso. Não sei como eu faria.
— Avisei para você não surtar se visse alguma coisa. Eles precisam confiar em nós.
— Tem razão, a minha vontade é tomar o celular, cortar a internet, mas sei que não resolve.
— Limitei algumas coisas e instalei um aplicativo espião. O histórico deles aparece direto para mim. Qualquer coisa fora do aceitável, eu te aviso.
— Ok. Seu português melhorou muito.
— Tenho estudado, mas ainda é difícil entender o que vocês falam, às vezes. Quando eles brigam, eu nunca sei do que se trata.
— Normalmente eu também não. Dizem que é uma língua difícil.
— É um pouco. Acha que vai se recuperar para participar da promoção do filme?
— Acho que não. Ninguém vai sentir a minha falta. Eles querem você e a Angela. Eu sou só a nerd por trás da história, que faz umas piadinhas na entrevista. Além disso, tenho outros projetos e preciso focar em me recuperar. Devo me limitar a comparecer ao lançamento no Brasil.
—Se você diz... Bem, eu tenho que ir.
— Eu te acompanho até a porta.
— Não precisa. Eu sei o caminho. - ele me ajudou a levantar e se inclinou se movimentou vacilante. Devia estar decidindo como se despedir. — Eu não sei o protocolo.
— Nem eu. - confessei, sentindo o ar faltar com toda aquela proximidade.
Ele me deu um beijo desajeitado na bochecha e se afastou andando rápido demais para os meus passos lerdos de convalescente. Foi uma sorte ele não olhar para trás, ou teria me visto chorar abertamente.
Naquela noite quase não dormi. A dor da perda veio com uma violência que me destruía. Lamentei, sem pudor, a vida perdida do meu bebê e a minha própria. Toda aquela saudade que me rasgava por dentro foi sentida com violência e senti muita, muita pena de mim mesma. Vi o dia nascer pela janela da biblioteca, com uma sensação que não tinha há tempos. Era como se aquele buraco começasse a diminuir. Provavelmente nunca sumiria por completo, mas, pela primeira vez, senti que poderia viver com aquilo.
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