Capítulo 15 - Zero
O barulho da chuva me fez dormir até mais tarde do que gostaria. Eram quase 8h quando acordei com Josué abrindo a porta de uma vez.
_ De onde vocês tiraram a ideia de não me ligar assim que tudo aconteceu?
_ Como conseguiu entrar antes do horário?
_ Ficaria chocada com o que as pessoas deixam passar quando você dá a entender que sabe onde está indo. Como você está, meu amor? - ele me abraçou por um longo tempo, deixando meu coração ainda mais apertado. Contive o nó na garganta para responder.
_ Ainda não falei com ninguém. Para ser honesta, nem pensei nisso.
_ É claro que não! Nem gosto de pensar em tudo o que passaram. Tudo bem com você, Jay?
_ Estou bem, um pouco cansado. O que importa agora são as meninas.
_ Sim. As duas. Você tem visita. Quer ajuda para ficar apresentável? - franzi o cenho antes de responder, nem tinha pensado na minha aparência até ele tocar no assunto, mas ele tinha razão ao oferecer ajuda. Tive essa certeza olhando no espelho do banheiro.
Tinha prendido uma trança e lavado o rosto, quando Mia entrou no quarto falando baixinho e cheia de preocupação nos olhos, me abraçando com carinho.
_ Tia! Como foi acontecer isso? Tem algo que eu possa fazer? - dessa vez não segurei as lágrimas. Mesmo que nos últimos anos tivéssemos nos reaproximado, só agora consegui receber de novo o amor da moça que foi minha sobrinha por tanto tempo.
_ Eu devia ter ficado em casa ajudando a minha mãe. Nada disso estaria acontecendo.
_ Não ouse se culpar! - Josué se meteu na conversa. _ Aconteceu. É uma droga, mas era para ser.
_ Você sabe que eu não acredito nisso. Mas estou esgotada demais para discutir e preciso ver a minha filha. Encontro vocês aqui quando voltar?
Os dois assentiram. Josué me deu um beijo e segui, dessa vez andando, até a UTI onde ela estava, levando comigo apenas o Senhor Coelho, que não foi autorizado a ficar dentro da encubadora, mas foi pendurado do lado de fora. Um pediatra estava no plantão e nos chamou para conversar enquanto eu ainda acariciava as costas dela com a ponta do dedo e contava a história da Thumbelina.
_ Bom dia, pais. Vamos conversar sobre a Diana? - relutei em deixá-la, mas segui o médico, segurando a mão de Jay. Numa área mais reservada, ele segurava o prontuário com a expressão séria. Senti falta da médica da véspera. - Ela teve mais um episódio de apneia durante a madrugada e, desde então, a saturação não está se mantendo.
_ Apneia? Significa que ela ficou sem respirar por um tempo. Mais um? Quando aconteceu o primeiro?
_ Na tarde de ontem. - ele respondeu e eu soltei imediatamente a mão do meu marido. - Prosseguindo: ela perdeu algum peso, mas a boa notícia é que o fígado está funcional e, se tudo der certo, hoje ainda podemos fazer a primeira tentativa de alimentação oral. Basicamente, é uma gotinha de leite materno para ver como ela reage. Mas a situação dos pulmões nos preocupa e vocês precisam saber.
_ Meu leite ainda não desceu. - avisei, pensando nisso pela primeira vez.
_ Não se preocupe com isso, o banco de leite nos fornece.
Minha própria respiração falhou, e saí dali com os olhos secos, me instalando na poltrona ao lado daquela incubadora e voltando à história, contada quase num sussurro. Percebi Jay chegar, mas fingi que não. Quando Thumbelina teve seu "felizes para sempre", ainda fiz mais um carinho nela e só então olhei para ele.
_ Por que não me contou da apneia? Você contou até de um bocejo e escondeu que ela podia ter morrido.
_ Ela se recuperou rápido, não vi motivos para te falar nada. Só ia te preocupar.
_ É a minha filha! - odiei ter que continuar cochichando, sob o risco de sermos ambos tirados dali pelas enfermeiras. _ Você não tinha o direito de decidir se eu devia saber ou não.
_ Eu estava tentando te proteger.
_ Mentindo pra mim? Dispenso, Jeremiah! Eu não quero falar com você agora. Se importa de ir para o quarto?
_ Você vai me tirar de perto dela?
_ Primeiro, nem sei como estão te deixando aqui, a regra é um acompanhante só. Segundo, estou te pedindo alguns minutos para digerir e não suportaria ficar longe. Mando te chamar.
Ele apertou a nuca, frustrado, triste, exausto. Meu coração apertou, mas não cedi. Deixei cair uma lágrima e voltei as atenções a Diana, que chutava o ar e abria os olhos por um segundo antes de cair no sono de novo. Eu não piscava, olhando aquela criatura minúscula e tão frágil, que nem devia saber o que estava acontecendo ali e com certeza não entendia o porquê de tanto equipamento e agulhas em seu corpo ainda nem completamente formado. Cantei, num sussurro, para ela a mesma música que cantava para os gêmeos dormirem quando eram recém-nascidos.
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo.
Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva,
E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva.Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel,
Num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu.
Vai voando, contornando a imensa curva Norte e Sul,
Vou com ela, viajando, Havai, Pequim ou Istambul.
Pinto um barco a vela branco, navegando, é tanto céu e mar num beijo azul.
Entre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grená.
Tudo em volta colorindo, com suas luzes a piscar.
Basta imaginar e ele está partindo, sereno, indo,
E se a gente quiser ele vai pousar.
Mal cheguei à última estrofe, quando a máquina apitou e levei alguns segundos para entender o que estava acontecendo. O médico se aproximou correndo com duas enfermeiras. Uma terceira me tirou dali. Tremendo, liguei para o quarto pedindo que Jay voltasse. Ele me encontrou na entrada da UTI, quando eu já era chamada de volta. Diana estava estabilizada de novo, mas o estado dela era ainda mais delicado que minutos antes.
Voltei à poltrona, vendo todo o sofrimento da minha pequena. O rostinho minúsculo deixava transparecer a dor e tudo o que eu pedia era que tudo aquilo fosse comigo. Ela era frágil e inocente demais! Uma sensação de injustiça crescia dentro de mim. Mais uma vez, engoli o choro e conversei com ela, fazendo carinho nas costas com o nó dos dedos
_ Filha, tenho certeza que você vai adorar crescer na nossa família. A gente vive de lá para cá, viaja muito e temos uma casa linda com um jardim enorme e cheio de brinquedos que seus irmãos fingem não querer mais. Temos um gato e um cachorro e, se você quiser, podemos ter qualquer outro bicho que escolha. Os meninos são bagunceiros e engraçados. Sei que eles vão te ensinar muitas malcriações e cuidar muito de você. Eles já estão loucos para te conhecer, e tenho certeza que você vai ser louca por eles. Sua avó Zita vai te mimar tanto que vou acabar tendo que pedir uma medida cautelar. Além dela, tem as duas tias-avós que são muito especiais. Tia Rose deve estar agora mesmo bordando uma tapeçaria cheia de flores para o seu quarto e tia Neuma tem a cara fechada, mas vai ser a pessoa com quem mais você vai poder contar na vida. Seu vovô Antônio vai te deixar fazer tudo o que quiser e isso vai me enlouquecer. Você tem uma porção de primos que estão doidos para te pegar no colo e te fazer de boneca. Tio Josué, provavelmente, vai ser a sua pessoa favorita no mundo. Eu sei porque é a minha. Ele sempre está lá por nós e já te ama muito. Também tem a sua outra avó, que é bem difícil, mas é possível que você a adore só pra me ensinar uma lição. Seu avô bonitão e seus tios do lado do seu pai são pessoas maravilhosas. E o seu pai... seu pai é a pessoa mais espetacular que eu já conheci. Não conte para ele, mas se eu não fosse tão doida, a gente nunca discutiria. Vou adorar vê-lo surtar quando o primeiro menino vier em casa te levar para sair. Ele é o tipo de pessoa que vai se voluntariar para treinar o seu time de baseball só para passar mais tempo com você. Quando formos comprar seu primeiro carro, ele vai escolher o que tiver mais itens de segurança, vai fingir não pirar quando você resolver sair à noite com as amigas, mas vai mandar dois seguranças disfarçados seguirem todo mundo. Eu sei disso porque ele é assim comigo. Me protege até quando eu não quero e nem preciso. Mas isso faz parte de ser amada por Jay Hite e posso garantir que vale a pena. Eu sei o quanto está doendo agora para você aí. Não era para você estar passando por nada disso. Era para estar guardadinha dentro da minha barriga até me avisar que está pronta para sair. Só queria te dizer que vale a pena lutar para fazer parte da nossa vida, mas que vou entender se você estiver cansada e quiser esperar para viver com a gente só depois. - nesse momento ela abriu os olhos negros e enormes para mim. A mão minúscula apertou de leve o meu mindinho e eu fui tirada da cadeira por uma enfermeira apressada. O médico e as enfermeiras voltaram agora ainda mais alarmados. Jay me abraçou com força e cara de choro. Nosso bebê acabara de partir.
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