- The Song -
Acordei cedo no sábado e fui direto para o chuveiro. A semana havia passado rapidamente e em meio à mensagens do Loverboy, as piadas sem graça de Ethan e o sarcasmo de Nicholas nas constantes reuniões do Grêmio, eu acabei me esquecendo um pouco do que havia acontecido naquele episódio terrível.
Eu nunca tinha ido à um estúdio musical e não fazia ideia de como era - mas por se tratar de um lugar fechado, imaginei que teria ar condicionado - então optei por usar o bom e velho jeans, uma blusa simples e um all star vermelho. Passei uma maquiagem leve e tive que colocar meus óculos de grau - geralmente eu os usava só para ler ou usar o computador, mas o dia estava realmente claro e temi por uma dor de cabeça por causa da claridade.
Quando terminei de me arrumar, notei que já eram 09:15hrs, e desci as escadas direção à cozinha. Minha avó tinha mania de tudo branco, e a cozinha parecia ser um reflexo profundo do gosto dela por coisas neutras: tudo era extremamente branco e limpo. As cores só eram encontradas nos objetos de decoração, cortinas e utensílios - a mobília e os eletrodomésticos eram brancos, do jeito que ela gostava.
— Bom dia, vó - eu disse, ainda com a voz de sono.
— Bom dia, querida. Os lanches que você me pediu estão prontos. - ela disse, apontando para uma cesta enorme que estava na bancada.
— Vó, eu pedi um lanchinho, não um pique-nique inteiro! - eu disse, rindo. Vós eram tão previsíveis...
— Eu sei, mas como eu não sabia do que o rapaz gostava, coloquei várias coisas - ela disse, e deu uma leve piscada. Eu sabia o que ela estava insinuando com aquele gesto.
— Senhora Clary, sossegue! Ele é só um amigo - eu disse, rindo.
— Eu e seu avô também somos amigos, querida - ela disse, brincalhona, e saiu para o quintal.
Como eu não sabia ao certo quanto tempo íamos ficar no estúdio, havia pedido minha avó para preparar um lanche para que nós não ficássemos com fome. Eu chegava a ser sem educação de tanto que comia, e meu avô sempre brincava perguntando para onde ia toda aquela comida.
Ouvi a buzina lá fora e imaginei que Nicholas já havia chegado. Peguei meu celular e uma pequena bolsa vermelha contendo meus documentos, peguei a cesta e fui em direção à porta, gritando um tchau para minha avó.
Meus olhos brilharam quando saí e encontrei um Nicholas de cabelo bagunçado encostado no carro. Ele usava uma camisa preta com os dizeres "Platform 9 3/4" e eu quis apertá-lo - era difícil encontrar alguém que entendesse referências de Harry Potter, e ele estava fazendo isso de uma maneira inteiramente certa.
— Bom dia! - eu disse, sorrindo.
— Bom dia - ele respondeu. — Nossa, o Zé Colmeia vai adorar essa cesta - ele disse, debochado.
— Vou fazer questão de contar à minha avó que você está desdenhando dos lanches que ela preparou, ingrato. - eu retruquei, rindo
— Que isso, estou só brincando - ele disse, e logo já estávamos indo em direção ao Estúdio.
Cerca de 15 minutos depois nós chegamos ao que parecia uma casa luxuosa, mas na fachada continha um letreiro muito bonito de acrílico em letras garrafais que dizia "SoulMusic Records". O muro era de vidro e a casa era de um branco gelo muito bonito. As janelas - que estavam fechadas - eram grandes e de um vidro fumê que era quase preto.
Nicholas estacionou em frente ao estúdio e nós descemos do carro. Ele tirou um molho de chaves do bolso e abriu o portão do estúdio, fechando-o novamente assim que eu passei. Nós adentramos a casa após Nicholas abrir a porta de correr e eu fiquei maravilhada com o lugar.
Havia um corredor extenso com diversas portas, e Nicholas me mostrou os locais que eles dispunham: dois estúdios de gravação e um estúdio especial para ensaios. Os equipamentos me fizeram sentir num reality show de música e os instrumentos musicais pareciam brilhar.
— Só temos clientes depois do meio dia, então você vai me ajudar a atender telefonemas e cuidar das redes sociais do estúdio - Nicholas disse, forçando parecer sério, assim que entramos em um dos estúdios de gravação.
Havia um iMac novinho à direita, e um painel que dispunha de uma televisão enorme à esquerda. Logo abaixo havia um equipamento com diversos botões e em frente à ele, um grande vidro que dava para um pequeno estúdio acústico com um microfone. Notei que a porta que dava para aquele estúdio parecia pesada.
Nicholas ligou o computador e eu senti uma vontade súbita de perguntar:
— Como uma música é gravada? - eu perguntei, parecendo leiga. E eu realmente era.
— Você não sabe como funciona? - ele retrucou, erguendo a sobrancelha direita. Eu neguei com a cabeça e ele se levantou.
— Quando o artista compõe a letra da música, às vezes a melodia vem junto, e às vezes o produtor musical o auxilia com isso. Quando letra e melodia estão prontas, as partituras são passadas para a banda e cada um decora o que seu instrumento deve tocar. - ele começou, e seus olhos brilhavam a cada palavra, como se ele gostasse muito daquilo.
— Então vem a gravação. A banda passa o som pronto, como se fosse um ensaio, para que agudos e graves sejam ajustados da maneira correta e a música tenha uma harmonia precisa. Esse processo chama-se equalização - ele continuou, e eu ouvia atentamente.
— A bateria é a primeira a ser gravada, e ela e o contrabaixo compõem a base da música, e é através das marcações causadas por eles que o resto da banda pode gravar, a partir dessa base. O restante pode gravar junto ou separado, depende do caso - ele prosseguiu.
— Depois disso, a música passa por um pré-amplificador e chega até a interface, um aparelho que faz a digitalização da música para ela ser passada para o computador. Aí quando ela chega no pc, a música é editada e manipulada para chegar à harmonia perfeita. - ele apontou para o computador que eles utilizavam naquele processo.
— Então é feita a mixagem e a música é finalmente masterizada, e finalizada para um CD ou plataforma digital. - ele terminou de falar e fez uma mesura em agradecimento um tanto quanto forçado. Eu ri alto daquele gesto e bati palmas de maneira sarcástica.
— Parabéns mestre, se o jornalismo não der certo já sei onde você vai trabalhar - eu disse, rindo.
Depois de atender alguns telefonemas e agendar visitas ao estúdio para algumas bandas, Nicholas terminou de cuidar das redes sociais e eu sugeri que nós comêssemos, pois eu não havia tomado café da manhã.
Sentamos no chão e abri a cesta. Peguei um sanduíche natural e uma garrafinha de suco (que provavelmente já havia esquentado), e Nicholas fez o mesmo, e começamos a comer em silêncio.
— Sabe o que eu estava pensando? - falei.
— Que eu sou lindo e uma ótima companhia? - ele disse, de forma sarcástica.
Isso também, pensei. — Não, idiota! Que eu não sei quase nada sobre você. Até onde sei, você poderia ser um maníaco da serra elétrica. - eu disse, rindo.
— Então eu proponho um jogo de perguntas e respostas, e você descobre se eu sou ou não o maníaco da serra elétrica, - ele disse rindo, e eu concordei com a cabeça. — Tá, eu começo. - ele disse.
— Quantos anos você tem? - ele perguntou. — 19. E você? - eu respondi.
— Tenho 21. - ele disse.
— Cor favorita? - eu disse, rapidamente.
— Preto. E você?! - ele respondeu. — Azul. - eu disse, pensando no quanto eu amava aquela cor.
— Hum... Filme favorito?! - ele perguntou, e eu fiquei em dúvida antes de responder.
— Bom, tirando Harry Potter... Acho que Beastly. Fala sobre o amor que não enxerga aparências. - eu disse. — E o seu?
— Eu não tenho um favorito, mas gostei de 'As vantagens de ser invisível'. - ele respondeu. — E a sua música favorita? - Ele perguntou.
— Difícil! Mas ultimamente tenho ouvido muito 'After tonight', do Justin Nozuka. E a sua?
— Between the bars, de Eliott Smith. - ele disse, com os olhos brilhando.
— Eu não conheço. Depois vou ouvir. - eu disse, sorrindo.
— Tenho uma ideia melhor - ele disse, levantando-se e pegando um violão que estava encostado na parede. — Eu vou tocar ela pra você. - Assenti, e ele começou a introdução com o violão e eu notei que ela parecia ser muito agradável. E então, ele começou a cantar. Sua voz era muito bonita, e tinha um tom meio rouco. Eu não entendia de tipos de vozes como soprano e tudo o mais, mas eu gostava da voz dele.
Drink up, baby, stay up all night
(Acabe sua bebida, baby, fique acordada a noite toda)
With the things you could do, you won't but you might
(Com as coisas que você poderia fazer, você não vai, mas pode)
The potential you'll be that you'll never see
(O potencial que você tem, mas você nunca vê)
The promises you'll only make
(As promessas que você apenas fará)
Drink up with me now, and forget all about
(Beba comigo agora, e esqueça todo o resto)
The pressure of days, do what I say
(A pressão dos dias, faça o que eu digo)
And I'll make you okay, drive them away
(E eu farei você ficar bem, e afastarei para longe)
The images stuck in your head
(As imagens presas em sua cabeça)
People you've been before
(Pessoas que estiveram com você antes)
That you don't want around anymore
(Você não as quer mais por perto)
They push and shove and won't bend to your will
(Elas puxam e insistem e não entendem sua vontade)
I'll keep them still
(Eu as manterei quietas).
Ele terminou de tocar e notei que estávamos muito próximos. Meu corpo parecia não obedecer minha mente e foi se esgueirando para mais perto de Nicholas, e chegou um momento que estávamos tão perto que eu conseguia ouvir sua pulsação, e tudo o que eu consegui fazer foi fechar os olhos em expectativa.
Nossas bocas já estavam a uma distância pequena quando a campainha tocou e eu dei um pulo para longe de Nicholas no susto. Ele parecia atordoado, e levantou-se para olhar quem era pelo circuito de câmeras.
— São os músicos que vão ensaiar - ele disse, se justificando. Eu assenti e ele foi recebê-los.
Me senti completamente constrangida pelo que ia acontecer. Me praguejei baixinho por algum tempo até recuperar a sanidade para não permitir que aquilo acontecesse. Éramos amigos, só isso.
O dia passou normalmente no estúdio, volta e meia atendia telefonemas e até ajudei Nicholas a limpar o estúdio. Quando já eram quase 16h ele disse que já iriamos fechar. Juntei minhas coisas e fomos para minha casa.
Quando chegamos eu agradeci por não ter um clima tenso entre nós. Me despedi normalmente com um abraço e agradeci pelo dia à ele, que fez o mesmo. Entrei em casa e ele foi embora.
— Que sorrisinho é esse, Grace?! - minha avó perguntou, com uma cara de quem sabe das coisas.
— Não tô rindo de nada, tá doida?! - eu disse, e subi para o quarto.
Deitei na cama e comecei a repassar cada minuto daquele dia. Fazia um tempo que eu não me sentia tão bem.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro