Vem aqui
— Não acho que as dez pratas achadas na rua vão servir de algo para te ajudar... A cena deve ter sido linda, mas sinto muito, eu sei que foi a que mais durou contigo.— ele disse do outro lado da linha e eu sorri deitando-me debruços e abraçando o Pato.
— Agora estou com receio de falar com meu pai. Ele vai querer tirar satisfação mesmo que...— eu bato com a língua nos dentes antes de admitir que eu que comecei essa briga, não falei para Vincent o que meu pai e eu fizemos em sua defesa e sei que ele não gostaria do meu pai estar envolvido nisso. Vincent gosta do caos, mas não suporta ser protegido de qualquer forma.
— Mesmo que...?— Vince incentiva, curioso por eu ter travado.
— Desculpa, me distraí com nosso filho.— brinco, tentando desviar o assunto.
— Ah, é! Sua maldita! Não me devolveu meu garoto essa semana!— ele morde a isca facilmente e eu dou risada.
— Ele não quis sair da cama esses dias, acho que não está muito satisfeito com nosso divórcio, querido.— ironizo brincando com o bico do Pato.
— Tenho que admitir, nem eu, querida.— Vince joga de volta e eu reviro os olhos mordendo o lábio para segurar o sorriso mesmo que ele não possa ver.
— Você é um idiota, sabia?
— Um idiota pelo qual você foi apaixonada toda sua vida, então vê se chora menos.— Vince debocha e eu bufo fingindo impaciência.
— Espera aí, seu filho quer te falar alguma coisa— coloco o ouvido contra o bico da pelúcia e faço uma pausa dramática— Ah, sim, sim, meu querido, é isso mesmo...
— E o que ele está dizendo?
— Quá, quá, papai é um otário, quá!
— Está passando tempo demais somente com a feiosa da mãe dele.
— Você pode mudar isso.
— Ah, é?
— É. Vem pra cá.— chamo sem nem pensar a respeito. É tarde da noite, meu pai está roncando alto no quarto com Kisha deitada nos seus pés.
— Está tarde, né?— sua voz sai baixinha e eu balanço os pés distraidamente, um pouquinho agitada. O dia passou muito rápido, sinto como se nem tivesse tido tempo com Vince. Nem mesmo lembro o que fizemos no intervalo.
— Isso nunca te impediu antes.— ironizo, ele gosta de vir a qualquer hora, isso não é desculpa.
— Se eu não te conhecesse diria que está com saudades minhas, capivarinha.— ironiza e eu deito a cabeça no peito do Pato.
— Vem cá, Vincent.
— Quais as palavrinhas mágicas?
— Vem aqui agora, Vincent.
— Está bem, já estou indo.
[...]
Quando atendo sua ligação de volta já estou no andar de baixo, pronta para recebê-lo. Não me preocupo muito em ser silenciosa já que minha cachorra está com meu pai.
— Oi, já vou abrir....
— Volte para o seu quarto.— ele me corta e eu franzo a testa, sem entender e ainda indo até a porta da frente.
— Mas eu já estou aqui na porta...
— Volta para o seu quarto, Ali! Por favor!— ele insiste, parece empolgado.
— Está bem...— eu dou meia volta e subo as escadas pulando os degraus de dois em dois. Passo pelo quarto do meu pai e me fecho no meu, trancando a porta atrás de mim— E aí?
— Já está no quarto?
— Sim.
— Abre a janela.— ele pede e desliga sem mais delongas. Franzo a testa, curiosa, porém vou até a janela e a escancaro. Está muito escuro do lado de fora e eu olho para baixo esperando minha visão se adaptar à escuridão, mas a palidez de Vince sempre se destaca.
— Isso é sério?— sorrio, debruçando-me no parapeito.
— Não é charmoso?— ele sorri jogando as mãos para cima. Vi que ele estava carregando seu violão nas costas.
— Shh!— sibilo em censura olhando por cima do ombro como se meu pai fosse romper pela porta no instante seguinte.
— Shh você!— ele retruca e começa a escalar a trepadeira com uma coragem surpreendente, já que Vince tem muito medo de insetos e eles vivem em trepadeiras. Quando ele estava chegando perto o suficiente, lhe estendi a mão, mas o garoto, teimoso como uma porta, ignorou e sacudiu a mão para que eu saísse da frente. Ergui as mãos e recuei com um sorriso no rosto.
Sem nenhuma classe, Vince tombou para dentro do meu quarto fazendo uma barulheira enorme com seu violão. Me segurando para não gargalhar alto, eu o ajudo a levantar mesmo com ele resistindo.
— Está tentando me seduzir com isso?— levanto a sobrancelha. Seus olhos de amêndoa encontram os meus e meu sorriso cresce.
— Depende, se sente seduzida?— ele não para nunca. Balanço a cabeça e reviro os olhos— Espera aí, eu... eu acho que furei o dedo.— ele franze a testa e eu ajeito sua jaqueta jeans antes de segurar sua mão esquerda com uma gota insignificante de sangue.
— Não é nada grave, só vai deixar uma cicatriz.— ironizo.
— Tem certeza? Eu acho que vou morrer.— ele dramatiza como sempre. O encaro com tédio— Que foi? Não vai deixar de dar um beijinho pra eu sarar, vai?— ele faz bico, manhoso, empurro seu ombro depois o puxo para se sentar na minha cama.
— Espera aqui.— ordeno e saio do quarto começando a fazer silêncio só então. Vou para o banheiro na ponta dos pés só para pegar um band-aid da Moranguinho e volto a me trancar com Vincent. O moreno está confortável na cama, já tirou seu violão da capa e fica o afinando— Não ouse tocar agora.
— Ah, por que não? Não posso fazer uma serenata para ti, minha Julieta? Digo, meu castorzinho?
— Você faz ideia do quanto eu te odeio, não faz?— resmungo me sentando do seu lado, ele colocou o violão de lado e chupou o dedo— Seu selvagem.
— É porque você não me viu na cama.— ele ironiza e nós rimos baixinho, pego sua mão de volta e a coloco no meu colo, enrolando seu indicador com o band-aid bonitinho.
— Prontinho.— só depois eu deposito um beijinho breve no curativo.
— Está tentando me seduzir com isso?— ele levanta a sobrancelha.
— Depende, se sente seduzido?— retruco. Vince sorri lindamente e vai se encostar na minha parede.
— Pode crer, Ali, meu coração está batendo muito forte agora.— ele ironiza colocando de volta o violão no seu colo.
Nós temos que nos refrear. Eu sei que estamos flertando e aposto como ele também está se divertindo muito com isso, mas prometemos nos comportar quando estivéssemos sós, é o que penso, mas outra vez minhas atitudes contrariam meu consciente.
Inclino-me em sua direção e coloco a mão em seu peito, sentindo seu coração batendo forte de verdade. Sorrio de canto maliciosa, encarando seu rosto odiosamente simétrico e lindo.
— Ah, é esse o efeito que eu tenho sobre você, hum?— ironizo e ele me encara intensamente.
— Eu só não te bato com o violão para não machucar meu violão.— ele dá um beijinho no instrumento e eu dou risada, encostando-me do seu lado, nossos braços espremidos um contra o outro. Jogo minha cabeça no seu ombro e respiro fundo, confortando-me com meu melhor amigo ali comigo. Mesmo com minha censura, o rebelde Vincent começou a dedilhar o violão num ritmo tranquilo que eu não identifiquei.
— Se meu pai acordar, o que nós vamos falar?
— O que você vai falar.— ele me corrige encostando sua cabeça na minha— Eu vou me esconder embaixo da cama ou simplesmente vou me jogar pela janela. Nós dois sabemos que o querido Ollie detesta me ver fora do horário comercial.
— Ele te ama, você sabe. Do jeito dele.— murmuro, querendo dormir quase que imediatamente com a musica que ele toca. Eu tenho quase certeza que é daquele havaiano...
— Ah, eu sei. Se ele fosse só um pouquinho mais novo, eu virava sua madrasta.— ele zomba e eu gargalho, tendo que bater na minha boca logo em seguida.
— Ele é bem hetero, sabe... Mas pensando bem, não acho que você teria chance mesmo se não fosse.
— Segundo o casal mais famoso da psicologia, que infelizmente não deu certo, Freud e Jung, todos nós nascemos bissexuais.— Vincent é apaixonado pela psicanálise, foi por causa dele que eu pesquisei mais a respeito da psicologia em geral, mas ainda assim as vezes fico confusa com o que ele fala, apelando muito para filosofia, outra matéria que não entra em minha cabeça.
Desculpe, Aristóteles, Sócrates, Platão e o caralho.
— Freud era pansexual.
— Dá no mesmo.— ele retruca e nós ficamos em silêncio, mas aparentemente ele não está no pique para tocar e para— Você está bem?— ele pergunta em um tom rouco e eu levanto a cabeça, puxando as mangas da minha blusa para que ele não veja que me arrepiei involuntariamente com seu sussurro. E lá estava ela novamente, a nossa proximidade, seu nariz a poucos centímetros do meu, olhei em seus olhos sentindo cócegas por causa do seu hálito quente batendo contra meu rosto e sorri.
— Por que não estaria?
— Você me viu durante toda manhã e já estava sentindo minha falta durante a noite?— ele se inclinou na minha direção como se fosse me beijar, eu senti que ele queria, mas Vince mordeu o lábio e recuou novamente.
— Você não viu meu treino hoje, não estava lá quando a senhora Montgomery me elogiou.— sussurrei— Gosto quando torce por mim, sabe, é seu trabalho mesmo que eu não esteja numa competição.
— Como seu falso namorado?
— Como meu melhor amigo.— corrijo e ele sorri de canto baixando o olhar.
— Está bem, isso não vai se repetir. Vou em todos os seus treinos de agora em diante.— ele prometeu e eu sorri, assentindo em aprovação— Vou escrever seu nome nas minhas bochechas com tinta e vaiar seus adversários— ele brinca passando o dedo com curativo na minha bochecha e eu dou risada, me encolhendo e segurando sua mão— como um bom melhor amigo faria.
Eu amo esse garoto, o amo demais.
— Manda a ver, Vivi, seja meu maior fã.
— Ah! Há quanto tempo não ouço esse apelido.— ele ri e vira o rosto se afastando apenas para colocar o violão no chão encostando-o na minha mesa de cabeceira— Lembra que eu te chamava de Lili?
— Claro que eu lembro, lembro até do nosso toque de ET.
— Está zoando!
— De jeito nenhum.
— Casa, Lili.
— Casa, Vivi.— nós tocamos os indicadores e imitamos o barulho das abelhas, tremendo nossas mãos como se o toque fosse eletrizante. Muito diferente de quando éramos crianças, de fato foi.
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