Quando os segredos deixam de ser segredos
ALICE SALTZMAN
Isso é arriscado, muito imprudente. Papai está em casa hoje e mesmo assim estamos aqui, enrolados nos lençóis e completamente nus. Vince tem que ir embora daqui a pouco, mas eu não o deixo sair, com o braço e a perna jogados por cima do seu corpo, a cabeça deitada sobre seu coração. Estou cansada, é insuportável ter que ser silenciosa, mas é isso ou ver de camarote papai levar Vince para conhecer Jesus Cristo pessoalmente.
— O que você vai fazer amanhã?— ele me pergunta baixinho. Já falei que gosto da sua voz nesse volume?
Sem compromisso, ele desenha uns círculos ao redor da minha orelha com a ponta do indicador. É um carinho gostoso e me deixa mais sonolenta ainda. Quero que ele passe a noite, mas não podemos fazer isso. Dormir juntos já é um grande passo para acabar arruinando tudo.
Ergo a mão e encontro seus cabelos úmidos de suor, querendo enrolar um de seus cachos no dedo.
— Sinto que estou prestes a descobrir.— comento no mesmo tom, porque não podemos fazer barulho. Queria ao menos ter a possibilidade de acender o abajur, mas meu pai sabe que eu não durmo com a luz acesa desde os sete anos. Seria bom poder enxergar o rosto de Vincent, mas agora não dá.
Ele soprou uma risada fraca, também cansado. Eu devia convidá-lo para dormir aqui. Está tarde para ir para casa sozinho.
Não, não dá... se bem que... ele nem mora muito longe...
— Tenho que te mostrar uma coisa. Um lugar.
— Ah, já sei, um lugar só seu?— ironizo. Como assim Vince tem um lugar e eu não ouvi isso até agora? Ele deve estar brincando.
— Não. Não é meu.
— Mas você nunca levou nenhuma garota para lá?— ergo a cabeça, e mesmo que não possa ver qualquer detalhe do seu rosto, apoio a cabeça na mão e afundo o cotovelo no travesseiro, ficando bem pertinho do rosto dele.
Os dedos de Vince que estavam rodando minha orelha vão descendo pela minha nuca até as minhas costas nuas. Me arrepiei e me encolhi contra ele.
— Não. Ninguém sabe que eu vou lá. Acabaria meio mal se descobrissem também...— para os níveis de Vincent, ele está soando bastante sério. Uno as sobrancelhas, começando a ficar preocupada.
— E por que eu só estou sabendo disso agora?
— Porque eu ia lá para me esconder. Mas eu não faço mais isso tem um tempo recorde.
— Se esconder do seu pai?— deduzi após uns segundos tensos de silêncio.
— É.
Eu sabia.
Fecho os olhos e respiro fundo. É uma pena que não dê para apagar essa parte da vida de Vincent. Eu queria tanto lhe tirar desse mundo que não o merece.
— Você sabe que poderia passar mais tempo conosco. Aqui também é sua casa.
— Não é fácil assim, Ali.— ele diz com ternura, colocando a mão livre no meu rosto, o polegar acariciando minha bochecha.— Não posso ser mais incômodo do que já sou.
— Você não é incômodo algum.— minha voz saiu mais alta do que o programado, mas logo me recompus.— Nós amamos você, Vince, sabe que meu pai faria qualquer coisa para te ajudar.
— A gente pode não ter essa conversa agora? Não quero estragar esse momento, só quero te chamar para um encontro.
Me calei. A contragosto, mas calei.
— Você vai?— seus dedos encontraram minha cintura.
— Vou. É claro que vou.
— Que bom.— ele se aproximou e mesmo que estivesse tentando acertar um selinho, só fisgou o canto dos meus lábios. Não estava esperando ser tirada do caminho até ser.
Vince passou por cima de mim para se levantar e começou a se vestir. Me sentei e abracei minhas pernas contra o peito.
— Tem que ir?— pergunto tolamente. A luz da janela atinge as costas dele e eu posso ver as suas curvas, os seus cabelos bagunçados. Nem temos certeza se ele está vestindo o meu terno ou o dele mesmo, mas não faz diferença.
— Eu sei que é tremendamente difícil tirar as mãos do meu corpinho lindo, mas não se preocupe, eu volto.
— Vince.— eu chamo quando ele pega o celular na mesa de cabeceira e acende a lanterna para achar seus sapatos e camisa. Ele aponta a lanterna para meu rosto e eu faço careta. Quero muito que ele fique. Preciso que ele fique.
Mas eu não falo nada disso.
— Toma cuidado lá fora, está tarde.— no tempo de pausa que eu dei, ele deve ter notado o que eu estou pensando de verdade, por isso relutou.
Mas não podemos fazer isso, e ele sabe. A gente não devia nem desejar uma coisa dessas. É um sintoma de alguém apaixonado. Nós não vamos nos apaixonar um pelo outro. Não dá. Não quero perder meu melhor amigo.
Vince desligou a lanterna e colocou a camisa.
— Tá bem. Não se preocupa com isso.— posso ouvir o seu sorriso. Mordo o lábio e deito a cabeça em meus joelhos.
Não falamos nada até ele ir embora, dando um beijo de despedida na minha boca. Segurei seu rosto com mais força do que o necessário. Você precisa passar a noite aqui, eu pensei, mas o soltei em seguida e o deixei sair pela janela.
Fui dormir abraçada ao Pato.
[...]
Encaro a hora na tela do meu celular outra vez e meu estômago ronca alto, obrigando meus olhos a desviarem para o prato de bacon e ovos frios que papai fez para mim antes de ir se arrumar para o trabalho.
Quando ele desceu, eu ainda não tinha pegado no garfo. Meu corpo está com fome, mas eu não estou com fome.
Não sei se é possível entender.
— O que foi, lobinha?— papai pergunta, dando a volta na ilha para pegar um pedaço de bacon do meu prato.
Apoio o rosto na mão e o cotovelo na ilha.
— Nada. Estou meio lesada ainda, acho que é sono.— suspiro encarando o mais velho. Ele cerra os olhos para mim com desconfiança, mas eu não estou mentindo. Com a mão livre, escondo o pescoço. Só por precaução.
— Está bem, com fome ou não, você não vai desperdiçar esse prato.— ele beija o topo da minha cabeça e ajeita a mochila no ombro. Tem alguma coisa de diferente nele... o que é?— tenho que ir, mais tarde vou fazer uma salada de frutas para melhorar seu humor. Não se esquece de aspirar a casa hoje, até!— ele pega mais um pedaço de bacon e se afasta em direção a garagem. Cerro os olhos, agora a desconfiada aqui sou eu.
Respiro fundo e aí percebo, papai passou perfume.
Por que ele passou perfume? Pra trabalhar?
Curiosa, vou até a janela da frente de casa e espio por trás da cortina enquanto meu pai sai com o carro, batendo animado no volante ao tirar o carro da garagem.
Mas o que é isso?
[...]
É provável que eu não devesse seguir meu pai para o trabalho por causa de uma suspeita tão recente e infundada, mas talvez se Vincent respondesse minhas mensagens eu não estivesse agindo dessa forma. Eu esperei por mais horas e nada. Não sei o que aconteceu com ele, mas caso tenha acontecido algo com seu celular, — o que não seria a primeira vez — eu deixei um bilhete na minha janela avisando que estaria no hospital e que ele tinha que me esperar no meu quarto para que não houvessem desencontros.
Em compensação da falta de comunicação com Vincent, notei que Lorenzo me ligava, mas ignorei as três primeiras tentativas durante a minha viagem curta, acabando por ceder já que sabia que ele não desistiria tão cedo.
— O que você quer?— atendi, já descendo do uber que me trouxe até a unidade em que meu pai trabalha. Passei muito tempo passeando por esses corredores quando eu era menor, mas houve uma reforma geral uns dois anos atrás e minhas visitas diminuíram significativamente, então eu posso estar mais longe do meu destino do que espero.
— Você não tem o direito de ficar zangada comigo.— ele começa e eu uno as sobrancelhas, parando antes da porta automática se abrir com minha aproximação.
— E quem disse que eu estou zangada com você, senhor Smith?
— As ligações perdidas e a sua cara ontem à noite me trouxeram pistas o suficiente.
— Ah, você interpretou ambas errado então.— reviro os olhos ao me recordar do nosso encontro no terraço. Superei muito rápido.
— Então vai me dizer que não ficou com raiva por me ver com sua melhor amiga?
— Colega.— corrijo rapidamente— e não, eu não dou a mínima para quem quer que você esteja comendo. Não namoramos mais por causa disso, não é?
— Muito engraçadinha. Sua cara disse outra coisa.
— Lorenzo, estou falando sério quando digo que não fiquei zangada com você.
— Com a sua colega já não é a mesma história, suponho.
— Olha, ele consegue pensar.— ironizo e o ouço bufar do outro lado da linha.
— Está passando tempo demais com Cameron.— ele diz e um sorriso nasce no meu rosto.
É estranho estarmos falando disso com tanta naturalidade, mas acho que posso me acostumar. Não acho que podemos nos tornar amigos íntimos, mas apenas amigos deve bastar.
— Passamos muito tempo mesmo juntos ontem à noite.— zombo e posso imaginar a cara que meu ex está fazendo neste momento.
— Eu não preciso saber disso. E... o que você está fazendo agora? Que barulho é esse?— ele pergunta, provavelmente se referindo ao som dos carros e motos passando na rua atrás de mim.
— Ah, eu vim ao hospital.
— Você está bem?— ele pergunta, preocupado. Sopro uma risada e balanço a cabeça.
— Eu tô, é que.... vim checar uma coisa.— cerro os olhos encarando o outro lado das portas de vidro, mas infelizmente não reconheço nenhuma enfermeira.
— Seu pai está me devendo uma bola, sabia?
— A gente não vai embarcar nessa, até porque você está me devendo uma bicicleta!
— Você atirou ovos na minha casa! Inclusive, se fizer isso de novo, eu vou quebrar as pernas do seu namoradinho.
— Não enche, Lorenzo, vai dormir.— digo desligando o telefone e fico rindo sozinha.— Garoto idiota.— passo pelas portas automáticas e vou direto para o balcão, o hospital está com pouco movimento, acho que isso é bom.
A atendente não parece muito interessada em mim na primeira espiada, mas logo depois ela parece me reconhecer. Eu observo seus cachos presos em um coque e a verruga sobre seu lábio e me recordo do seu nome sem ver seu crachá: Stephanie! Coloco um sorriso no rosto e ela retribui imediatamente.
— Pequena Saltzman, quanto tempo! Garota, como você cresceu!— ela diz e eu apoio o tupperware na bancada quando a mais velha se levanta para apertarmos as mãos. É apenas a falsa marmita que eu montei para meu pai para ter um pretexto de vir até aqui procurar por ele.— Está tudo bem com você? Santo Deus, você está cada dia mais parecida com sua mãe.
— Ah, obrigada. Eu estou bem sim e a senhora?
— Senhora está no céu, minha linda.— ela replica e nós rimos— Eu vou bem. Por que não está com seu pai então? Pensei que fossem aproveitar a folga dele juntos.
Meu sorriso vacila.
— Ah!... a folga...— eu não gosto disso, não gosto nem um pouco disso. As engrenagens do meu cérebro começam a rodar e eu mordo o lábio, desassociando brevemente.
Ela percebe e seu semblante muda lentamente, como se o arrependimento batesse com força por ter delatado um colega de trabalho sem saber. Mas que porra meu pai está fazendo se ele não está no trabalho?!
— Oh... você não... Bem, ele deve estar programando uma surpresa para você...
— Ah, não, olha, eu acho que já vou para casa, então, se ele não está aqui. Sinto muito pelo incômodo.— a interrompo da maneira mais educada possível, agora com pressa para encontrar o traidor do meu pai. Olho ao redor cerrando os dentes, mas paro antes de dar meia volta, porque reconheço uma mulher no corredor que leva para a UTI. Com roupas claras e amassadas, a morena anda de cabeça baixa e ombros curvados.
Meu sangue congela. O que a senhora Cameron está fazendo aqui?
Não sei exatamente a partir de que segundo meus pés começaram a se mover na direção dela, mas quando pisquei, já estava lá, alcançando-a e agarrando seu braço. A mais velha me olha com aversão e surpresa antes de me reconhecer, então seu semblante se torna tenso.
— O que a senhora está fazendo aqui?
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