O encontro
ALICE SALTZMAN
— Para onde você está indo, lobinha?— papai me perguntou apoiando-se no batente da porta. Fiquei quieta até terminar de passar o delineador.
— Vou sair com Vince daqui a pouco.— respondo vendo se minha maquiagem está simétrica. Olho para meu pai e ele está com a testa franzida, me medindo de cima a baixo.
— Por que está tão arrumada para sair com o Vincent?— ele quer saber, eu nunca me arrumo tanto para sair com meu melhor amigo, mas tive de abusar da vaidade para que os outros vejam como eu posso bem e bonita. Quero que pensem: uau, olhe só como Alice melhorou depois que terminou com Lorenzo! Parece mesmo que ela tirou um grande peso dos ombros, está tão radiante!
Fiz uma coroa de trança nos meus cabelos, coloquei uma blusa vermelha que deixa meus ombros expostos e coloquei uma calça jeans preta além das botas de cano longo. Posei o delineador na pia apanhei minhas argolas de prata, colocando-as na orelha enquanto encaro meu pai.
— O que que tem? Sabe que eu gosto de ficar arrumada, papai.
— E para onde é que vocês vão?— ele pergunta, me surpreende estar de pé uma hora dessas, normalmente sempre que volta do trabalho vai direto para a cama, mas olhando diretamente em seu rosto não noto um pingo de cansaço.
— Vamos no parque de diversões.
— Parece muito.... séria para quem está indo no parque.
— Ah, meu Deus, você acha? Sim, sim, tem razão!— olhei-me no espelho e medi meu reflexo de cima a baixo. Estou muito elegante para quem só vai se divertir perto de casa ainda mais em um lugar tão descontraído. Será que vão achar que eu estou forçando a barra com meu batom vermelho?— Ah, Deus, eu tenho que mudar tudo!— empurrei meu pai da frente e saí do banheiro correndo de volta para o meu quarto. Meu pai me seguiu.
— Está acontecendo algo que eu devo saber?— ele me pergunta, ficou realmente interessado por me ver tão arrumada, mas não é Vincent que eu quero impressionar. Se não fosse embaraçoso demais, eu juro que contaria para meu pai o que está acontecendo, mas nunca que ele concordaria com meu plano mirabolante e certamente me traria para a razão — provavelmente me arrastando pelos cabelos.
— Do que está falando?— me faço de desentendida fechando a porta na sua cara para me despir.
— Não sei, você e o pirralho Cameron têm agido estranho...— ele comenta, sua voz sai abafada através da porta e eu corro para revirar meu armário e a cômoda atrás de uma roupa mais descontraída, mas também não desleixada demais.
— Ah, papai— sopro uma risada fraca— Está preocupado com alguma coisa?— faço pouco caso. Não, não tem nada com o que se preocupar, eu e Vincent continuamos agindo normal em casa que é um território seguro, do que é que ele está falando?
Tiro a blusa com cuidado para não desmanchar a trança e chuto as botas para o lado.
— Não, não, claro que não. Só fiquei curioso.— ele fala como quem não quer nada e por um momento eu me pergunto se alguém pode ter lhe contado alguma coisa ou se ele mesmo viu Vincent e eu nos beijando no colégio, mas não me parece nada provável. Primeiro que se alguém tivesse lhe contado algo ele não ficaria enrolando assim, segundo que se ele tivesse visto algo, certamente já teria escalpelado Vincent.
Meu pai ama meu melhor amigo de um jeito bem peculiar, ele o trata bem á sua maneira e o acolhe quando necessário, mas por algum motivo ele fica muito enciumado sempre que alguém insinua que Vincent e eu vamos ficar juntos logo, logo — geralmente algum colega do hospital. Nunca me aprofundei no assunto e sinceramente acho que nem quero. Quando a campainha toca sei que estou muito atrasada, porque Vince nunca chega no horário sabendo que eu vou demorar para me arrumar.
— Merda!— sibilo.
— Eu atendo!— papai diz e eu ouço seus passos se afastando enquanto bagunço minha gaveta a procura de qualquer coisa. Finalmente encontro um vestido branco plissado bem delicado de garota camponesa e luto contra o jeans, ofegando contra o travesseiro pelo fato de ele estar muito apertado. Batidas na minha porta atraem minha atenção enquanto coloco o vestido.
— Já vai!
— Jesus, ainda não está pronta, castorzinho?— a voz zombeteira de Vincent me faz revirar os olhos— Eu vou dar uma volta, me ligue quando estiver pronta.
— Calma aí, calma aí!— corri para abrir a porta e Vincent deu meia volta. Não está nem arrumado nem bagunçado, é seu estilo de sempre. Sequer penteou o cabelo, mas ao menos está cheiroso. Ele sorri para mim.
— Vamos colher algumas flores no campo, querida?— ele caçoa e eu o puxo para dentro deixando a porta escancarada. Vince vai se sentar na minha cama ajeitando a corrente de prata que usa desde os catorze por cima da camiseta preta. Estamos em um incrível contraste como se a vida estivesse saindo com a morte, Jesus Cristo. Caço por minhas botas de coturno ao lado do guarda roupa e corro de um lado para o outro no quarto atrás de um par de meias— Por que não vai de sandália? Essas botas não combinam com esse vestido.
Parei outra vez e me medi querendo chorar. Quase arremessei as botas em Vincent porque para minha devastação, ele está certo. Ele recolheu os pés e riu quando atirei-as em sua direção com bem menos agressividade do que desejava.
— Acalme-se, Ali!— ele pede fazendo gestos com as mãos como se fosse me abanar— Não acho que seria muito legal você ter um ataque de nervos justo no nosso primeiro encontro.
— Cale a boca!— censurei correndo para a porta e relaxando ao ver o corredor vazio. Fulminei Vincent com o olhar e ele ergueu as mãos em rendição.
Achei minhas sandálias brancas e mostrei para Vince em busca de sua aprovação mesmo que ele não tenha o menor senso de moda. Ele assentiu.
— Que adorável você está, castorzinho.
— Obrigada— o lanço um sorrisinho cínico e Vince ri.
— Eu não estou zombando, eu juro.
É dificílimo saber se ele está sendo sincero, principalmente se tratando de dar elogios. Eu sempre medi sua honestidade com um "achometro", agora mesmo eu acho que ele foi verdadeiro.
— Tive que trocar a roupa de ultima hora, papai disse que eu estava séria demais para um num parque.— bufei indo me sentar do seu lado para calçar as sandálias.
— Relaxa, Ali, é só fingir que não se importa.— ele encosta seu ombro no meu e eu respiro fundo.
— Eu sei, mas não é fácil para mim como é para você. Eu sou supérflua, me importo com que os outros vão pensar.— resmungo, emburrada. Estou pronta e meus ombros murcham.
— Ah, não, você não é supérflua.— Vince toca meu queixo e vira meu rosto para si. Projeto o beicinho para frente e ele sorri, divertido. Me sinto mais calma com ele aqui, sem nem ter reparado antes como estava nervosa— Vamos nos divertir hoje, está bem? Finge que somos só nós dois como sempre foi.— assenti e os seus olhos desceram para os meus lábios. Vince passou a língua no polegar depois esfregou o canto da minha boca. Eu ri.
— Minha maquiagem, seu bobão.— iria afastá-lo, mas ele segurou meu rosto.
— Calma, seu batom está um pouco borrado aqui.— ele diz, concentrado. Solto um suspiro e fico o encarando, seu rosto a um palmo de distância do meu.
— Gostei do seu perfume.— elogiei em voz baixa. Os olhos de Vince voltaram a encontrar os meus e ele sorriu docemente.
— Que bom, porque eu só passei ele para vir te ver.— ele deixa sua mão cair no meu colo e eu tombo na sua direção, relaxando a cabeça no seu ombro. Não tenho porque me estressar, Vince está aqui— Vamos, Ali?— ele chamou erguendo a mão com a palma virada para cima, sorri e joguei minha mão sobre a sua.
Seremos só nós dois hoje, não há com o que me preocupar.
[...]
— Vem, Ali, vem!— Vince me puxou, animado e eu ri o seguindo até a barraca de tiro. Tiramos algumas poucas fotos juntos assim que chegamos no parque — com a ajuda de meu pai —, mas nenhuma ficou boa porque o Vince não conseguia parar de fazer caretas engraçadas e experimentar seu algodão doce azul. Guardei o celular em minha bolsinha pensando em deixar para tirar as fotos outra hora.
Ele ficou tão animado assim que atravessamos os portões que foi impossível não me sentir contaminada. Entregamos nossas fichas para o homem calvo da barraca e ele colocou as espingardas de chumbinho nas nossas mãos. Vince esperou me ver dar o primeiro tiro antes de começar a brincar também. Eu errei e ele riu alto da minha cara, vaiando o quão longe eu acertei da latinha sendo que eu vi que acertei de raspão, ah, se vi!
— Deixe de ser ridículo, garoto!— resmunguei.
— Olhe e aprenda, senhorita.— ele diz e sacode os ombros erguendo a espingarda. Vince acerta todas as cinco tentativas. Eu fico fodida de inveja. Ele coloca a espingarda nas mãos do homem, mas pela sua cara era o mesmo que se ele estivesse largando o microfone no chão depois de falar algo extremamente debochado que ofendeu ao menos vinte e oito minorias— Gostou?— ele se aproxima de mim saindo da fila para que outra pessoa tome seu lugar. Revirei os olhos e cogitei seriamente atirar em seu pé, mas não queria ser censurada pelos donos das espingardas.
— Você é patético.— o fulmino com o olhar e Vince toca minha mão que segura o cano da arma de pressão encarando-me profundamente. Engoli em seco. O algodão doce me deixou com sede.
— Olhe ali.— ele aponta as pilhas de latas com a cabeça e eu ajeito a arma no ombro, começando a mirar... bem, eu não tinha certeza sobre qual mirar, por algum motivo fiquei nervosa quando Vince aproximou os lábios do meu ouvido— escolha um alvo no meio— ele ajeitou a arma no meu ombro e tirou uns fios que escaparam da minha trança do meu rosto— Está vendo este pontinho verde aqui?— ele aponta no bico da espingarda e eu assinto.— ele deve ficar— seus dedos subiram pelo cano da espingarda e eu sorri com meus pensamentos maliciosos— no meio desses pontinhos vermelhos.
— Está bem.— murmurei respirando fundo e Vince soltou minha mão, me dando espaço para que eu me ajeitasse como achasse melhor. Foquei no alvo e Vince destravou a arma para mim antes que eu puxasse o gatilho e todo esse preparo fosse um desperdício.
— Tolinha.— ele zombou.
— Você me distraiu.— rebati e puxei o gatilho. Me surpreendi quando a latinha que eu estava mirando caiu e olhei para Vincent com um sorriso orgulhoso rasgando meus lábios. Ele me refletiu e bateu palmas.
— Pelo contrário, eu te ajudei muito.— ele dá de ombros.
— E o aprendiz supera o mestre?— provoco e ele levanta a sobrancelha.
— De jeito nenhum. Anda logo, Ali, você ainda tem três tiros.
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