Falta de consideração
— Nós temos que sair de novo.— alego, resistente e obstinado. Não tenho intenção de desistir facilmente desta vez. Alice me olha e levanta a sobrancelha loira, como se tivesse que pensar mais a respeito.
— Temos?
— Temos.
— E por que?
— Primeiro porque há dias que não fazemos nada fora da rotina, segundo porque eu estou entediado para um caralho.
— Por que eu sinto que seu tédio é a primeira razão para isso?— ela aponta as folhas entre nós na mesa de centro com o lápis.
A verdade é que nos últimos dias o colégio tem tomado muito de nosso tempo e eu já estou começando a me irritar com essa merda.
Mais alguns dias se passaram, e as novidades estão ficando raras. Logo é dia treze de outubro e eu não fiz nada além de ficar com o nariz enfiado em um livro. Eu preciso fazer alguma outra coisa, qualquer coisa que não seja estudar e morrer lentamente a cada dia que passa.
— Pode ser que seja um motivo principal.— admito e ela revira os olhos azuis, voltando a sua redação de história porque o dinossauro do professor não sabe mexer no email para receber os trabalhos digitalizados de seus alunos.
— Poderia ter mentido e dito que precisa de minha companhia em um lugar mais descontraído. Eu toparia, se tivesse feito assim.
— Está bem. Eu preciso...
— Tarde demais, Cameron.— ela me interrompe e eu murcho, comprimindo os lábios. O celular dela acende quando ela recebe uma mensagem, Alice para para ver quem é e sorri, largando o celular após virar a tela para baixo. Passo a língua nos dentes, pensativo.
— Quem é?— indago, levemente curioso.
— É só Dean.
— Ah, tá.— reviro os olhos e batuco o lápis no caderno— Vocês tem conversado muito?
— Ah, cada dia um pouco mais.— Alice me olha e dá de ombros— Sabe, assim como você e Yasmine.
— Nós não nos falamos tanto assim.— argumento e ela joga os cabelos curtos só para um lado. Parece relutante, faz aquele bico que eu bem conheço quando ela quer falar mais alguma coisa— Que foi?— incentivo. Alice se inclina na minha direção.
— Sabe o que me deixa curiosa, Vincent?
— Se o pau do Dean é pequeno como o mundo alega que o dos japoneses é?
— Ele não é... não importa.— ela estala a língua, desistindo de me corrigir— O que me deixa curiosa é se Yasmine ficou confortável assim com Lorenzo enquanto a gente namorava como ela está ficando confortável com você.— ela balança a cabeça e faz bico como quem não quer nada. Desenha uns círculos no canto da folha e suspira— Tipo, sei lá, é estranho, não acha? Já que, para ela, você é meu namorado.
Mordo a bochecha e uno as sobrancelhas, ficando pensativo.
— O que quer dizer?
— Ah, nada. Só fico feliz de não ter chegado a chamá-la de melhor amiga, porque o que ela está fazendo ultimamente é muita babaquice.
— Está achando que Yasmine pode ter tido vontade de ficar com Lorenzo só porque ele estava com você?
— Não, não vou acusá-la de nada, ainda mais pra você... só estou me lembrando de umas coisas e vendo outras novas...
— Acha que ela só está conversando comigo porque eu estou com você?— reformulo a pergunta, porque simplesmente não entra na minha cabeça que Yasmine poderia querer qualquer coisa com Lorenzo qualquer dia de sua vida. Eles tem absolutamente nada a ver.
Alice não responde.
— A gente conversava bem antes disso, sabe.— comento, tento fingir que vou ler a questão de geometria, mas não tiro os olhos de Alice por muito tempo. Ela, por outro lado, segue muito concentrada no seu círculo— Está chateada comigo por alguma coisa?
— Não, não com você. Logo no começo eu até pensei em empurrar você para ela, mas... sei lá, ela é minha amiga e eu nem preciso me esforçar para que ela dê em cima do meu namorado.
— Bem, ela não está dando em cima de mim tão explicitamente assim...
— Ela vive te chamando no Instagram, Vince.— Alice me encara com raiva— Está agindo como se de repente você fosse o melhor cara do mundo. Quer dizer, algum dia eu pude confiar nela com os garotos que eu gostei? Lembro de alguns momentos com o Lorenzo que... ah, deixe para lá.— ela sacode a cabeça, forçando mais o lápis no papel.
— Por que está pensando nisso agora, Ali?— é algo recente, eu tenho certeza, até porque, Alice nunca fica com nada entalado na garganta por tempo demais. Ela bate o lápis na mesa e engatinha no chão da sua sala para ficar mais perto de mim.
— Ontem, na hora do lanche, nós nos sentamos no pátio com ela e outros amigos, lembra?
— A minha memória segue fresca, muito obrigado.— comento irônico e Alice revira os olhos, me empurrando.
— Vincent, você soltou umas piadas e ela riu. Riu muito mais do que eu. Do que todos nós na mesa.
Vários pontos de interrogação surgiram acima da minha cabeça.
— E daí? Eu sou engraçado.
— Não, Vincent, você não estava sendo tão engraçado naquela hora.— ela ergue o dedo para me silenciar quando eu abro a boca para contestar. Torno a fechá-la.— Isso foi como um gatilho na minha mente— Alice estala os dedos— tipo: ela não sabe que nosso namoro é falso. E ela está se atirando para cima de você como uma gata no cio bem na minha cara, Vincent!— a raiva dela vai aumentando junto de seu tom de voz e eu a seguro pelos ombros.
— Espera, espera. Você está revendo toda sua amizade com ela por causa de uma risada exagerada?— franzo a testa. Alice me fulmina com o olhar de um jeito que acredito que ela poderia me matar neste instante.
— Não foi só a risada, Vincent. São os toques que ela te dá sempre que pode— ela me cutuca com agressividade e eu me encolho porque em certos pontos tenho cócegas e não acho que Alice vai me deixar viver se eu rir— As mensagens que ela vive te mandando pelas minhas costas, o jeito que ela te olha! Eu não posso confiar nela, porra!
— Calma! Calma!— seguro seus pulsos e nossas mãos caem em meu colo— Já parou para pensar que isso pode estar acontecendo porque eu estou dando corda para ela?
— Isso não importa porque eu nunca faria isso com ela! Nem mesmo se eu gostasse do mesmo garoto que ela e ele me desse todas as oportunidades do mundo, se é namorado da minha amiga, é só o namorado da minha amiga. Eu não viro amiguinha nem puxo assunto. E, fala sério, Vincent, quando foi que você correu atrás dela?— ela pergunta e eu abro a boca pronto para responder, mas, parando para pensar, eu não me lembro.— Exatamente.— ela concluiu o que eu consenti com meu silêncio— Você nem precisou. E eu mal dormi essa noite pensando, chegando mais do que atrasada à conclusão óbvia de que não posso confiar em ninguém.
— Ali...— murmuro, sem saber o que lhe dizer para tirar essa ideia da sua cabeça até porque ela faz muito sentido. Ela tem o direito de ficar puta.
A loira se levantou, bufando, e bateu na própria saia xadrez, ajeitando-se.
— Preciso de um ar.— ela sai da sala e, sem muito o que fazer, eu a sigo para os fundos. Alice se senta na escada e eu pulo para a sua frente. Alice apoia os cotovelos nos joelhos e o queixo nas mãos.
Kisha vem nos receber com a alegria de sempre, contente por sairmos depois de a expulsar para que ela não abocanhasse nossos cadernos. Coloco as mãos nos quadris, me esforçando para não cair nos encantos da cadela.
— Como foi que saímos de um convite de encontro para isso?— sorrio, sem jeito. Alice me imita, mau humorada, e passa a mão nos cabelos.
— Desculpa, fiquei atolada com isso e só tenho você para reclamar.— ela faz um beicinho adorável e eu me aproximo para segurar seu queixo.
— Tudo bem. Só pra você meu ouvido é penico.— brinco e Alice sopra uma risada nasalada, revirando os olhos e deixando as mãos caírem.
— Não, mas é claro que não é porquê eu não a considero mais minha amiga que você tem que parar de falar com ela.— Alice tirou minhas mãos de si e se levantou, ergui o rosto para encará-la por conta da diferença de altura— Eu sei que você gosta dela.
— Vamos não falar disso, pode ser?— sugiro, incomodado com o assunto.
— Tudo ótimo por mim.— ela assente e me olha. Em segundos, Alice vem para mim e me abraça, manhosa— Desculpa, não devia te incomodar com isso.
— Sem problemas.— a abraço de volta, fecho os braços na sua cintura e enfio o rosto no seu pescoço. Nós nos embalamos no encaixe e balançamos de um lado para o outro— Está estressada, mas sabe o que seria bom para aliviar esse estresse?— sugiro depois de respirar fundo seu perfume instigante. Alice se inclinou para trás com os braços em meus ombros e um sorriso divertido nos lábios.
— Deixe-me adivinhar? Um encontro?
— Pode crer.— afirmo e ela revira os olhos, rindo.
— E para onde iríamos, senhor Cameron?— ela pergunta e eu dou de ombros.
— Está passando uma reprise de Pânico no cinema...
— Essa é sua melhor ideia de encontro?
— Não tenho muitos planos de ficar olhando a tela— levanto as sobrancelhas, inclinando-me na sua direção ao passo que ela recua, inclinando-se para trás.
— Eu também já assisti esse filme.— ela dá de ombros e eu a puxo para mim, finalmente a beijando. Nosso selinho foi longo e eu me sentia pronto para aprofundar o beijo, mas ela me escapa outra vez. Maldita, eu a odeio— Eu tenho uma ideia melhor.— ela sussurra, segurando meu rosto.
— Eu duvido.
— Eu vou só me trocar e te mostro.
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