Eu não preciso de ajuda
VINCENT CAMERON
Sei exatamente o momento em que deixei de sonhar. Não poderia deixar de notar porque assim que o sonho acabou, uma dor aguda atingiu meu maxilar e o resto meu crânio. Abri o olho direito — o esquerdo já não se mostrou muito interessado em obedecer o meu comando, latejava para um caralho — e olhei ao redor, me deparando com uma TV, duas portas, uma janela e paredes brancas entediantes.
Sinto como se tivesse sido atropelado por um caminhão cheio de carga, mas não tinha uma lembrança sequer de faróis ou pneus. Levei a mão a cabeça desejando arrancá-la e reparei no meu braço engessado. Fica melhor e melhor.
Eu quero morrer.
A minha garganta seca se torna um bônus na sessão de tortura, as pontadas na costela quando eu respiro, outro. Tem como alguém só... acabar com isso de uma vez? Tento rolar para fora da maca em que estou preso, mas não dá nada certo já que acabo caindo no chão frio pela fraqueza nas pernas e triplico a dor nos meus ossos. A tontura se intensifica e a bile sobe pela minha garganta depois de eu soltar um gemido alto. Cada parte do meu ser protesta e a porta do quarto de hospital que eu estou se abre.
— Cara!— eu poderia franzir o cenho se isso não degradasse minha dor de cabeça.
— Smith?— minha voz sai rouca por conta da garganta seca. Por mais que Lorenzo esteja tentando me tirar do chão, ou seja, me ajudar, ele não tem o menor jeito para isso— Sai de perto de mim.— sacudo a mão que não está enfaixada para ele e o Smith me encara como se eu fosse um caso perdido, um idiota— Eu não preciso de ajuda.— sibilo.
— É, chora menos, Cameron.— ele me levanta mesmo sob protesto e me coloca de volta em minha maca irritante. Empurro seu ombro. Ele me olha tombando a cabeça para o lado como se ficasse tentado em me empurrar de volta— Para de ser um cuzão.
— Eu não preciso da sua ajuda.— olho para a agulha espetando meu braço e a arranco bruscamente. Eu não quero ficar aqui, não tenho dinheiro para pagar por esse quarto.
— O que você está fazendo, Cameron!?— Lorenzo fica na minha frente enquanto eu tento sair mancando. Pressiono o dedo contra o braço para estancar o sangue.
— Eu que te pergunto, que porra você está fazendo aqui?
— Eu estava lá fora esperando Alice e Oliver voltarem quando te ouvi choramingando, por isso vim checar.— ele coloca a mão no meu peito, mas eu o estapeio. Não toca em mim, porra.
Não estou conseguindo respirar, preciso sair desse quarto. Droga, a respiração ofegante não ajuda com as minhas costelas e as minhas costelas não ajudam com minha cabeça. Eu preciso de drogas. Eu preciso sair.
Lorenzo me empurra de volta para a maca com as mãos nos meus ombros. Eu não tenho forças para lidar com isso. Literal e figurativamente.
— Me solta, seu merda!— vocifero sentindo meu peito apertar— Me deixa sair daqui.— era como se as paredes estivessem se aproximando de mim lentamente com a ameaça de que me esmagariam.
— Se controla, ou eu juro que te dou um murro para você apagar de novo.— ele empurra meus ombros contra o colchão fino e eu o fulmino com o meu único olho aberto. Cerro os dentes, mas não é uma boa ideia. Eu quero tanto uma droga forte.
Irritadiço, eu paro de lutar porque sei que não vou conseguir lutar nesse estado. Ou melhor, correr. Eu não vou conseguir correr nesse estado.
— Cadê a minha mãe?— eu pergunto quando ele finalmente tira as mãos de mim. É bastante humilhante quando não consigo colocar as pernas de volta na maca, mas Lorenzo consegue deixar ainda pior ao me ajudar com isso. Quero chorar, mas nem morto faço isso na frente dele.
— Ela foi no banheiro, eu sei lá.— ele dá de ombros, me observando com uma careta mal disfarçada de pena. Se quer me deixar puto, está conseguindo.— Me parece que ela está só fugindo dos Saltzman.
— E por que você está aqui?
— Alice me chamou. Oliver não estava disponível na hora que ela soube o que aconteceu com você.— ele explica, enfiando as mãos nos bolsos da calça jeans e dando de ombros.
Reviro o olho.
— Só para ficar gravado, eu não quero você no meu leito de morte. Não venha, não importa o quanto Alice chore.
— Cameron, eu gosto de você tanto quanto você gosta de mim, mas dá um tempo. Eu só te ajudei, pronto.— ele é ríspido e eu quase engulo minha língua, mas ela está seca demais para isso. O encaro. É, ele não precisava fazer nada. Talvez — só talvez e eu nunca vou admitir isso para ninguém — ele tenha algo de decente como Alice insinua.
A contragosto e evitando olhá-lo, eu digo:
— Certo. Obrigado.
— De nada.
Nós dois ficamos calados por um tempo, até ele decidir não extender nosso momento tão íntimo. Eu estou tonto demais, mesmo deitado em uma superfície completamente estagnada. Quero vomitar e chorar sangue, mas não ouso fraquejar na frente de Lorenzo.
Ele abaixa a cabeça, se vira e se encaminha para a porta. Quando ele a abre eu o chamo.
— Aí.
Ele me olha por cima do ombro.
— Eu falei sério, não está convidado para o meu enterro.
Lorenzo riu.
— Eu vou, só para conferir que você morreu.
— Valeu, cara.
— Não estraga.— então ele saiu e fechou a porta.
Eu me levantei com dificuldade uma outra vez e fui para janela, abri-a com pressa mesmo que cada membro do meu corpo gritasse para que eu ficasse parado. Precisava do ar fresco da noite e ter certeza de que estava mesmo longe do chão. É, eu estaria disposto a fugir caso não fosse morrer pulando a janela.
Desgastado, me sento no chão e me sinto menos pior com o vento frio beijando o topo da minha cabeça enfaixada. Não lembro o que aconteceu. Não sei como cheguei aqui, mas não tenho dúvidas do que pode ter me acontecido. Só de tentar lembrar a dor de cabeça se agrava. Sem muita escolha, encaro o meu braço engessado no meu colo e me sinto muito mal. É um mal estar além do físico destruído. As coisas não param de girar e o desconforto é o pior que eu já enfrentei na minha vida. Eu quero sair daqui.
Como um fracote, comecei a chorar. Eu detesto chorar, mas não lutei contra. Precisava de algum alívio emocional, mesmo que fisicamente isso só fosse me desencadear um nariz entupido e ardência nos olhos. Minha cabeça lateja sem parar. Fui pisoteado, arregaçado. Meus ouvidos apitam nesse silêncio gritante e eu só quero encontrar conforto. Eu quero Alice.
Acabo escorregando e me deito com a bochecha esquerda no chão. A luz está acesa e eu preciso que fique escuro. Lorenzo poderia fazer mais uma gentileza para mim? Me abraço e penso em tudo. Na dor, na agonia, no desespero, no escuro.
Penso em Alice, no conforto que só seu colo pode me dar agora, e nos planos que eu tinha para nosso próximo encontro. Que coisa mais irônica. Eu ia mostrar pra ela.... finalmente ia mostrar para ela....
Eu pensei que não poderia piorar, mas a porra do meu pai é como o demônio. Ele sempre sabe como piorar tudo. Eu o odeio. Eu o odeio. Eu o odeio. Tomara que ele morra engasgado com o próprio vômito bêbado, ou em um acidente de carro violento. Tomara que ele seja fuzilado. Tomara que apodreça em um buraco num canto perdido do mundo.
Eu o odeio porque ele me odeia, e eu nunca lhe fiz nada. Eu só fui a porra do seu filho, mas ele não soube ser um pai. Eu tentei parar de questionar seu comportamento, fugir de seu temperamento, mas que porra? O que foi que eu fiz de tão ruim para merecer isso? O que foi que eu fiz, pai?
O soluço que me escapa é inevitável. Eu quero que a dor suma. É tudo o que eu quero na minha patética vida. Que a dor vá embora. Por favor?
Não estou mais com o terno alugado que eu não teria como pagar caso manchasse ou rasgasse, estou com aquele avental estúpido de hospital que o mundo odeia e definitivamente não foi feito para o conforto. Agora fico com frio, mas é melhor no chão do que em qualquer outro lugar.
Dói.
Tem como parar de doer?
Para a minha infelicidade, minha deliciosa solidão não dura muito e é tarde para segurar o meu choro de garotinho. Só vejo os pés de quem se aproxima e não ligo que seja Lorenzo outra vez, desde que ele fique calado.
Mas então o dono dos sapatos caros se abaixa na minha frente e eu reconheço o rosto de Oliver. Por trás das lágrimas vejo como ele está preocupado. Machuca mais ainda saber que esse homem que não tem nenhuma, absolutamente nenhuma relação de sangue comigo se importe mais com o meu bem estar do que o homem que me deu a vida. Qual a porra da dificuldade de fazer esse papel? É tão difícil se importar comigo? O que tem de errado comigo? Por que meu pai não pode ser como Oliver Saltzman?
Estremeço quando ele toca no meu braço.
— Você não pode ficar no chão, Vince.— Oliver sussurra e é uma coisa boa que ele faz. Assim como ficar na frente da luz por mim.
— Eu não consigo levantar.— digo ofegando.
— Você consegue, garoto. Eu te ajudo, vem?— ele me dá a mão e eu me seguro nele com os braços trêmulos, mas ao invés de me levantar, apenas me sento e me encolho contra o mais velho, voltando a chorar copiosamente.
— Eu não fiz nada para merecer isso.— lhe conto e o sinto tocar minha cabeça, por mais delicado que ele seja.
— Eu sei que não. Claro que não fez.
— Por que ele faz isso comigo?— apertei sua blusa com força e não estranhei o fato de Oliver estar fora do seu uniforme. Pelo menos ele está aqui.
Não esperava que ele tivesse a resposta, até porque não tem como ele saber.
— Eu não sei.— ele murmurou— Mas ele não vai chegar perto de você de novo.
— Por favor, não me faça promessas, Oliver.— estremeço por causa do frio. Não tenho tanta certeza se ele pôde me ouvir, falei tão baixo.
— Eu já fiz, garoto. Eu sinto muito.
Eu odiei ele por isso. Mas Oliver Saltzman é o melhor cara do mundo e sempre foi meu herói. Eu o amo.
— Eu sinto muito, Vincent.
E eu chorei, chorei, chorei.
[...]
Nota da autora:
Eu sei, eu sei! Vocês podem estar me odiando agora, mas eu precisava ser cruel com eles em algum momento da história, quem me conhece sabe LLKKKKKKKKK se não tivesse dor não seria eu!
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