TREZE
Não procurei o Pablo no dia seguinte e nem no dia depois desse. Em vez disso, prolonguei as minhas visitas à avó Marga. Ela parecia um pouco mais debilitada a cada dia. Certa vez, Marga não acordou na primeira vez em que a chamei, me proporcionando um susto de proporções homéricas, só para abrir os olhos no segundo seguinte.
Neste dia em especial, percebi que as flores estavam murchando, mostrando que Marga não se levantou para regá-las, como sempre fez. Conjurei novas flores no lugar, tomando cuidado para que ela não me visse quebrando o nosso acordo.
Fiz sopa e a servi. Marga segurava a colher de um jeito estranho e tremia muito, mas conseguia se alimentar sem ajuda. Ao lado da cama, era possível apreciar uma pintura dela e do meu avô (falecido há muito tempo).
Não cheguei a conhecê-lo e me peguei imaginando que tipo de história eles viveram:
— Como ele era? — perguntei.
— Quem?
— O meu avô, seu marido... como ele era?
Ela encarou a pintura com um ar nostálgico:
— Ele era deliciosamente humano, como deve ser. Com todos os seus defeitos e qualidades.
Nós duas passamos longos minutos admirando o quadro, eu o imaginando e Marga recordando.
— Você o entendia? Quero dizer... você o entendia por inteiro?
Ela riu.
— Não. Certamente que não. Eu gostava assim, acredito que de alguma forma, o amor está ligado ao esforço em tentar entender o outro. E não no sucesso.
Depois de dois minutos de silêncio:
— As pessoas deveriam nascer com um livro explicando como devemos lidar com elas — falei.
— Eu odiaria isso. A vida seria terrivelmente correta dessa forma — Marga respondeu. Rimos juntas.
Tendo em mente o que Marga me falou, resolvi procurar Pablo e dizer que sinto muito, que fui uma boba e que me esforçarei para compreendê-lo melhor. Quando cheguei à portaria da mansão, quem me atendeu foi Isabel.
— Oi, Melissa. Não sei se você se importa, mas essa não é uma boa hora para o Pablo te atender. Ele chegou em um ponto extremamente crucial do trabalho dele com a máquina e pode ser que você o distraia. Desculpa! Você entende, né?
Respirei fundo.
Contei até dez:
— Isabel, se eu fosse um pouco mais sarcástica forçaria uma risada na sua frente. Como não sou dada a essas coisas, simplesmente vou passar — e entrei na casa.
Realmente encontrei Pablo trabalhando, com uma aparência não muito normal. Sua barba estava por fazer e seu cabelo despenteado e meio sujo. Estava sentado no chão apertando o maior parafuso que já vi na minha vida. Não reparou quando entrei, como acontece normalmente quando o encontro trabalhando.
— Pablo — chamei.
Ele levou um susto e demorou alguns segundos para me encontrar.
— Ah, oi, Melissa. Tudo bem? — como se nada tivesse acontecido.
— Tudo — respondi me sentando ao seu lado. Não gostei do cheiro que senti. — Eu acho... eu queria pedir desculpas. Você quer conversar sobre o que aconteceu?
— Sim, eu quero sim. — Pablo continuava apertando o parafuso. Era inútil conversar com ele nesse estado. — Eu vou ter que viajar.
— O quê? Quando?
— Daqui três dias. O aeroclube do reino de Sirap me convidou para participar de um desafio anual deles. Vou aproveitar a viagem para trocar alguns conhecimentos com eles...
— Pablo, você poderia parar de trabalhar pelo menos enquanto fala comigo, por favor?
Ele simplesmente soltou a ferramenta permitindo que caísse no chão e se virou para mim:
— Desculpa, Melissa. Minha atenção é toda sua agora.
— Não. Eu que gostaria de pedir desculpas.
— Eu me exaltei.
— E com razão. Esse é o sonho da sua vida e eu fui uma... me desculpa, Pablo. Só pensei nisso nos últimos dois dias.
Pablo mostrou confusão no olhar:
— Como assim, nos últimos dois dias?
— Nos últimos dois dias, entende. Desde que brigamos e...
— Droga!
— O que foi?
Pablo abaixou a cabeça e esfregou o rosto com força, lentamente, parecendo exausto de um minuto para o outro:
— Eu preciso comer alguma coisa, tomar um banho, dormir algumas horas — disse. — Eu passei os últimos dois dias trabalhando aqui dentro e nem percebi. Ah, claro! Meu barco também parte esta noite.
Um pouco assustador, talvez...
— Tudo bem, Pablo. Só gostaria de saber se está tudo bem entre nós, antes de você partir.
— Claro, Melissa. Claro que está — beijou o meu rosto antes de se levantar.
Não tornei a encontrar a Isabel no caminho em direção ao portão.
O lado bom de se namorar alguém como o Pablo é que a sua fama torna possível que você receba pequenas cápsulas de notícias sobre ele, mesmo quando está longe. Acompanhei toda a jornada de Pablo a Sirap através do Jornal de Amberlin.
Segundo o jornal, o clube de aeronáutica de Sirap é um famoso grupo de entusiastas pelo voo. Eles se encontram e discutem sobre balões, dirigíveis e uma possível máquina voadora que possua velocidade e precisão. Descobri que Pablo não é o único trabalhando para isso, apenas é, de longe, o que está mais perto de alcançar o resultado, segundo eles.
Ao lado do clube existe uma grande torre, ostentando uma chama que é mantida acesa por séculos, lhe fornecendo o nome de Torre da Luz.
A Torre da Luz é um dos pontos mais emblemáticos de toda a Terra e não por acaso foi escolhida para ser o centro do desafio do clube. O homem que conseguisse usar o seu próprio dirigível (veículo parecido com um balão, só que com controle de voo) para contornar a Torre em um período de tempo pré-determinado iria receber quinhentas mil unidades da nossa moeda.
O dirigível não era nem de longe a máquina voadora que eles tanto sonhavam, mas era o mais próximo que eles tinham.
Pablo não precisava desse dinheiro, o desafio era o que o intrigava. Não foi nenhuma surpresa quando, dias depois, descobri que ele havia realizado o feito com maestria, surpreendendo a todos aqueles velhos sonhadores.
A grande surpresa foi descobrir o quanto esse feito foi popular em Sirap. De um dia para o outro o passaram a ser noticiadas coisas como os brinquedos artesanais inspirados em Pablo, os chocolates que estampavam o seu rosto, postais, apliques para chapéus de senhoras... Os Sirapianos passaram até a usar o relógio no pulso, extravagância até então exclusiva de Pablo.
"Não se fala, não se vê, não se come, não se sonha outra coisa que não seja ele."
Dizia um trecho de uma crônica escrita por um jovem estudante e replicada no jornal. E tudo com o que eu me importava era que finalmente ele voltaria e mataríamos a saudade juntos.
Logo na folha seguinte do jornal havia um texto de cinquenta linhas apenas para explicar que Pablo iria doar cada centavo conquistado no desafio para os mais necessitados de seu reino, em um notável ato de bondade. Por conta disso, meu namorado seria recebido por um gigantesco baile de gala, com direito a reunião de toda a burguesia, dançando ao som das bandas mais conceituadas do mundo.
Não conseguia imaginar ambiente mais inóspito para reencontrar Pablo.
Na noite anterior à volta dele, não consegui dormir. Um mensageiro apareceu na porta de casa com um vestido branco, de detalhes dourados, feito com um tipo de pano tão incrível que eu apenas sabia da sua existência até então. Fora um presente de Pablo, para me vestir no evento social do ano que seria o seu retorno. Passei a noite imaginando que tipo de pessoas estaria presente em um evento onde é necessário usar um vestido como esse. Imaginei se elas perceberiam que eu não sou igual ou se iriam rir de mim. Imaginei a minha silhueta deslocada no meio do salão enquanto Pablo atendia aos inúmeros cumprimentos por ser alguém tão especial e Isabel circulava vitoriosa com suas amigas.
O vestido encontrava-se pendurado em um cabide, do lado de fora do meu armário, me encarando ameaçadoramente, como um fantasma.
— Vê se não me apronta nada amanhã — resmunguei para o vestido, que nem se deu o trabalho de me responder.
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