Capítulo 7 - Desconforto.
Aquela criatura com chifres e olhos dourados estava causando em mim um verdadeiro pavor. O que quer que fosse aquilo, não era coisa deste mundo.
Ele tentou pronunciar alguma forma de linguagem desconhecida enquanto lutava para se libertar da parede. Assim que algumas pedras se soltaram de sua boca, cuspiu no chão uma gosma escura e viscosa, mantendo seu olhar inabalável sobre mim.
— Ah, santo Deus, acho que vou vomitar! — Eu sussurrei, abismada.
As palavras, ou o que pareciam ser palavras, eram repetidas de tal forma que me dava a impressão de que ele estava tentando se comunicar diretamente comigo. Eu estava aflita, ao ponto de sentir meus pés grudados no chão, impotentes.
O que raios aquela estatua estava fazendo aqui?
Eu me perguntava, tentando não reviver os acontecimentos sordidamente bizarros que havíamos enfrentado nos últimos dias. No entanto, nada se comparava à visão daquela estátua que agora lutava para se libertar de sua prisão de pedra.
Céus ele não era normal! A coisa tinha chifres. Quatro chifres!
Claramente, a criatura estava tentando se comunicar comigo, mas o significado por trás de seus sons guturais permanecia um mistério. Dado o olhar enfurecido que ele lançou em minha direção enquanto lutava para se libertar, eu não duvidaria nem por um momento se ele estivesse me amaldiçoando ou simplesmente me xingando de tudo quanto é nome em sua língua demoníaca.
Lindinha e eu estávamos boquiabertas, olhando para a criatura chifruda. Fragmentos de pedra ainda estavam incrustados em seu corpo, particularmente em seu cabelo de cor de sangue.
Nem sei como acabei abraçando Amber, mas ali estávamos nós duas. Abraçadas uma a outra. Com medo e olhando para a fotocópia do capeta que parecia estar putaço da vida.
Estava apavorada, preferiria mil vezes que Angeline aparecesse pra mim como as piores das assombrações que existisse, do que sequer passar por essa situação. Maldição... Se aquilo era o maldito demônio encarnado! Minha irmã e eu iriamos morrer de verdade.
Nunca imaginei que pudesse sentir tanto medo assim. A coisa era bizarramente bela, linda demais para ser um humano normal, mas também era terrivelmente aterrorizante. E beleza não significava nada em uma situação como essa. "Acorda, Violet!" Eu disse a mim mesma.
E se aquela criatura estivesse trabalhando com os assassinos em série que nos trouxeram para cá? Com a intenção de nos matar assim que colocasse as mãos em nós. Talvez ele estivesse nos espreitando o tempo todo e só agora decidira se revelar.
Poderia ser exatamente isso!
É tudo encenação dos filhos da puta que nos prenderam aqui.
O que eles diretamente queriam era nos ver assustadas. Provavelmente deveriam estar batendo uma vendo toda essa situação, animados por nós duas estarmos assustadas com tudo o que estava acontecendo.
Talvez aquela coisa fosse algum tipo de robô, programado para se mover quando alguém, especialmente alguém extremamente impulsiva, idiota e muito burra, como eu, quebrasse um de seus lindos chifres negros.
— Amber... Acha que se eu devolver o chifre pra cabeça dele, ele vai virar pedra novamente? — Falei baixinho, não tirando os olhos dele nem por um instante. Ele parou de falar e ficou prestando atenção na nossa conversa. Seus olhos atentos se revezavam dela para mim. Mais uma vez, senti um calafrio percorrer minha espinha, e meu coração pulsava com tanta força que parecia uma bateria em meus ouvidos.
— Acho que não... — Ela respondeu, abraçando-me com tanta força que parecia prestes a ter um colapso nervoso.
Puxei as mãos dela desajeitadamente da minha cintura e coloquei o chifre da "Coisa" em sua mão.
— Vai lá e coloca isso de volta na cabeça dele, lindinha! Por favor! Prometo que quando sairmos daqui, farei o que você quiser, mas pelo amor de Deus, vá até ele e devolva isso! — Pedi ainda com temor de que ele pudesse sair de onde estava e vir pegar por ele mesmo. Eu não queria me aproximar daquilo por nenhum propósito existente na terra.
Ela rapidamente devolveu o chifre para minhas mãos, olhando-me com os olhos arregalados e negando enfaticamente com a cabeça. A traidora até se escondeu atrás de mim e me empurrou na direção da criatura.
—NÃO! NÃO! Você que quebrou, você que coloque de volta! — Ela respondeu, com a voz esganiçada de medo. — Não vou chegar nem perto daquilo.
Sussurrei um "traidora" para Amber, que simplesmente deu de ombros e me empurrou novamente na direção da coisa.
Apertei fortemente o chifre nas minhas mãos e respirei profundamente me aproximando dele. Não sei ao certo como consegui reunir forças para chegar perto daquilo, mas mesmo assim reuni todo o resto da minha coragem, tentando inutilmente controlar o medo que insistia em crescer dentro de mim.
Ele, sem dúvida, queria seu chifre de volta. Se eu fosse um demônio e tivesse chifres, certamente também iria querer o meu chifre de volta.
Talvez, se eu simplesmente o devolvesse o chifre, o demônio poderia me perdoar. Talvez ele pudesse esquecer tudo isso e voltar para onde quer que tivesse vindo, voltar a ser uma estátua novamente. Ou, se realmente fosse um robô, que se desligasse e nunca mais ligasse outra vez.
Faltavam apenas três passos para chegar perto da cria do Satanás. Parei e engoli em seco. A suposta coragem que tinha me atingido momentos antes, estava se esvaindo de mim rapidinho.
Aquele lugar nunca esteve tão quente dos dois últimos dias que ficamos ali. A cela era fria e escura, mas agora ela parecia ter se aquecido demasiadamente. Gotas de suor começavam a brotar da minha testa e chegaram a escorrer pelo meu pescoço.
Que merda eu estava fazendo com a minha vida? Eu estou mesmo me aproximando dessa coisa por vontade própria?
E se aquilo for mesmo o capeta?
O Satã em forma de gente...
E eu realmente tenha quebrado um de seus chifres.
E ele tenha vindo do inferno atrás de mim, por tamanha afronta em busca de vingança por esse insulto imperdoável.
Porra Violet, um chifre deve ser importante para um demônio!!!
Choraminguei baixinho.
Tinha tanto pra viver. Não tinha tido a chance de desfrutar plenamente da vida. Nem mesmo fiz uma faculdade descente para que contasse vantagem para as pessoas. E os filhos que nunca tive, que na verdade nunca planejei ter, mas que de repente me vi seriamente cogitando a possibilidade de ter tido descendentes neste momento. Nem mesmo perdi a maldita virgindade. Oh, que bela oferenda eu seria para esse demônio. Uma maldita virgem, servida de bandeja para ele!
A possibilidade de me despedir da minha família estava excluída. Meus pais nunca saberiam o que aconteceu com suas filhas. Eles nunca saberiam o quanto eu ansiava por sua presença, até o ponto de meu peito doer com a ausência deles.
Fomos tão imprudentes e tudo isso por culpa de Angeline!
Minha irmã desalmada que nos colocou nessa situação. Se ela estivesse viva, eu a estrangularia com toda a força do meu ódio, sem perguntar duas vezes.
Como fomos tão idiotas a ponto de seguir um espírito para o meio de uma floresta no meio da noite? Amber sempre foi mais sensata do que eu. Ela deveria ter sido a primeira a recusar uma loucura dessas. Mas a maldita curiosidade nos fez seguir o espírito zombeteiro de Ange diretamente para o inferno.
Sim!
Estávamos no inferno, ou pelo menos à beira dele. E aquela criatura que tentava se desprender da parede era a prova disso.
— O que você pensa que está fazendo? — Perguntou a coisa com um sotaque que nunca ouvi em toda a minha vida. Olhei para ele de boca aberta, piscando em total incredulidade no que acabara de ouvir.
Ele falou na minha língua?
A voz dele era forte e ressoava por todas as celas do pavilhão, ecoando como um trovão. Como era possível? Fiquei ainda mais arrepiada quando o último ressoar de sua voz reverberou no local. Tudo indicava que ele não falava o meu idioma há muito tempo, mas de alguma maneira ele se lembrava perfeitamente de como fazê-lo. Não falou nenhuma palavra de forma errada, mas o sotaque era absurdamente incomum.
— E-eu... — Gaguejei, lançando um olhar atordoado para Amber, buscando alguma forma de auxílio. Ela nem mesmo estava prestando atenção em mim, estava olhando fixamente para ele, tão atônita quanto eu por ele estar falando o nosso idioma. — Eu...
— O que vocês fizeram comigo? — Ele sibilou, lançando um olhar mortal na minha direção.
O demônio estreitou os olhos quando nenhuma de nós respondeu. Ele deu outro forte impulso para sair da parede, mas nada aconteceu. Vendo ele ficar mais irritado, eu rapidamente quebrei o silêncio.
— Eu quebrei um de seus chifres sem querer moço... — Mostrei a ele a parte da peça que faltava na sua cabeça. Ele colocou as mãos nos seus chifres para confirmar o que eu havia dito era verdade e não um desvaneio. Outro olhar de ódio foi lançado para nós duas. Nesse momento percebi que talvez, só talvez. Eu tenha acabado de incluir a minha irmã na lista de vingança mortal do capeta.
Quem quer que o tenha colocado ali, preso naquela parede. O prendeu formidavelmente bem junto com as pedras de obsidianas, pois todas as tentativas que ele fazia para sair de lá não resultavam em nada. A fúria apenas parecia crescer dentro dele, até o ponto em que rosnados de raiva escapavam por entre seus dentes.
— V-vai querer o seu chifre de volta ou não? — Indaguei, ansiosa para devolver o chifre. Meu desejo era me afastar daquela criatura o mais rápido possível.
Ele cessou seus movimentos, me olhando em silêncio por cerca de dez segundos, cheirando o ar de maneira peculiar enquanto me fitava. Ele tentava, sem sucesso, se aproximar de mim, o que me fez dar dois passos para trás, nervosa por seu comportamento estranho. Nem se eu estivesse morta ousaria chegar perto dele quando ele agia de forma tão bizarra. Que seu chifre se foda, eu iria sair de perto dele agora mesmo!
— O que é você, fêmea? — Ele perguntou, um olhar de dúvida e suspeita direcionado a mim. Me encolhi, receosa ao perceber que eu era o foco de suas palavras.
Será que ele não poderia simplesmente estar falando sozinho?
Quando alguém com chifres e presas pergunta o que você é, qual seria a resposta sensata a responder á ele?
"Oi, sou uma idiota de dezessete anos que acidentalmente quebrou um de seus chifres enquanto explorava seu corpo. Você era uma estátua e eu estava tentando encontrar algo que pudesse libertar minha irmã desta cela. Ou, provavelmente, diria que não sou alguém que tem chifres, mas isso poderia insultá-lo e eu definitivamente não estou louca o suficiente para provocar ainda mais a criatura. Talvez, me arriscar dizendo que sou descendente dos Homo sapiens, seria uma resposta adequada também. Literalmente uma humana, sem chifres e que pode sofrer um ataque cardíaco a qualquer momento. Porque, sinceramente, você está me assustando demais".
A última opção me pareceu a melhor, menos humilhante do que as primeiras. Dignidade acima de tudo, bebê. Embora a minha dignidade não faria muita diferença se eu estivesse prestes a morrer agora, e pior, levando minha irmã junto comigo.
— Eu te fiz uma pergunta, filhote. — Sua voz correu novamente na cela, fria e precisa. — Seria melhor se me respondesse de uma vez. — Ele ordenou. — O. Que. Você. É?
— Humana? ... — Falei sem jeito quase me descabelando por dentro. Soltando a primeira coisa que veio a minha mente.
Numa fração de segundo, me auto-flagelava mentalmente por minha própria imprudência. Onde diabos eu estava com a cabeça? É de conhecimento geral que demônios nutrem um profundo ódio pelos humanos.
Eles odiavam, não é?
Ele ergueu uma de suas sobrancelhas, que eram mais escuras que o tom do cabelo dele. Eram grossas e expressivas emoldurando seu rosto, dando um certo tipo de charme para aquele rosto impecável.
Por Deus, como alguém poderia possuir tamanha beleza? Parecia impossível, quase como se fosse um personagem saído de um jogo de Final Fantasy, de tão surreal era sua aparência.
— Não minta pra mim, filhote. Vocês não são humanas. Portanto, vou repetir a pergunta pela última vez e espero que não tente me enganar novamente. O que vocês são?
Ri de nervoso, buscando o olhar de Amber que estava branca como um papel. Se não estivesse presa nesta cela, teria fugido dali, levando minha irmã nas costas sem sequer olhar para trás.
Detesto me encontrar em situações em que não tenho a menor ideia de como agir. Normalmente, sou a primeira pessoa a pensar em uma solução plausível, mas toda essa situação estava me tirando do sério.
Mantive silêncio sob o olhar repreensivo do ser chifrudo, engolindo em seco com dificuldade. Lindinha, então, deu um passo à frente e desatou a falar.
— Não estamos mentindo para você. Somos humanas... Você era uma estátua e, por algum motivo, quando ela arrancou e quebrou um de seus chifres, você começou a se rachar e se transformar... em você. Por favor, senhor, perdoe a Violet, ela é impulsiva o tempo todo. Alguns homens nos atacaram há alguns dias, nos prenderam aqui e estamos desde então. Não tínhamos muitas opções além de explorar este lugar e, infelizmente, seu chifre foi quebrado no processo. Mas podemos tentar colá-lo novamente. — Amber despejou as palavras de uma só vez, fazendo-o franzir a testa em descontentamento conforme assimilava suas palavras. — Nós pedimos sinceras desculpas por ter quebrado o seu chifre. Não foi nossa intenção enfurecê-lo ou lhe causar qualquer dano.
Ele abaixou a cabeça respirando profundamente, como se a mera fagulha de nossa presença o irritasse.
Começou um discurso em outra língua novamente.
Suspeito que nunca fui tão xingada em toda a minha vida, mas, pela primeira vez, eu realmente não estava me importando. Por mim, ele poderia me xingar o quanto quisesse agora, mesmo que começasse a me insultar sem parar. Se ao menos ele pudesse voltar a ser aquela estátua de pedra, eu juro que não me importaria com nenhum insulto que pudesse vir dele.
— Entregue-me o meu chifre, filhote. — Ordenou ele, olhando para mim com severidade, estendendo a mão na minha direção e fazendo um gesto para que eu me aproximasse.
Vamos Violet não irrite o satanás! Dê logo o maldito chifre á ele e saia de perto dessa coisa!
Me obriguei a me aproximar dele novamente, mantendo uma distância que considerei segura para mim. Mas ele foi mais esperto do que eu, pois agarrou o meu pulso que segurava o chifre estendido em sua direção. Entretanto, ele deveria ter agarrado o chifre, não o meu braço! A criatura me puxou, atraindo-me para mais perto dele e, com a sua outra mão livre, pegou o chifre da minha mão.
Xinguei mentalmente quando percebi que ele não tinha a intenção de me soltar. Mesmo com o chifre em sua posse, ele ainda mantinha a minha mão presa. Tentei em vão sair do seu aperto, mas a mão que agarrava o meu pulso parecia mais uma rocha. Ele nem se moveu quando fiz várias tentativas infrutíferas para que ele me largasse.
Ele direcionou um sorriso torto, afiado e zombeteiro em minha direção, me desafiando silenciosamente a me libertar. A onda hipnotizante de seus olhos dourados me prendeu no lugar, e por um instante, tudo ao meu redor desapareceu. Um calor escaldante irradiou de seu olhar, como chamas dançando no ouro fundido. Meu corpo parou de resistir, zonza com a sensação de algo queimando dentro de mim, se estilhaçando, me puxando para aqueles olhos em chamas.
Eu podia ver o ouro se escorrer e quase chegar até mim. Um tipo de dourado surreal. Era definitivamente a coisa mais linda que eu já vi em toda a minha vida.
Porém, como se tivesse quebrado um feitiço, ele desviou o olhar, rompendo o transe momentâneo. Minhas pernas pareciam bambas e o oxigênio parecia fugir do ambiente, deixando-me com uma sensação sufocante.
Confusa, pisquei várias vezes, tentando me situar, mas ele já havia retornado ao seu discurso ininteligível. E mesmo que não conseguisse entender, algo me dizia que não eram palavras carinhosas que ele murmurava. Um murmúrio, "Eruantale", se destacou dos demais sons e instintivamente soube que era outro xingamento descabido pra cima de mim.
Eu ein... Esse chifrudo tem a boca suja!
Para minha surpresa, o aperto em meu pulso afrouxou e o chifre foi devolvido à minha mão. Fiquei olhando para o chifre completamente sem saber o motivo dele ele ter feito isso.
O que ele queria que eu fizesse com aquele chifre?
— Agora, jovem, coloque-o de volta onde o encontrou. E cuidado para não deixá-lo torto. — Ele ordenou. — Foi você quem o arrancou. Portanto, é seu dever colocá-lo de volta no lugar.
Abri e fechei a boca várias vezes sem saber o que dizer. Colocar o chifre na cabeça dele?
Era sério isso mesmo?
Nunca em toda a minha vida eu iria me imaginar colocando um chifre na cabeça de alguém. Em outro momento, se alguém dissesse algo assim pra mim eu acharia hilário a situação, mas agora só em cogitar em fazer algo do tipo estava me deixando apavorada.
Olhei para o local onde eu havia quebrado o chifre. Era completamente negro que nem as obsidianas que estavam cravadas na parede.
De alguma forma eu quebrei o seu chifre bem rente ao couro cabeludo, mas ainda conseguia ver onde o chifre nascia. O outro chifre menor logo acompanhava o maior. Aproximei-me um pouco mais dele, para comparar os chifres de sua cabeça. Não queria irrita-lo colocando o seu chifre de forma errada. Fique nas pontas dos pés e encaixei o chifre da melhor forma que pude.
A princípio nada aconteceu.
O chifre apenas ficou ali grudado na cabeça dele. Ele soltou o meu braço lentamente e assim que me vi livre, cambaleei de volta para Amber sem pensar duas vezes. Me prendendo a ela que nem chiclete em um sapato velho.
Por favor, que ele vire pedra outra vez...
Que ele vire pedra...
Isso não aconteceu.
Ele não virou pedra novamente e em vez disso. A parede de obsidianas começou a se derreter em uma espécie de lava quente. Engoli em seco, me soltando do aperto de Amber e me agarrando nas grades de ferro frio atrás de mim. Querendo sair dali de alguma forma.
O lugar estava muito, muito quente. Eu iria morrer com certeza. Ele vai me matar, ou pior, vai matar minha nós duas! Choraminguei novamente à medida que ele se desprendia daquela parede e caia no chão empoeirado.
Ele não usava nada, estava completamente nu na nossa frente. Literalmente peladão, mas não ousei olhar para o seu corpo. Cacete... Eu estava olhando sim. Desviei o olhar embasbacada e tentei focar em seus pés.
Assim que conseguiu se levantar ele veio em nossa direção. Seu corpo era definido por músculos bem modelados, em nada se assemelhava à estátua imponente que encontramos antes. Apesar de sua aparência desconcertante, ele se movia com uma graça felina, os músculos de seu torso ondulando harmoniosamente com cada passo que dava. Uma tornozeleira dourada, o único adorno a enfeitar sua anatomia, brilhava estranhamente à luz difusa do ambiente.. Era alto e devia medir um metro e noventa e cinco de altura fácil, mais ou menos uns trinta centímetros mais alto do que eu.
Ele parou bem na nossa frente.
Mesmo diante de sua presença imponente e da vulnerabilidade da situação, uma onda de indignação tomou conta de mim. Meus punhos se cerraram inconscientemente enquanto meu olhar cruzava o dele. Não havia medo, apenas uma resolução ferrenha de proteger Amber. Ele fez um movimento tão rápido que quase não consegui acompanhar. Lançando-se sobre a minha irmã e a prendendo-a contra a parede. Um rosnado furioso escapou de sua boca, palavras distorcidas pela raiva.
— Por que você usa a aparência dela? — Ele exigiu, seu rosto tão perto do de Amber que suas respirações se misturaram. — Assuma a sua verdadeira forma bruxa e deixe de usar a forma dela agora mesmo.
Sem pensar duas vezes, a adrenalina percorreu corpo e me lancei contra ele. Meus punhos bateram com força sobre o monstro de músculos, meu corpo movido pelo medo e pela raiva. Ele me lançou um olhar de incredulidade, como se não pudesse acreditar na ousadia da minha ação.
— O que pensa que está fazendo? Eu estou te protegendo da bruxa que ousa roubar a sua aparência. Não é necessário que você a defenda. — Sua voz tinha um tom repreensivo, mas também de confusão. Ele soltou Amber, que caiu no chão e se arrastou para longe dele, soluçando. — Seres como ela são manipuladores e astutos, já lidei com essa espécie antes.
Ousar roubar a minha aparência e me manipular? O peladão só pode estar de sacanagem com a porra da minha cara!
— Com chifres ou sem eles. Eu estou á ponto de arrancar todo o seu couro até chegar no seu dedo mindinho. — Dou um chute bem dado no meio de suas pernas, em suas bolas para ser mais exata. Ele urrou, caindo de joelhos, os olhos marejados de lágrimas. — Nunca mais machuque a minha irmã seu cretino filho da puta! Se não você vai ter outros problemas a mais para se preocupar. Como a possibilidade de nunca mais ter filhos, porque eu vou arrancar tudo o que eu conseguir de você! — Apontei para as partes íntimas e dei um chute bem no meio do rosto dele.
Ele rosnou de raiva mas não avançou de volta pra mim, somente se limitou a me lançar um olhar mortal e eu logo fui ajudar a lindinha.
— Você está bem, meu amor? 'ELE' machucou você? — A minha preocupação por ela suprimia a raiva, e eu senti um alívio imenso quando ela balançou a cabeça em negação.
O chifrudo não falou mais nada por alguns minutos, a única coisa que ele ele fazia era me lançar olhares de irritação e descrença.
— Violet! — Amber sussurrou, seu tom de voz evidenciando um nervosismo que eu poderia sentir mesmo sem vê-la. Ela agarrou meu braço com uma força surpreendente, quase me fazendo tropeçar. — Pare de encará-lo desse jeito. Por favor, não o provoque novamente.
— Ele que provocou e avançou em você sem nenhum motivo. — Eu sussurrei de volta, estreitando os olhos para analisar melhor minha irmã. Ainda mantendo minha atenção fixa nele, eu conferi se ela tinha se machucado de alguma maneira, e para minha surpresa, não encontrei nenhum sinal de dano. Isso me tranquilizou um pouco, mas não o suficiente para ignorar a ameaça óbvia que ele representava.
De certa forma a lindinha tinha razão.
Eu não podia simplesmente cutucar a onça com vara curta. Eu tinha que ser estratégica, não emocional. Obviamente ele ganharia de uma briga comigo. O chifrudo poderia ter revidado facilmente as minhas investidas, e ele foi muito rápido quando prendeu a Amber contra a parede, mas não seria eu que perguntaria uma coisa dessa pra ele. Vai que ele era 'lesado' e simplesmente não viu uma oportunidade de revidar contra mim. Ele não tinha revidado antes, mas isso não significava que não o faria se fosse provocado novamente.
— Lindinha, não está mesmo machucada, não é? — Perguntei novamente, minha voz assumindo um tom duro quando me virei para olhá-la. Eu estava pronta para chutá-lo novamente se fosse necessário. A ideia de ele simplesmente se aproximar dela, alegando que ela tinha roubado minha aparência. Era cada afirmação idiota que estava me tirando os nervos.
— Não... não me machucou. – Disse baixinho outra vez. — Embora ele tenha me deixado com a alma fora do corpo depois do susto que me deu. — Ela apertou os meus ombros e me deu um olhar agradecido. — Mas fisicamente eu estou bem. Obrigada por me defender.
— Não precisa me agradecer. É obvio que eu faria qualquer coisa por você. Até mesmo enfrente o mister Satã ali. — Falei alto demais para o meu próprio bem.
Ignorando a minha provocação, ele soltou um resmungo baixo e se sentou no chão, cruzando as pernas em um gesto estranhamente casual. Ele ficou nos observando, seu olhar nunca deixando de nos analisar. Fechei a cara encarando ele de volta. Meu dedo do meio se coçando para não subir pra cima.
Respirei fundo tentando me acalmar. Eu não poderia perder a compostura e dar um treco aqui, ele ainda poderia fazer alguma coisa.
Sei que a situação estava estranha, mas eu estava tão ansiosa que não consegui parar de me mover, Mexia as mãos. Tentei não andar porque meu tornozelo voltou a doer devido ao chute que dei nas partes de baixo e no seu rosto.
Olhei de soslaio pra ele , tecnicamente ele parecia intacto, salvo por um hematoma vermelho se formando em seu rosto. Quanto às suas bolas, decidi, para minha própria dignidade, não fazer qualquer inspeção visual. Supus, portanto, que ele estava perfeitamente bem. Fodidamente bem!
— Vocês são mesmo irmãs? — Ele questionou com uma voz mais branda, quase casual. Ficamos em silêncio e ele continuou como se o dia fosse iluminado por um sol glorioso e povoado por unicórnios saltitantes e alegres. Quase poderíamos esquecer que há apenas alguns momentos atrás ele emergia como uma estátua radiante capaz de derreter paredes, a fumaça de sua aparição ainda pairava no ar do local que tinha sido seu cativeiro, sem contar no seu ataque de raiva em cima da minha irmã. — É por isso que têm a mesma aparência?
Essa pergunta de novo?!
Estava a um fio de soltar uma resposta mordaz, impensada e provavelmente desastrosa quando a lindinha interveio, me cortando antes mesmo que eu pudesse abrir a boca para soltar alguma coisa irremediavelmente estúpida e muito má. Engoli em seco, mordendo a minha língua para evitar dar uma alfinetada nele.
— Somos gêmeas. — A fala dela saiu baixa, olhando-o com uma mistura de curiosidade e resignação. — Irmãs gêmeas.
— Eu não compreendo essa ideia de gêmeas. Vejo duas de vocês com os mesmos corpos, mas se fossem iguais, teriam o mesmo cheiro. Vocês cheiram diferente uma da outra. Então, suponho que não sejam iguais. E a única explicação plausível que consigo imaginar é que uma de vocês roubou a aparência da outra. — Ele emitiu um som que mais parecia um rosnado baixo e sinalizou para mim com um aceno de cabeça, indicando que o que quer que fosse dizer a seguir, seria diretamente para mim. — Foi você que roubou a aparência dela, Galadhrim? Fui eu que me enganei e você é a bruxa aqui?
O cretino tá me xingando outra vez?
— Escuta aqui seu filhote de Quenga! Se me xingar mais uma... — Amber puxou meu braço, balançando a cabeça enfaticamente para mim, seus olhos suplicando para eu não agitar mais as coisas. Mas o que eu poderia fazer? Ele me ofendeu, me chamou de bruxa e me insultou naquela língua incompreensível que ele falava.
— O que minha irmã está tentando explicar é que nós nascemos da mesma pessoa. Nossa mãe carregou três bebês, mas infelizmente uma de nós... Nós... quer dizer, nós tínhamos a mesma aparência, somos gêmeas idênticas. Mas também existem gêmeos que não são parecidos um com o outro, embora tenham nascido do mesmo útero e no mesmo dia. O que quero dizer é que ninguém aqui roubou nada de ninguém, nós nascemos assim. Somos irmãs da mesma mãe e do mesmo pai. Tudo isso foi apenas um terrível mal-entendido, certo Violet? — As mãos dela me cutucaram para que eu concordasse com ela.
Lancei um olhar enfadonho para ambos, sem dizer uma palavra.
Como ele nunca ouviu falar de gêmeas? Mesmo para um demônio, ele estava inacreditavelmente desinformado sobre o mundo. Gêmeos existem em todos os lugares, afinal. E, ao que parece, até os sequestradores desconheciam o conceito de gêmeas idênticas.
— Nunca ouvi falar que houvesse seres que pudessem carregar mais que um filhote em seu ventre. — Diz ele com um carranca no rosto.
— De onde viemos é bastante comum ter um irmão gêmeo. — Ela começou a explicar, entrando numa espécie de aula de biologia. A coisa parecia realmente interessado no que ela tinha a dizer e fez várias perguntas que Amber respondeu sem hesitar. — Às vezes, alguns casais têm até cinco ou mais filhos com a mesma aparência. E, em outros casos, o fato de ter gêmeos não significa que os bebês se pareçam um com o outro.
Minha irmã se sentou no chão e os dois começaram a conversar. Claro, logo depois dela tirar a minha blusa de frio que ela esta usando e dar pra ele se cobrir. Revirei os olhos para os dois, minha irmã não aprendia mesmo, ela sempre dava o ar da confiança pra quem não devia. Eu, por outro lado, não sou nada como ela.
Não confiaria nele, não depois de ele ter ameaçado a vida da minha irmã daquela forma.
Resmunguei em desdém, cruzando os braços sobre o peito. Ele ainda poderia estar trabalhando com os sequestradores, por mais educado ou curioso que se mostrasse agora. Eu não estava disposta a esquecer isso tão cedo.
Enquanto Amber continuava a dialogar com ele, respondendo às suas perguntas, eu observei o local, ainda meio atordoada com tudo que estava acontecendo. Eu queria acreditar que isso era apenas um pesadelo, algo do qual eu acordaria mais cedo ou mais tarde. Mas, a cada minuto que passava, a realidade deste lugar só se tornava mais evidente.
A raiva começou a fervilhar em meu peito. Raiva de toda a situação, raiva dele e, acima de tudo, raiva de mim mesma. Por me sentir tão impotente. Por não ser capaz de fazer nada para nos tirar desta situação.
Respirei fundo, tentando controlar a tempestade de emoções que ameaçava me consumir. Se havia uma coisa que eu sabia com certeza, era que perder o controle não nos ajudaria a sair daqui.
Então, com um último olhar para o chifrudo que conversava calmamente com minha irmã, jurei a mim mesma que faria tudo que estivesse ao meu alcance para nos tirar dessa situação. Porque, no final, ele ainda era um monstro. E eu não confiaria nele. Não importa o quanto ele tentasse parecer civilizado no momento.
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Ps: Hey pessoal, não se esqueça de votar e me dizer o que acharam. A opinião de voces é muito importante. 🥰🥰
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