Capítulo 2 - Revelações
— Violet, me empresta o seu carro amanhã? — Amber grita da cozinha, quando tentava fazer o nosso jantar.
Esta noite ela estava fazendo mandioquinhas fritas e um pouco de vitamina de maracujá com mel. Ideia minha. Apostamos mais cedo 'pedra papel ou tesoura' e ela perdeu três vezes seguidas, sendo assim eu descansaria a minha bundinha nesse sofá e esperaria ela terminar de fazer o nosso lanche/jantar.
Eu ainda estava bastante cansada por causa do treino intenso na academia de luta, e como hoje era véspera de fim de semana, aproveitaria para descansar.
Amber e eu não tínhamos aulas amanhã e eu estava com sérios planos de passar a noite toda acordada vendo filmes com a ela. Amanhã eu recuperaria as minhas foças tirando um sono bem demorado para me revigorar internamente.
O aroma das mandioquinhas temperadas se espalhou pelo ar assim que Amber entrou com os pratos em mãos, envolvendo minha alma com o delicioso cheiro.
As mandioquinhas cheiravam tão bem que imediatamente me deu água na boca. Entre nós, a comida de Amber era, sem dúvida, a melhor. Quando eu me arriscava na cozinha, acabava queimando uma ou duas coisas, mas ela não. Ela tinha herdado o talento de nossa avó materna.
Aprendemos a cozinhar durante as férias de verão no Brasil. Nossa avó podia ser bastante persuasiva quando queria. Ela sempre dizia que algum dia precisaríamos das habilidades culinárias da vovó Adelaide e que seria a melhor maneira de conquistar um bom rapaz.
Como se precisássemos disso, dada a nossa fortuna e o mundo em que vivíamos. Provavelmente, nos casaríamos com alguém escolhido por nosso pai com a intenção de expandir ainda mais os negócios da família.
Tentei argumentar que nossos pais haviam contratado uma excelente cozinheira para essa função, mas nossa avó insistiu que não era a mesma coisa. Segundo ela, não havia nada melhor do que preparar nossa própria comida – e a vovó estava certa. Quando eu tinha sucesso na cozinha, a comida ficava realmente maravilhosa.
Vovó Adelaide nos ensinou várias receitas de família, mas minhas favoritas eram a pipoca com caramelo e a torta de carne com queijo. Essas comidas, sim, eram umas das doze maravilhas do mundo.
— Não mesmo! Na última vez que alguém te emprestou um carro. Você bateu em um ônibus escolar no meio do dia. — Respondi, enquanto apertava incessantemente o controle remoto na tentativa de encontrar um filme descente para assistirmos.
Amber era uma motorista terrível, dirigia devagar demais, o que era extremamente exasperante. Sabe aqueles idosos que dirigem a 20 km/h no trânsito e deixam você estressado com a lentidão? Pois é, eles conseguiam dirigir mais rápido que a Amber.
— Ei! — Amber atirou algumas mandioquinhas em mim, rindo alto. — Não foi minha culpa e você sabe bem disso.
Eu não conseguia entender como alguém que não estava bêbada poderia colidir com a traseira de um ônibus estacionado perto da calçada, mas enfim.
— Sim, eu sei.— respondi ironicamente, sorrindo para ela. — O ônibus simplesmente surgiu do nada, bem na frente do seu carro. Então você veio e... — Imito um carro batendo no ônibus com as mãos. — Bam! Acertou a traseira dele porque não viu um ônibus escolar amarelo de quase três metros de altura bem na sua frente. — Falei, rindo da expressão debochada que ela me lançava.
— Exatamente! Foi isso mesmo que aconteceu!
Comecei a rir novamente.
Amber era delicada e bastante vaidosa para uma pessoa comum. Seu cabelo e unhas estavam sempre impecáveis. Nenhum fio de cabelo ficava fora do lugar, sem mencionar as roupas lindas que ela vestia, bem ao estilo patricinha Beverly Hills.
Hoje, ela prendeu o cabelo e usava um short branco com uma camiseta de manga longa de cashmere rosa. Parecia uma daquelas bonecas Barbie com roupas claras e rosa em excesso. Nada contra o estilo, mas era muito rosa para o meu gosto, embora ainda assim ficasse perfeito nela.
Ela se senta ao meu lado no sofá e coloca as pernas em cima das minhas enquanto eu devoro as mandioquinhas assim que foram colocadas perto de mim. E, meu Deus, estavam tão deliciosas. A vitamina de maracujá então, nem se fala.
Coloquei o filme "Sexta-Feira 13", um clássico de terror, morte, violência e suspense para vermos.
Apontei para o short branco e me lembrei do dia em que Angeline o comprou durante uma viagem que fizemos ao México, em uma das inúmeras barracas de venda na Playa del Carmen.
— Esse short não era da Angeline? — Perguntei, curiosa.
— É sim. Foi a única coisa limpa que encontrei naquela bagunça do closet lá em cima. — Ela dá de ombros, pegando mais mandioquinhas e se acomodando melhor no sofá.
— Por quê? Donna ainda não voltou das férias? — Perguntei, confusa. Donna era um caso à parte quando queria. — Mandei mensagem para ela avisando que viríamos para a Benvillhouse há dois dias, mas ela não me respondeu.
Nossa empregada/dedo duro não perdia uma oportunidade de espalhar as novidades nas redondezas. Por um lado, era bom, pois descobríamos várias coisas sobre a propriedade e os arredores sem nem sair de casa.
Inclusive, que um dos nossos vizinhos, Scott Filigan, um dos melhores jogadores de futebol da cidade, fosse gay – o que não era um problema em si. O problema ocorreu quando ele foi flagrado por um dos empregados da casa dele com o próprio padrasto no ato, o que resultou no divórcio do ano, com direito a repórteres, pedido de prisão e tudo mais.
Donna, às vezes, exagerava e não sabia distinguir entre Amber, Ange e eu. Se uma de nós fizesse algo, a culpa e a responsabilidade eram atribuídas a todas as três, mas quando algo ruim acontecia, a culpa sempre recaía sobre mim. Até nos encontros com os garotos, ganhei fama de depravada por causa das aventuras de Ange e Amber. Donna nunca acreditava que os beijos escondidos nas festas eram delas, pois as duas eram consideradas anjos e eu era vista como a tentação apocalíptica.
Como se eu fosse sair por aí beijando desconhecidos.
O fato de compartilharmos roupas dificultava na hora de me defender das acusações, e com o tempo, eu nem tentava mais. Simplesmente assumia a culpa e seguia em frente.
— Não, e parece que ela não vai voltar tão cedo. Acho que foi cuidar da filha ou da avó doente, algo assim. — Amber suspirou resignada, mexendo no cabelo. Ela tinha o hábito de mexer no cabelo quando estava nervosa. — Mamãe ligou mais cedo dizendo que amanhã de manhã algumas empregadas novas vão chegar até que Donna possa voltar. E Violet... Mamãe também avisou que vai passar um tempo em Dubai com o papai, por causa da nova fábrica que estão construindo lá. Eles não têm previsão para quando a obra vai terminar e...
— E daí? — Eu a interrompo sem me importar com o que ela iria falar, fingindo não ligar, porque "sim" eu ligava pra caralho para o que eles faziam e deixavam de fazer. — Não é como se eles estivessem aqui o tempo todo, não é mesmo? Eles mal param em casa depois que Angeline morreu, não é agora que as coisas irão mudar. — Engulo o nó que estava preso na minha garganta. — Às vezes me pergunto se algo acontecer com uma de nós duas, eles vão apenas sumir de vez ou mandar um cartão de Natal todo ano sinalizando que ainda estão vivos.
— Não fale assim Violet! — Amber pega na minha mão apertando com força. — Nunca mais, entendeu?! Não posso nem pensar na ideia de perder outra pessoa que eu amo. Não de novo... Eu não suportaria. — Os olhos dela se enchem se lágrimas.
E novamente eu e a minha imensa boca fodidamente grande... Sempre falando o que não devia e na hora que não deveria.
— Ei, lindinha... Desculpa... Eu estava apenas sendo irônica com você, boba. Não fiz por mal, eu juro. — Abraçando minha irmãzinha, eu realmente entendia o que ela estava sentindo. Eu também não suportaria perder Amber. Não depois de sentir a dor do luto por Angeline.
— Você promete pra mim? — Ela pergunta ainda com lágrimas nos olhos.
— É claro que eu prometo, não vou mais brincar com coisas desse tipo e vou tomar muito mais cuidado com o que eu falo. Às vezes, eu nem penso, falo antes e raciocino depois. — Falei, abraçando-a. Mesmo que eu não estivesse brincando quando falei aquilo, mas ela não precisava saber disso no momento, e talvez nunca precisasse saber que eu não estava brincando quando falei aquelas coisas. — Não precisa mais se preocupar com isso, tá bom?
— Não falei disso, Violet. — Resmungou ela, limpando o rosto com a palma da mão.
Olhei para ela sem entender, do que diabos ela estava falando então?
— Acho que não estou entendendo o que você quer dizer lindinha.
— Você promete que nunca vai me deixar como a Angeline fez? — Perguntou ela em voz baixa, sem ousar olhar para mim.
Haa... Entendi o que ela queria dizer agora.
Ela voltou a chorar quando não respondi de imediato. Fiquei olhando para ela sem jeito. Meu coração doeu com a pergunta. Amber, de todas as pessoas, sabia que eu não poderia prometer algo assim. Ninguém no mundo sabia o dia de amanhã, a não ser que fosse um vidente – e já que coisas desse tipo não existiam, isso estava fora de cogitação no momento.
Entendo que ela estava sofrendo; eu também estava... Muito, na verdade. Eu estava a um passo de enlouquecer, e a única coisa que estava me mantendo sã era Amber. Se não fosse por ela, eu teria mandado o mundo inteiro se foder há muito tempo.
Sinto muita falta de Angeline todos os dias. Das risadas, brincadeiras e da amizade dela.
Todas as noites, ela vinha para minha cama acompanhada de Amber, e nos contava histórias malucas sobre algum livro que estava lendo ou algum garoto idiota demais para acreditar que estava iludindo Angeline Benvill. Sempre acabávamos pegando no sono abraçadas umas às outras. Ange era a única que conseguia se passar por mim sem que os outros desconfiassem, no sentido de personalidade. O que Amber tinha de bondade, Angeline tinha em astúcia.
Ange, minha irmã, que tirou a própria vida sem deixar nenhum aviso ou pista do motivo que a levaria a fazer algo assim. Nem mesmo uma maldita carta que descrevesse o que ela estava sentindo ou algum diário que pudesse relatar tudo o que ela estava passando. Ela nem se incomodou em se despedir de nós, e eu sou tão idiota que nem consigo odiá-la por isso, por mais que eu tente – nenhum sentimento de ódio vem à tona.
Sim... Sinto muita raiva do que ela fez, mas não consigo sentir um pingo de ódio por ela.
Eu... Sinto saudade.
Abracei a Amber por alguns minutos enquanto passava a mão pelos seus cabelos ondulados, pelo menos até que os soluços diminuíssem e ela ficasse mais calma.
Nunca fui muito boa em consolar alguém, mas não conseguia sequer imaginar a possibilidade de perdê-la também. Ela era parte de mim e eu era dela. E mesmo que uma parte de nós ainda faltasse, ainda tínhamos uma à outra.
Não estávamos completamente sozinhas.
— Ei, meu amor. — Falei, chamando a atenção dela para que ela olhasse para mim. — Eu te prometo que nunca vou te deixar dessa forma. Vou ficar com você pra sempre, e logo você vai se cansar de mim, pode apostar nisso. — Ela concordou com a cabeça antes que eu a soltasse e voltasse a me sentar no sofá, ainda fungando e limpando as lágrimas dos olhos. — Ou talvez eu te deixe pelo Alexander Ludwig. Com ele, sim, eu iria embora sorrindo e nem sequer olharia para trás. — Brinquei com ela.
Ela soltou uma risada fraca, lançando-me um olhar astuto pra mim quando disse:
— Achei que sempre dividíamos tudo, Docinho. — Replicou ela, agora que o chororô já havia passado.
Ao ouvir o apelido que elas me chamavam, soube que ela já estava ficando mais calma. Nossa mãe nos deu esses apelidos por causa de um desenho animado que passava quando éramos crianças, "As Meninas Superpoderosas". Mamãe dizia que Amber era a Lindinha, Angeline a Florzinha e eu a Docinho. Até mesmo nossa personalidade coincidia com a das personagens, e com o tempo o apelido ficou. Somente entre nós, graças á Deus. Não suportaria outra pessoa que não elas me chamando assim.
— O quê?! — Rebati, sorrindo largamente. — Eu não seria capaz de dividir o Sr. Ludwig. Já viu ele? O cara parece que vai te jogar na parede e te mostrar que um mais um é igual a três. — Assim que terminei de falar, lembrei-me de que ela queria meu carro emprestado por algum motivo que não revelou antes. — Por que você quer meu carro emprestado mesmo? Se quiser, posso te levar a qualquer lugar, é só falar.
— Vou ter um encontro amanhã com Matt. — Ela olhou pra mim e parecia que suas bochechas estavam começando a ficar vermelhas. — Hoje, antes do treino, ele me chamou para sair na frente de todas as líderes de torcida. Não tinha como recusar... E agora vamos ter um encontro no Nosferattus.
— Matt? O Matthew Okley? O quarterback? — Ergui uma sobrancelha, surpresa ao vê-la confirmar lentamente com a cabeça. — Ele não é muito... Burrinho demais pra você?
Embora Matthew fosse um gato, ele era muito burro e um tarado de plantão. Resumindo ele era mais puxado para o lado burro, um boboca completo que só pensava com a bolas que ele tem no meio das pernas. Não sei como ele tirou sequer a carteira de motorista, acho que deve ter sido comprada já que os Okleys também eram podres de ricos. Uma vez ele me perguntou onde ficava a sala de música. O idiota estudou naquela escola desde o jardim de infância e não sabia onde era a maldita sala de música? Sério mesmo?
Matthew também tinha outro defeito: o cretino era um tremendo de um patife, não podia ver nada com peitos e já ia correndo atrás que nem um cachorrinho no cio. O idiota chegava até mesmo a babar.
Uma vez quando eu e a Ange estávamos voltando do treino das lideres de torcida mais cedo, por causa do campeonato de futebol que iria ser naquela noite. Eu estava morta de cansaço por causa dos ensaios. Escutei uns gemidos vindo do vestiário feminino e como Ange vivia com fones de ouvidos nem percebeu os barulhos. A imbecil aqui achou que alguém tinha se machucado e foi logo correndo para ajudar. Nunca que eu iria achar que alguém estava fazendo sexo bem ali. Sei que às vezes sou inocente em muitos quesitos, mas como eu poderia imaginar que estavam fazendo uma coisa dessas às duas horas da tarde em um colégio lotado de alunos?
Segui em direção ao vestiário e os peguei no flagra. A Beti Audrei, mais conhecida como Beti Puta cavalgando nele na maior cara de pau e o Matthew Okley implorava pra ela que o chamasse de poneizinho, enquanto ele dava tapas em sua bunda. Só de lembrar dessa parte me faz querer rir.
Ange logo apareceu e, vendo minha cara de susto, olhou o que estava acontecendo e caiu na risada, apontando para as partes íntimas de Matthew e dizendo: "Tão pequenininho, Okley. Pelo seu tamanho, achei que isso aí no meio das suas pernas fosse bem maior. Definitivamente, perdi toda a minha curiosidade agora." Não preciso dizer que os dois saíram rapidinho do vestiário. Matt estava roxo de vergonha, e Beti temia que mais fofocas sobre ela se espalhassem pelo colégio, embora já nem se importasse mais. Ela flertava com qualquer um que tivesse um cartão Black para sustentá-la.
— De jeito nenhum você vai sair com Okley. Você sabe muito bem a fama que aquele bostinha tem, não é? — Falei, furiosa só de pensar na audácia daquele idiota em convidá-la para sair e ainda mais indignada por ela ter aceitado. — Não vou deixar que ele coloque as mãos sujas dele em você, Amber. Ele é patético demais.
— Você não pode decidir por mim... É só um encontro, Violet. Não é como se eu fosse vender minha alma ou algo do tipo.
Revirei os olhos para ela.
— Ta de zoação com a minha cara, não é? Sabe o que ele faz todo dia nos vestiários ou em qualquer sala vazia? Ele já teve a maioria das garotas naquele colégio. — Eu não tinha certeza se ele fazia isso todos os dias, mas eu era muito observadora e ouvia inúmeras histórias sobre esse quarterback e sua reputação.
— Eu não julgo as pessoas pelo que os outros dizem que elas fizeram. — Ela falou, dando de ombros como se estivesse encerrando o assunto e não quisesse que eu continuasse a criticá-lo. — Vai me emprestar o seu carro ou não? Não quero ter que pedir pra ele me buscar.
Ela só pode estar de brincadeira com a porra da minha cara! Isso não fazia sentido algum.
— Você não vai pegar carona com ele nem no inferno. Ele provavelmente vai tentar entrar nas suas saias na primeira oportunidade que tiver, especialmente se estivessem sozinhos dentro de um carro. — Eu estava quase arrancando meus cabelos de frustração com essa situação. Se havia boatos sobre alguém não ser confiável, é possível que fossem verdadeiros. Simples assim. Era só ela seguir a linha de raciocínio.
— Não seja boba, Violet, ele não é assim. E para seu governo, vou de jeans. Assim, você não precisa se preocupar comigo. — Ela disse debochando de mim, como se vestir jeans fizesse alguma diferença em relação a Matt.
— Ele não é assim?! Eu e Ange o flagramos com a Beti em cima dele no vestiário e... — Parei de falar assim que vi o vulto de Angeline se dirigindo à cozinha.
Amber me olhou confusa por alguns segundos, mas minha expressão assustada deve ter indicado que algo estranho estava acontecendo atrás dela.
Ai meu Jesus Cristinho, por favor agora não... Estava tudo indo tão bem.
— O que foi? — Perguntou ela, receosa, olhando em direção à cozinha. Amber não era nem um pouco boba e também viu a lembrança de Ange entrando na cozinha, com os cabelos soltos de forma quase teatral, flutuando ao redor de seu corpo.
— Angeline. — Falei para Amber, quase em um sussurro.
Ela entendeu perfeitamente do que eu estava falando e apenas confirmou com um leve aceno de cabeça, apertando minha mão.
Nos não gostávamos de comentar sobre as repentinas aparições de Angeline, nem sei exatamente o motivo do 'porque' de Amber não comentar isso comigo e nem de eu não fazer o mesmo com ela. Embora eu soubesse exatamente o porquê de não contar a ninguém sobre isso.
Eu acho que tinha medo de ser realmente louca, do tipo que era internada em hospícios e amarrada em camas enquanto gritava histericamente que estava vendo um sapo voador. Louquinha, como a doutora Waitler sempre deu a entender que eu pudesse ser.
Ambas olhamos para a cozinha, na direção por onde a lembrança de Angeline acabara de passar. Tentamos ouvir algo, mas reinava um silêncio absoluto, exceto pelo filme Sexta-Feira 13 que continuava a passar na TV.
Esse filme tornava as coisas ainda mais sinistras.
Então, ouvimos o barulho de pratos se quebrando na cozinha. Apertei a mão de Amber, que me encarava assustada. O som das panelas caindo no chão era aterrorizante.
— Isso nunca aconteceu antes... — Falei mais para mim mesma, limitando-me a olhar assustada para a entrada da cozinha.
Nunca que a lembrança de Angeline havia quebrado algo ou interagido com objetos físicos. Quero dizer, todas as vezes que ela apareceu, era sempre apenas Ange e mais nada, mesmo quando parecia que ela estava conversando com outras pessoas na lembrança. Ainda assim, eu sabia que se tratava apenas de uma lembrança do que ela havia vivido e não um espírito.
— Sim... — Amber concordou com outro aceno, tão nervosa quanto eu. — Vá lá ver o que aconteceu, Violet. — Ela quase suplicou, tentando me empurrar em direção à cozinha.
— Ah, mas não vou mesmo! — Exclamei, levantando-me para sair dali o mais rápido possível. Ninguém pode lidar com assombrações. Basta assistir a alguns filmes de terror para saber o que acontece com quem vai atrás dos fantasmas. — Você sabe que, nos filmes, quem vai verificar o barulho são os que morrem primeiro. Não, meu bem, desta vez eu passo.
— Não seja boba, Violet... Ange é nossa irmã. — Ela apertou minha mão novamente quando Jason, o assassino do filme, apareceu com uma serra elétrica e tentou matar os rapazes do filme. — Podemos ir juntas, se você quiser. Assim, nada acontece sem que uma saiba o que aconteceu com a outra.
— Ah, claro. Então morremos as duas de uma vez. Nem pensar, querida. Nenhuma de nós vai até lá. Não sabemos se aquela coisa é realmente nossa irmã!
— Você fez várias aulas de luta Violet. Se algo acontecer, você será a melhor pessoa para lidar com a situação. — Ela tentou me fazer mudar de ideia, olhando-me com esperança.
Pratos voaram e se estilhaçaram na parede do corredor da cozinha, enquanto sussurros abafados de uma Angeline em forma de assombração podiam ser ouvidos por nós duas.
— Querida, é o seguinte. — Apontei para a cozinha, onde provavelmente o espírito de nossa irmã gêmea estava destruindo a coleção de pratos de nossa mãe. E dessa vez, eu tinha certeza de que era um espírito, pois meus braços inteiros começaram a se arrepiar. — Eu sei lutar com os vivos. Repito para você entender: pessoas vivas que possuem um corpo físico e um coração pulsante. Com aquilo lá na cozinha... Não. Então sugiro que nós duas saiamos daqui diretamente para uma igreja que realize exorcismos ou algo do tipo. — Nesse momento, a TV desliga de repente e todas as luzes da casa se apagam, deixando Amber e eu na maldita escuridão.
Puta que pariu! Sério mesmo?! Dentre todas as pessoas no mundo, isso foi acontecer logo com a gente?
Puxei Amber para perto de mim, mas ela era desajeitada demais e quase cai no sofá novamente ao tentar se manter em pé.
— Droga... — Sussurrou ela ao meu lado no escuro, sem soltar minha mão em nenhum momento. — Cadê o celular quando a gente precisa dele?
Ainda segurando a mão de Amber, tateei o sofá até encontrar o cabo do carregador do celular que estava carregando-o e liguei o modo lanterna assim que alcancei o aparelho. Iluminando a sala, percebi o quão aterrorizante era estar em uma mansão antiga de quase 500 anos na completa escuridão.
Eu tinha medo de assombrações e um pouco de medo do escuro, mas nunca me assustei de verdade, pois a mansão tinha geradores de energia e a casa sempre era bem iluminada. Contudo, com a falta de energia, teríamos que ir até o porão para ligar o gerador. E, para ser sincera comigo mesma, eu não estava nem um pouco a fim de encarar um porão à noite apenas com a lanterna de um celular.
Todos os filmes de terror começaram a passar pela minha cabeça, e o que não saía dos meus pensamentos era o filme 'O Grito'. Se a Samara começar a fazer aqueles gritinhos dela, eu enfarto de vez. E, aliás, havia um fantasma na nossa cozinha, para variar. Não uma mera lembrança, como sempre acontecia; aquilo ali parecia ser pra valer.
Engoli em seco e respirei fundo para me acalmar. Amber me cutucou quando Angeline passou bem perto de nós e seguiu em direção à porta dos fundos da mansão. Ela parou em frente à porta, nos encarando por alguns segundos com um olhar profundo e vazio, como se pudesse ver através de nós e ainda sim nos enxergar ao mesmo tempo. Não vou mentir, aquilo estava me apavorando de verdade; cheguei até a me arrepiar novamente. Como alguém consegue se arrepiar duas vezes seguidas?
Angeline se virou e nos chamou com a mão, como se quisesse que a seguíssemos.
— Meu Deus, Amber... — Sussurrei, prendendo a respiração enquanto encarava Angeline. — Ela só pode estar louca se acha que vamos segui-la no meio da noite.
Ela realmente parecia um fantasma agora. Eu conseguia ver a parede através dela, mas, em vez de Ange aparecer com a roupa que ela morreu, como acontecia nos filmes, ela estava diferente, usando roupas estranhas, mas ainda no estilo de Angeline.
Aquilo era extremamente bizarro. As roupas dela eram peculiares e, ainda assim, bonitas, eu acho... Um vestido branco de babados que ia da gola do seu pescoço até abaixo dos seus joelhos.
— Acha que podemos segui-la? — Amber perguntou hesitante, tentando ir em direção aonde Ange acabava de sair pela porta dos fundos da casa.
— Qual foi a parte que você não entendeu de que Angeline só pode ter fumado alguma coisa muito forte do além para achar que vamos segui-la?! Ainda mais no meio da noite. — Quase gritei e cerrei os dentes ao perceber que Amber realmente queria ir atrás dela. Dava para sentir quando ela puxava minha mão, querendo que eu fosse com ela descobrir o que diabos Angeline queria conosco.
— Que mal vai fazer se a seguirmos, Violet? Ela quer isso, não é? — Ela tentou me puxar novamente na direção da porta e, quando não conseguiu me tirar do lugar, disse emburrada: — Docinho, ela nunca interagiu conosco depois da sua morte e, se... Se ela quer nos dizer alguma coisa? Talvez ela queira nos contar o motivo pelo qual fez o que fez. Devemos isso a ela, Violet.
— Devemos? Por que devemos algo á ela? — Perguntei confusa e à beira de um colapso nervoso.
Não devemos porra nenhuma a ela! Não depois do que ela fez.
— Você não compreende, não é mesmo? Angeline não tinha confiança suficiente em nós para compartilhar seus verdadeiros sentimentos, a ponto de tomar a decisão de tirar a própria vida. E, droga, Violet... Ela não confiava em nós o bastante para ao menos desabafar sobre o real motivo que a levou a fazer o que fez. — A voz de Amber ficou embargada, e lágrimas brotaram em seus olhos. — Se ela quer nos mostrar algo, vamos dar uma chance. Não acredito que ela nos machucaria. Afinal, somos irmãs.
— Fala isso para os pratos da mamãe que estão todos quebrados no corredor da cozinha, lindinha. — Apontei para os cacos de vidro espalhados pelo chão. Aquele estrago era uma pequena fortuna em louças destruídas. Nossa mãe nos mataria se visse aquela cena.
— Você vai ou não, Violet? — Amber perguntou, determinada a seguir o fantasma. Ela soltou minha mão e caminhou em direção à porta. Eu sabia que, quando Amber tinha uma ideia fixa na cabeça, não havia como fazê-la mudar de ideia, mesmo que aquilo terminasse muito mal para uma das duas.
Eu estava com medo do que poderíamos descobrir sobre Ange, mas aquilo estava me deixando louca. Comecei a pensar que talvez alguém estivesse envenenando nossa comida com drogas alucinógenas ou algo assim.
— Tem certeza de que não quer ir comigo? — Ela me desafiou mais uma vez. Quando neguei com a cabeça, ela me lançou um olhar triste e magoado.
— Eu não quero ir, lindinha... — Falei a verdade e, em seguida, percebi o quanto estava ficando louca pelo que estava prestes a dizer. — Mas não posso deixar você ir sozinha também... Eu vou com você, mas se algo acontecer, corremos de volta pra cá, e eu te culparei pelo resto da sua maldita vida.
Fui até o armário e peguei a mochila que havia jogado lá dentro assim que cheguei. Abri a mochila e tirei de lá um canivete, colocando-o rapidamente no meu bolso. Amber me lançou um olhar intrigado.
— O que foi? — Perguntei, tentando parecer inocente. — Nunca se sabe quando vamos precisar de um desses, e já estou preparando o seu repertório de culpa pra você. E acredite, a sua lista vai ser bem grande.
Segui atrás de Amber, iluminando o caminho com a lanterna do celular. Tinha certeza de que isso não acabaria bem, mas, no fundo, eu também queria descobrir o que Angeline tinha a nos dizer. Talvez, de alguma forma, pudéssemos encontrar respostas, mesmo depois de tudo que aconteceu com Angeline.
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(Se vocês chegaram até aqui, por favor, não se esqueçam de apoiar essa história. Seu voto é muito importante pra mim!)
❤️❤️❤️
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