Prólogo: Alexei
Eles nunca chegaram tão perto.
Alexei abaixou-se, buscando a proteção dos arbustos. Não precisou esperar muito para avistar as silhuetas dos homens se locomovendo por entre as árvores, mais adiante. Eles avançavam sem fazer ruídos; a princípio cautelosos, até pararem em uma clareira palidamente iluminada pelo luar. Circundaram o local, olhando para o chão... Claro, estavam procurando por pistas.
Alexei percebeu quando eles descobriram que perderam o rastro. Foi no instante em que deixaram de ser cautelosos. Começaram a falar rápido, num tom urgente. Meio que cuspindo as palavras...
A equipe alemã, deduziu o garoto.
Há muito, deixara de tentar aprender a língua dos lugares por onde passava. O tempo nunca era suficiente. Mas apesar de não entender o significado das palavras, ele entendia de hostilidade. Aprendera a se concentrar no tom da voz, na emoção, na velocidade e dicção com que as palavras eram pronunciadas... Assim, sabia das intenções antes das pessoas partirem para a ação.
Eles o queriam. Russos, alemães, portugueses, franceses, não importava. A Interlace Corp possuía ramificações espalhadas por toda a Europa. Células, equipes, tropas, times... Independente de quem eles fossem, fariam de tudo para pegá-lo.
Alexei prosseguiu ofegante - mais por causa do frio do que pelo exercício da corrida. Embrenhou-se por entre as árvores escuras, num trecho particularmente acidentado do terreno. Depois de algum tempo, avistou a entrada de uma mina, a sua direita... O instinto lhe disse para não entrar, pois ficaria encurralado lá dentro. Ignorou o abrigo e continuou correndo, até que uma sombra projetou-se em seu caminho, tentando agarrá-lo. Instintivamente, Alexei ergueu a mão, embora soubesse que seus poderes não teriam o menor efeito sobre o traje de plástico que cobria o sujeito dos pés à cabeça. Se ao menos uma parte da pele estivesse exposta, poderia fazer os elementos químicos contidos no sangue do perseguidor agirem em seu benefício.
Logo, os demais surgiram. Todos usando trajes especiais de plástico para impedir que o seu poder os afetasse. Eles os estavam cercando... e agora? Resolveu driblá-los, jogando-se e rolando pelo chão no exato instante em que um deles avançou. Alexei ficou de pé e continuou correndo, impulsionado pela adrenalina. Nem olhou para trás - desesperado por manter sua liberdade a todo custo. Contornou os troncos grossos das árvores e acelerou o passo.
Os gritos e as respirações ofegantes de seus perseguidores ficaram para trás. A esperança de escapar cresceu dentro dele. Alexei saltou por sobre um pedaço de tronco podre, perdeu o chão e caiu, rolando pela ribanceira até parar estatelado à beira de uma estrada. A dor explodiu em seu tornozelo. Ele sentiu o asfalto frio de encontro ao rosto - escuro e lustroso por causa das chuvas recentes. Lutou para ficar de pé. A fome e a sede estavam comprometendo a rapidez de sua reação, deixando-o fraco e tonto.
Alexei cambaleou no meio da pista. O som da buzina soou atrás dele, que se virou para os faróis cegantes. O caminhão foi se avolumando diante de seus olhos. Ele ergueu a mão, e o veículo perdeu velocidade até parar a centímetros do seu rosto (para alívio do condutor).
Alexei deixou escapar o ar e baixou a mão.
-Bist du verrückt, Junge? [Ficou maluco garoto?]- gritou o condutor, colocando a cabeça para fora do veículo. - Willst du sterben? [Você quer morrer?]
O rapaz ergueu a cabeça e sussurrou algo que o caminhoneiro não entendeu.
-Was hast du gesagt? [Que foi que você disse?] - perguntou o caminhoneiro, confuso.
-Pomogite mne! [Me ajude!] - repetiu Alexei, sem fôlego, antes de relancear os olhos pela ribanceira.
O motorista não entendia russo e sacudiu a cabeça.
O movimento das lanternas e os gritos em alemão incitaram o rapaz a fugir para a margem oposta da rodovia. O caminhão atravessado na pista atrapalhou a visão dos homens, que tiveram de contorná-lo para chegar ao ponto onde o garoto estava.
Só que ele não estava mais...
-Wo ist er hin? [Para onde ele foi?] - perguntou um dos homens de plástico.
O caminhoneiro bateu a porta do veículo e veio correndo ao encontro deles. Deu uma parada no meio do caminho, mediu os homens dos pés à cabeça e soltou uma risadinha.
-Hey, wer bist du? Marsianer? [Hei, quem são vocês? Marcianos?]
Os homens de plástico trocaram um olhar de entendimento. Não podia haver testemunhas. Eles miraram e atiraram.
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Alexei continuou subindo a encosta íngreme às margens da estrada, até alcançar o topo da colina. Desceu pelo outro lado e prosseguiu aos trancos e barrancos - até que os gritos diminuíssem de intensidade. Mas, então, ele ouviu os disparos e seu sangue gelou ao compreender o que tinha acontecido.
Ele avançou com renovada determinação até restarem apenas os sons da floresta... Que pareciam lhe sussurrar ao pé do ouvido: Corra! Eles estão chegando! Eles vão te alcançar! Tonto de fome e sede, ele então tropeçou num galho quebrado e pontiagudo. A calça jeans rasgou na altura da coxa esquerda. Para piorar tudo, voltou a chover torrencialmente. Ele já não enxergava um palmo diante do nariz; movia-se trombando nas árvores, cortando o lábio, machucando o ombro... Era difícil enxergar qualquer coisa naquela noite gelada e agourenta.
As árvores deram espaço ao campo - abençoado campo! Ele vacilou; olhou para trás. Estava tão cansado que não sabia se conseguiria dar mais um passo sequer. Precisava encontrar abrigo, secar-se, descansar. Contudo, não podia dar-se ao luxo de fazê-lo. Continuou andando pelo terreno encharcado... Os tênis cheios de água, fazendo snap, snap, snap. Seguiu as luzes da cidade por puro instinto, por puro desespero... Elas o guiaram no horizonte como diminutos faróis a lhe insuflarem esperança.
A civilização parecia tão próxima, mas tão distante. E o que iria fazer ao chegar lá? Por mais que ele quisesse, ninguém poderia ajudá-lo.
Entrou em Wernigerode ao amanhecer. Andou a esmo pelas calçadas molhadas, embora muito limpas. Alguns barezinhos noturnos ainda estavam abertos, com alguns poucos frequentadores. O que fariam eles, caso resolvesse entrar e pedir para usar o banheiro? Chamariam a polícia? No mínimo, seria convidado a se retirar. Virou-se na outra direção e avistou a estação. Trataria de pegar o primeiro ônibus ou trem que estivesse partindo - não interessava o destino! Quando conseguisse impor alguma distância entre ele e seus perseguidores, pensaria com calma para onde ir e o que fazer...
Alexei Petrov tinha uma única certeza: precisava colocar um oceano entre ele e a Interlace Corp.
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MACTEP - melhor enredo de Ficção Científica da terceira edição do Prêmio Rosas Douradas/2018.
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