Luz da Noite - 8
A aula de matemática era a última das sextas-feiras. Enquanto a maioria dos alunos - ou devo dizer todos - voltava para casa feliz, eu voltava não tão feliz. Matemática não era a minha matéria preferida, mas o professor era, o que me incentivava a me empenhar e conseguia tirar boas notas. Quando o sino tocou naquela sexta e todos se levantaram, me deparei com uma cena típica: Steven sentado em sua mesa com a atenção voltada para algo que jamais era eu, de modo que quando eu falava "tchau", ele não olhava ou olhava apenas por um segundo, o tempo de responder "tchau" de volta. Desta vez, era o celular o foco de atenção. Quando não era matemática a última aula do dia e os alunos não estavam com tanta pressa para sair, não era incomum alguns – tanto rapazes quanto garotas – se aproximarem para tirar conversa fora.
Steven era considerado o professor mais legal do colégio. Legal no sentido de descolado. Se vestia bem, sabia conversar com os alunos, não era chato e nem muito exigente e o mais importante de tudo: era o professor mais jovem da escola inteira. Porém, ainda bem, jamais subestimado. Eu raramente me juntava ao grupinho – era um tanto tímida e ele iria me ignorar do mesmo jeito. Com ele agora no celular, sem ninguém por perto, era uma chance de trocarmos algumas palavras. E eu não precisava andar um longo caminho, já que optava sempre por sentar em uma mesa na primeira fileira. Entretanto... a possibilidade de incomodá-lo, não importava de que possível forma, me apavorava. E se ele estivesse trocando mensagens com a namorada? Ou lendo algum e-mail? Iria interrompê-lo. Bom... acho que havia momentos em que eu deveria simplesmente dizer... dane-se. Quando comecei a me aproximar devagar, segurando firme os meus cadernos contra o peito, fui surpreendida por alguns alunos que chegaram antes de mim. Decepcionada (mas ao mesmo tempo aliviada), dei meia volta.
À caminho da minha segunda sessão de terapia, me perguntei se estava pelo menos um pouco animada para ir e foi aí que me lembrei da primeira:
– Você pode se sentar, Satsuki.
Me sentei. Enquanto olhava para o outro lado, Vivianne mantinha o olhar em mim enquanto se sentava devagar sobre a poltrona à minha frente. Continuei em silêncio e olhando para os lados, como se estivesse entediada. Na verdade, estava apenas examinando o ambiente e esperando que Vivianne me jogasse a primeira frase.
O consultório era pequeno, tinha tons claros nas paredes, no tapete, nos móveis e as poltronas eram cor chumbo, destacando-se do resto. Atrás de Vivianne havia um vaso com rosas vermelhas, que também se destacavam.
Os segundos se passavam e ela não começava. Resolvi tomar a iniciativa e olhei para ela, quebrando o silêncio.
– Então. Você queria falar comigo sobre a minha... depressão.
Usei um tom de pergunta. E logo percebi que usei a palavra errada. John e Amy jamais disseram acreditar que eu tinha depressão. Se fosse assim, teriam me mandado a um psiquiatra, não a um psicólogo. Vivianne, entretanto, não me corrigiu.
– Vamos falar sobre você primeiro.
– Ok - assenti. – Hã, eu estava pensando... posso só te chamar de Viv ou...?
– Não, você não está permitida.
Fiquei muda. E já tinha a resposta. Não, com certeza não estava animada.
Depois que voltei para casa naquele dia, prendi o cabelo em um coque e fui fazer algumas tarefas, como ajeitar o meu quarto e ajudar Amy com a cozinha.
Éramos uma família de sete e não tínhamos ajuda. Amy, entretanto, nunca reclamava, pelo menos não em minha presença. Mas havia vezes em que a notava exausta e ajudava com o que podia. Ela ainda usava o cabelo comprido e roupas de tons claros, expressando leveza. Mas as olheiras que tinha na maior parte do tempo mostravam como estava cansada. Enquanto a ajudava a guardar a louça, ela aproveitou para me perguntar sobre a terapia. Fiquei pensando em uma forma de descrever Vivianne sem dizer "chata"... mas fiquei dando voltas, ao invés de simplesmente dizer que não gostava da minha nova terapeuta. E então, Hudson entrou na cozinha (em que momento escutou a nossa conversa?), dizendo que eu estava apenas de mau humor por causa do feriado.
Embora o que Hudson dizia parecesse não ter o menor sentido, tinha e era verdade. Ao invés de me agradar, feriados me aborreciam. Eu não amava a escola, mas amava Steven e a escola era o único lugar onde podia vê-lo. Eu estava de mau humor por causa do feriado que vinha, agora, isso não tinha nada a ver com o que eu disse sobre Vivianne. E sim... Hudson suspeitava que eu tinha uma queda pelo meu professor de matemática, mas jamais admiti isso e jamais iria. Na tarde do dia seguinte, tranquei a porta do meu quarto, peguei o computador, sentei em minha cama e liguei para Jamie. Telefonemas eram algo que raramente fazíamos; dizia ele estar sempre muito ocupado com os estudos e também me pedia para evitar mandar mensagens quando estivesse com Jessica, a fim de evitar qualquer possibilidade de ela ficar com ciúmes. Achava isso uma besteira, mas o respeitava.
O expliquei por quê não estava animada com o feriado. Não tinha a ver apenas com Steven, mas com o fato de que iríamos ter um almoço em família no dia seguinte... e eu não fazia ideia do que vestir. E eu, não sabendo o que vestir para um compromisso familiar, era sinônimo de... intervenção de Amy.
– Eu tenho me perguntado... o que me falta. Deve estar faltando alguma coisa muito importante; ele... ele nem olha pra mim. Mesmo nas raras vezes em que estamos conversando só os dois.
A conversa se aprofundou, e comecei a contar sobre o que andava me afligindo ultimamente. Jamie e eu conversávamos como duas amigas. Podíamos conversar por horas, ele me contando sobre Jessica e eu sobre Steven. Ambos eram nossos assuntos favoritos, por mais que nos doessem. Embora nossos casos fossem diferentes – ele estava namorando e eu ainda estava em processo –, no geral, eles eram iguais. Estando com Jessica, Jamie sofria e tinha vezes em que dizia preferir não estar com ninguém. Por já ter sido muito magoado, tinha uma grande dificuldade em confiar, assim como tinha problemas de auto-estima e tendências depressivas. Quando Jessica o dava qualquer motivo para desconfiar de seu nível de comprometimento, o quadro, que já era ruim, ficava crítico. Porém, por mais que sofresse, ele não conseguia tomar uma decisão. Sobre a minha questão, ele me deu sua sincera opinião, chamando-me pelo meu apelido, um apelido que só ele usava.
– Chi, eu vou ser sincero com você... como sempre procuro ser. Eu já te falei isso e por mais que me doa, preciso repetir. Ele não olha pra você não por conta da forma como você se veste ou se parece. Ele não olha pra você porque você é aluna dele e ele é dezesseis anos mais velho. Eu acho até que é mais uma questão de respeito que de desinteresse.
– Bom, como saber qual das duas ou se não são as duas coisas? – questionei.
– Porque é claro que ele te acha bonita, Chi. Mas olha, deixa eu te falar... acho que não é nem legal. Ele não vai ficar com você enquanto você não tiver no mínimo vinte e um.
Ele já tinha dito isso uma vez. Minha resposta era mesma.
– Não seja pessimista.
Apesar do que dizia Jamie, eu estava convencida de que se quisesse causar algum impacto, precisava mudar o visual. Talvez começar a usar maquiagem. Usar roupas que mostrassem mais o meu corpo. Claro que eu precisaria encontrar formas de vê-lo fora da escola para poder estrear o meu novo visual... o que dificilmente aconteceria.
A presa de elefante que ganhei do meu pai era algo que eu guardava como sendo meu pertence mais valioso. Às vezes, a colocava embaixo do travesseiro achando que, se o fizesse, sonharia com a África e com o meu pai. Ao invés disso, sonhei com um lugar que eu não conhecia.
A primeira coisa que vi foi a água. Como se eu estivesse embaixo dela, olhando para a pessoa que me olhava do lado de fora... que era eu.
Pingos caem sobre a água, destorcendo a imagem. E então, me vejo sentada olhando para a água à minha frente, transparente e de um tom azul turquesa que só poderia ser sonhado.
Era um dos lugares mais lindos que já tinha visto – ou melhor, imaginado. Diante de mim, um imenso lago com montanhas no fundo, algumas delas com neve no pico. Mais próximo de mim, um conjunto de ilhas totalmente cobertas por uma vegetação verde escura. O céu era de um azul intenso, com poucas nuvens baixas, que refletiam sobre o lago, quase totalmente parado, feito um espelho. Seguindo alguns metros, ele era raso e eu podia ver todas as rochas coloridas no fundo, e também algumas carpas.
Eu estava sentada sobre algumas rochas. Atrás de mim, muitos, mas muitos dentes de leão, que balançavam com o leve vento. Assim como a paisagem me era nova, minha aparência também era. Eu não era loura, senão ruiva. Tinha o cabelo preso em um coque volumoso. Meus olhos ainda eram azuis. Mas aquele não era o meu rosto, aquele não era o meu corpo. Eu era outra pessoa. Seja quem eu fosse, eu não tinha mais dezessete anos, senão, devia ter no máximo trinta. Definitivamente não era eu, porque aquela mulher era mais bonita, tendo traços bem diferentes – nariz mais comprido, lábios carnudos, sobrancelhas claras como o cabelo. Seu olhar era bondoso, inocente e expressivo... e ela estava usando um vestido. Um vestido cor creme comprido, com flores estampadas. Era lindo. Como ela, digo, como eu.
O que eu estava fazendo sentada sozinha à beira daquele lago... além de observar a paisagem? Eu estava esperando por alguém. E antes que ele pudesse chegar... acordei. E comecei a pensar que aquela mulher ruiva, que no sonho era eu... eu já tinha visto aquele rosto em algum lugar.
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