Luz da Noite - 13
Enquanto fazia a minha lição de casa, sentada na escrivaninha do meu quarto em frente à janela, estava com problemas para me concentrar, e não era apenas por conta do resfriado.
Eu queria que Steven me beijasse. Se não conseguiria isso na vida real, deveria conseguir em um sonho. Mas nem isso. Dei uma tossida e apoiei o queixo sobre a minha mão, olhando para a janela. E se eu não precisasse sonhar? Recentemente, contei à Vivianne sobre um sonho que tive com Steven:
– Não lembro exatamente onde estávamos. No refeitório da escola, talvez. Estávamos em uma mesa sentados frente a frente. Simplesmente conversando. Não estávamos comendo. Haviam alunos atrás dele, conversando entre si. Não me lembro sobre o que nós dois conversávamos. Acho que nada de muito importante. Eu estava muito feliz e não podia parar de sorrir, e eu me lembro de ter pensado como isso é algo positivo. Quando você sorri, você contagia as pessoas ao seu redor e faz elas sentirem naquele momento o que você está sentindo. A energia de ambos se torna uma só. E realmente foi assim, assim como eu sorria e falava de forma animada, ele também sorria e me escutava com muito entusiasmo. Eu tinha a total atenção dele. Eu não conseguia acreditar que havia conseguido algo que nunca consegui antes: estávamos conversando... e ele estava realmente animado. Pela primeira vez compartilhávamos a mesma energia. E então... um dos alunos, ou vários, não me lembro, nos interromperam. Não me lembro o motivo. Mas ele se levantou e foi embora, juntando-se à eles. Eu fiquei tão brava. Tenho a sensação de que a nosso conversa foi curta. Ou seja, foi algo bom que durou pouco. Não retomamos a conversa depois, a atenção dele já estava totalmente voltada aos meus colegas. Eu o perdi. Mas sim, foi tão surreal, só poderia ter acontecido em sonho mesmo... eu não consigo imaginar isso acontecendo na vida real. Ele era tipo, outra pessoa... o oposto do Steven que conheço.
Me ocorria que se eu era – aparentemente – tão desinteressante para o Steven na vida real... eu devia ser ou sem graça ou ele por algum motivo me achava estranha. Seria porque não falava muito e não me interessava fazer amizade com garotas? Eu não era excluída. As pessoas até que se aproximavam, fosse para me convidar a fazer parte do grupo quando tínhamos alguma atividade em grupo, fosse para fazer parte do time na aula de educação física (eu era uma das melhores na área de esporte), fosse simplesmente para jogar conversa fora.
Mas eu não demostrava muito interesse. Basicamente, a pessoa com quem mais me interessava interagir era Steven. Quando era mais nova, no entanto, me custou um pouco fazer os meus primeiros amigos na escola. Comecei os estudos em casa, com Amy, durante o meu primeiro ano no novo lar. Eu teria preferido continuar com os estudos em casa; gostava da minha "professora" e a ideia de ficar novamente entre um monte de crianças desconhecidas me dava um pouco de receio (relacionava isso com a minha experiência no orfanato, por isso era impossível não fazer uma associação irracional negativa)... mas era importante eu começar a me socializar. Entrei na Independence Elementary School, a mesma escola pública onde Hudson estudava na época, mudando-me mais tarde para o Sant Jose, meu colégio – agora privado – atual. Porque não consegui fazer muitos amigos e não estava me adaptando tão bem ao sistema de estudo da Independence, John e Amy acharam que seria uma boa ideia eu começar em um novo lugar.
Por sorte, nunca sofri bullying. Mas estava muito agradecida por John e Amy terem tomado a decisão de me mudar de escola, o que me permitiu conhecer Jamie.
Espere, estava realmente agradecida? Sim. Apesar de tudo eu não estava arrependida de ter conhecido Jamie. Ele era o meu melhor amigo.
Me lembrei de uma das primeiras vezes em que me senti desajustada na escola. Eu mal tinha entrado, e já estava inscrita no time de futebol, dado que sempre demonstrei interesse em esportes, era uma criança muito ativa... e estava acostumada a fazer atividades ao ar livre, muitas vezes atividades que exigiam esforço físico. Estávamos no treino. Da arquibancada, Amy, com o cabelo preso em um rabo de cavalo (como eu deveria estar mas insistia em usar o cabelo solto, mas nunca comprido), me assistia. Na tentativa de fazer um gol, fui driblada e acabei tropeçando e caindo direto na grama, soltando um breve ruído. O treinador apitou. Hora do intervalo.
Além de raladas nos braços e nos joelhos, não havia me machucado. O treinador se aproximou e me perguntou se eu estava bem, pronunciando o meu nome errado, como de costume.
– Sim – respondi, enquanto me levantava. Ele não me ajudou a me levantar, assim como nenhum dos meus companheiros. Quando percebi, Amy já corria na minha direção. Mantendo o olhar baixo, tirei a blusa e a lancei sobre a grama como se fosse um trapo. O verão estava próximo, e eu detestava a sensação de ter aquele tecido molhado de suor colado ao meu corpo. Não entendia por que tínhamos de usar uniforme. Amy se abaixou diante de mim e segurou as minhas mãos.
– Satsuki, você está bem? Se machucou?
Apesar de eu aparentar estar bem, isso não a impediu de ficar alterada.
– Estou muito bem, mãe – garanti. – Sério.
Sem soltar as minhas mãos, Amy desviou o olhar por um instante e olhou em volta. Quando seus olhos encontraram os meus novamente, aproveitei para fazer a pergunta.
– Mãe?
– Sim, querida?
– Eu sou estranha?
Amy apertou minhas mãos.
– É claro que não querida, de onde tirou essa ideia?
– As pessoas falam.
– Veja – disse ela, sem precisar pensar muito na resposta. – Não acho você estranha para nada, acho você muito especial. As pessoas que dizem isso, elas não te conhecem. Mas quer saber... não há nada de errado em ser original. Muito pelo contrário. Ser original é o que te faz ser especial, Satsuki. Então, você não é estranha. Você é...
– Original.
Ela sorriu.
– Exato. Agora... – Ela olhou em volta de novo, o que me fez olhar também. Algumas pessoas nos encaravam de forma estranha, algumas crianças riam. Amy voltou a olhar para mim.
– Vou pedir que não tire mais o seu uniforme – completou. – Há certas coisas que te convém fazer igual às outras crianças. Digo, meninas. Conversamos mais em casa.
– Ok – concordei.
Para a minha surpresa, após uma outra aula de apoio, Steven de novo se foi sem me oferecer carona. Fiquei na calçada observando-o afastar-se enquanto caminhava em direção ao seu Audi preto. Vim prevenida, com um casaco mais grosso, e embora estivesse menos frio do que da última vez, ainda estava frio e cheguei a tremer algumas vezes. Do outro lado da rua, sentado sobre a calçada, um mendigo me encarava.
– Ei, menina! Você não tem um carro? – gritou.
Baixei o olhar e então virei de costas para pegar o celular e telefonar para Amy. Cerca de vinte minutos depois, lá estava ela indignada por me encontrar sozinha esperando no frio tarde da noite.
– Já chega. É a última vez que você vai nessa aula de recuperação.
Fechei a porta do carro.
– Não é recuperação, é apoio – corrigi.
Amy colocou as mãos no volante e se preparou para dar a partida.
– Certo. Você não teria como pegar recuperação. Não de matemática. Não sei por quê quer participar disso, Satsuki, você não precisa, nunca precisou...
– É por isso que não fico de recuperação – defendi. Mas ela não cedeu.
– Não. Se você tem notas boas é porque você estuda e faz a lição... e tem facilidade.
– Mãe, qual é, as aulas de apoio ajudam muito. O Sr. Colin é um excelente professor – insisti.
– Eu sei que ele é, querida, mas não gosto desses horários. E ele já te levou para casa algumas vezes, não entendo por quê de repente não te leva mais...
E nem eu.
Dei uma mexida na minha orelha, que parecia ter congelado, e me lembrei de que tinha a orelha furada (Amy me convenceu a furar as orelhas quando tinha quatorze) mas não tinha muito o costume de usar brincos.
Me lembrei da vez em que meu pai biológico me confiou com um de seus diamantes – nunca vi os outros, mas imagino eu que em algum lugar ele escondia mais. Eu estava interagindo com algumas borboletas, azuis e pequenas, quando ele me chamou. Me virei e ele se aproximou.
– Satsuki. Quero te mostrar uma coisa.
Meu pai tinha um pano encardido entre as mãos. Abrindo-o, vejo uma pedra pequena e brilhante, que eu nunca tinha visto antes.
– Depois de você, esse é o meu bem mais precioso. Agora, vou te dar uma missão. Quero que cuide dele para mim enquanto eu estiver fora. Cuide como se fosse seu... tudo bem, garotinha?
Peguei a pedra e a analisei.
– É bonita, pai.
– É por isso que deve ficar com ela. Mantenha-a perto de você quando dormir, para que possa ter bons sonhos. Feito?
Sorri e assenti com a cabeça.
– Feito.
Ele pões a mão sobre o meu rosto.
– Essa é a minha menina.
Como meu pai me pediu, cuidei daquela pedra como se fosse minha. Ele ficou muito feliz quando voltou e eu estava com ela nas mãos quando vim correndo recebê-lo. Depois disso, não a vi mais.
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