Luz da Noite -12
Não foi a primeira vez que participei de uma aula de apoio. Nas duas vezes em que participei, ambas terminaram quando o céu já estava escuro pois elas eram noturnas e na última, consegui que Steven me desse uma carona para casa. Ele morava no Centro e para ele não era caminho... mas mesmo assim me levou. A ideia de ficar a sós com ele em um carro durante vários minutos, me apavorou. Porém, sabia que se quiséssemos começar a estabelecer algum vínculo, aquele era o caminho. Precisávamos vivenciar coisas fora da sala de aula e uma simples carona já era um começo.
Na verdade, o que mais me apavorava não era a simples ideia de estar a sós com ele dentro de um carro... o que mais me causava temor era a possibilidade do silêncio. Por isso, antes mesmo de pedir a carona, me preveni, pensando em assuntos – fossem eles interessantes ou não, o mais importante era evitar ficar sem assunto nenhum.
As coisas não saíram exatamente da forma como planejei. Não consegui pensar em muitos assuntos e era difícil conversar com ele, justamente porque ele não era de falar muito. E, o que mais tornou a conversa no carro um fiasco total... foi que realmente não me ocorreram assuntos interessantes. Como não tínhamos intimidade, não me sentia no direito de fazer muitas perguntas sobre sua vida pessoal. Contar sobre a minha eu podia... mas também dependia do contexto, da oportunidade, não podiam ser frases jogadas. Quando entramos no carro, me perguntei se seria ele a iniciar a conversa... como eu havia imaginado, é claro que não. Tomei a iniciativa e comentei sobre como era diferente o fato de eu estar saindo do colégio à noite.
Menos interessante impossível. O que veio depois? Comentei sobre como era bom o fato de ele estar disposto a dar aquelas aulas de apoio e como elas estavam sendo de grande ajuda.
De novo, outra mancada. Era bom o fato de eu o estar elogiando, sim... mas não era um assunto interessante e muito menos que tinha tendência a se alongar. E o segredo para não ficarmos no silêncio era esse, alongar.
O que veio depois? Só faltava falarmos do clima. Nervosa, fiquei pensando no que poderia dizer em seguida e o silêncio, por alguns segundos, foi inevitável. Fiquei aliviada quando ele cortou, me perguntando se o caminho que ele estava fazendo direção à minha casa estava mesmo certo. E quando me dei conta, já estávamos na minha rua. Agradeci e nos despedimos com um rápido e sem graça beijo na bochecha... dado por mim, e era isso que o tornava tão sem graça. Entrei chateada e ao mesmo tempo, ainda sentindo um certo frio na barriga.
Mais tarde, tive mais um flashback. Fazia um pouco mais de um ano desde a minha chegada e Amy estava me colocando para dormir. Era uma noite quente, como muitas.
– Mãe.
– Sim, querida?
- As pessoas do orfanato disseram que não acreditavam em mim quando eu contei que tinha vivido na selva. – Esperei um pouco e então continuei: – É verdade.
Sorrindo, Amy balançou a cabeça.
– Eu sei, Satsuki. Se você diz então é.
Eu precisava saber mais sobre a vida dele assim como ele precisava saber mais sobre a minha. O que ele sabia? Que eu era adotada, que tinha quatro irmãos, que meus pais tinham uma empresa de alimentos... e só. O básico, o que todos os professores sabiam. Comentei sobre isso em uma sessão com Vivianne.
– Me diga, Satsuki. Por quê você acha que as coisas que ele já sabe sobre você não são... suficientes?
– Porque não dizem nada sobre mim. Digo, não são aprofundadas. Eu só... eu só queria que tivéssemos a oportunidade de nos sentarmos e conversarmos, como duas pessoas. Não como... como aluna e professor. Mas não consigo imaginar isso. Assim como não consigo imaginar ele chegando e me cumprimentando a fim de começar uma conversa. Eu ficaria... nervosa. Se ele chegasse e dissesse "Oi, tudo bem", eu ficaria tipo "O que eu respondo? Bem, e você?" Não saberia o que dizer.
– Por que não deixa ele falar? Por quê tem que ser sempre você a falar? – apontou Vivianne.
Eu me fazia essa pergunta o tempo todo. Seria maravilhoso se Steven fosse o tipo de pessoa que adorava conversar... mas não era.
– Ele não fala. Ele não fala comigo a não ser que eu fale primeiro. Eu... já te contei isso.
– Sim... você deve ter mencionado.
– Sim. Hã...Viv...
– Satsuki, por favor. É Vivianne. Certamente eu já disse isso antes.
Mordi a boca por dentro. Quanto tempo ainda faltava? Deveria começar a usar relógio. O lado bom de Vivianne era que britânicos eram pontuais, ou seja, jamais passávamos da hora.
Tentei fazer um cálculo mental de quanto tempo fazia que havíamos começado. Não faltava mais muito... ufa.
Fui à mais uma aula de apoio. Outra oportunidade para voltar de carona com Steven, e imaginar o momento me deixava nervosa. Era o mesmo drama: ficar sozinha com ele durante alguns minutos e precisar preencher esses minutos com assuntos interessantes... ou simplesmente assuntos. O importante era evitar o silêncio. O que também me deixava um tanto ansiosa era o momento de pedir a carona. Eu não gostava de pedir favores, talvez porque aprendi a ser independente desde cedo. Mas não podia perder a oportunidade de estabelecer uma conexão mais profunda com Steven e além do mais, independente de a carona ser ou não com ele... sabia que era conveniente para John e Amy, que já tinham coisas suficientes para fazer, isso depois de um dia longo de trabalho. Claro, poderiam pedir para Hudson me buscar... mas por quê encarar a cara feia do meu irmão vindo me buscar se podia ao invés disso pegar carona com o meu príncipe encantado?
Tudo bem, isso foi brega. Mas era mais ou menos a forma como eu via Steven.
A aula terminou, esperei todos irem embora. Ficou combinado, na verdade, que Hudson viria me buscar caso eu não voltasse com Steven. Fiquei de mandar uma mensagem para Amy avisando. Porém, antes de eu mandar a mensagem, ela me mandou uma me consultando. Quis esperar um pouco para responder, pois ainda não sabia.
Decidi no fim não pedir a carona. Primeiro porque realmente não gostava de pedir coisas, muito menos para Steven... e segundo porque não achei que precisaria. Ele seria um cavalheiro e me ofereceria.
Estou esperando na portaria encolhida de frio, com os lábios entreabertos e vendo o ar quente sair entre eles. Não tem nenhuma sala onde posso entrar e tentar me aquecer. Steven conversou com o porteiro por cerca de um minuto e então se despediu de mim educadamente e se foi. Fiquei cerca de meia hora esperando Hudson, em pé na calçada com os braços ao redor do corpo, tremendo que nem vara verde. Dois dias depois, acordei com dor de garganta.
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