Luz da Noite -10
Jamie ficou surpreso quando lhe disse que havia contado à Vivianne sobre Steven... algo que eu estava determinada a não revelar. Minha justificativa foi que ela simplesmente arrancou as palavras da minha boca. Para a minha surpresa, ela não me julgou. Ela me escutou. Parecia, pelo menos no momento, mais interessada em me escutar do que me dar conselhos sobre como lidar com a situação. Imagino que essa seria a próxima etapa. Dizia Jamie que se contei à Vivianne, era só uma questão de tempo para que contasse a mais alguém... e ele tinha razão. Era final de tarde de uma quinta-feira e eu estava na cozinha com Amy. Melody estava em sua cadeirinha e Amy lhe dava – ou tentava dar – o jantar. Liv estava sentada na cadeira da bancada, fazendo desenhos em uma folha com lápis coloridos. Eu já havia acabado de fazer a lição de casa e estava em pé, com os cotovelos apoiados na bancada vendo Amy de costas dando de comer para Melody. Hudson estava no treino e só chegaria de noite. Jacop tirava um cochilo no quarto. John estava no trabalho. Estávamos em um clima descontraído, Amy estava distraída... mas na verdade não pensei muito antes de falar. De repente, as palavras pularam da minha boca quebrando o silêncio.
– Estou gostando de um menino na escola.
Quê? O que foi isso? Gostando... de um... menino? Queria que as palavras voltassem e fossem ditas da forma certa. Mas pensando bem... talvez fosse uma boa ideia distorcer um pouco a história. Amy virou a cabeça para mim, com uma emoção contida, uma emoção que não pude bem decifrar.
– Satsuki...
– Eu sei, eu sei. Desculpe não ter contado antes. Faz só umas semanas – falei, encolhendo os ombros.
Segunda mentira. Já fazia meses. Primeira: Steven estava longe de poder ser chamado de menino.
Amy já não estava interessada em terminar de dar a comida para o bebê. Deixou a tigela com a colher sobre a bancada e se virou para mim. A única que não abandonou sua atividade foi Liv, jovem demais para entender ou se interessar pelo assunto.
– Quem é ele? – jogou Amy. Parecia haver um tipo de desagrado em sua voz que ela tentava esconder. Meu rosto corou.
– Ele... o nome dele é Steven.
– Seu professor de matemática? Você está gostando do seu professor de matemática? Agora, Amy já não se esforçava em esconder nada, seu tom era de total desagrado e repreensão... o que me incentivou a continuar. Soltei uma risada nervosa, como se fosse a ideia mais absurda do mundo.
– Não! Não, é outro Steven. Você não conhece, ele é... novo.
Pude notar um traço de alívio na expressão de Amy, parecendo que havia engolido.
– Ah. Bom, eu gosto do nome – disse, e até chegou a esboçar um sorriso praticamente imperceptível. – Me conte... me conte mais, você nunca mencionou que... que você tinha um colega novo chamado Steven.
– Porque ele não é um colega – afirmei. – Ele... é de uma serie acima.
– Ok. E...
Antes que Amy pudesse continuar com o interrogatório, Melody começou a reclamar, exigindo sua atenção. E não muito depois, escuto a porta da frente se abrindo. Liv correu para cumprimentar John. Alegre, ele a pegou no colo.
– Oi, pai – falei.
– Oi, querida. – Ele me deu um beijo na cabeça, e então foi cumprimentar Amy. Ela olhou para mim e falou baixo.
– Depois conversamos.
– Sobre o que conversavam? – quis saber John, colocando Liv de volta no chão. Percebi que a pergunta foi totalmente inocente e com as melhores das intenções – John era um pai e um marido amoroso e se preocupava com cada detalhe relacionado à família. Amy também o percebeu e respondeu de acordo.
– Assunto de garotas.
– Eu também quero saber – disse Liv, surpreendendo-me. Minha irmã era precoce como eu era? Amy a olhou por um instante e então voltou sua atenção à John.
– Assunto de garotas crescidas.
John deu um leve sorriso e se virou para mim.
– Satsuki, vou fazer hambúrguer hoje à noite. Quer me ajudar?
Esboçando um sorriso, balancei a cabeça, dizendo que sim.
– Já fez a lição?
Assenti outra vez. Me sentia aliviada. Salva pelo gongo.
Naquela noite, antes de dormir, tive um flashback. Eu estava de volta à selva com o meu pai. Escondidos entre as plantas e agachados, observávamos, de longe, um leopardo caminhando e saltando de rocha em rocha à caminho de uma cachoeira.
– Veja a forma como se move – sussurrava ele. – Cauteloso e sorrateiro... apesar de todo o poder que tem, em uma única garra. E então, ele se virou para mim, me olhando nos olhos. Como sempre, escutei com atenção.
– Siga-o, Satsuki. Seja confiante mas jamais baixe a guarda. É preciso que haja um equilíbrio...
O motivo de eu ter compartilhado (mais ou menos) o meu segredo com Amy foi porque sentia que cada vez mais tinha a necessidade de compartilhá-lo. Saber que não estou sozinha, que tem alguém ali me apoiando e me dando conselhos... o que Jamie fazia, mas cada vez menos, e era essa a questão. Não era todo dia que eu conseguia falar com ele e às vezes, ele demorava horas e até mesmo dias para me dar uma resposta. Às vezes, sumia durante dias sem dar nenhuma explicação. Suas justificativas eram que estava deprimido, que quando se sentia assim, se isolava de tudo e de todos... ou, porque estava muito ocupado ou porque estava com Jessica, uma desculpa que para mim soava cada vez menos tolerante. Na minha opinião, um relacionamento amoroso não deve ser colocado na frente de uma amizade e vice-versa. É preciso que haja um equilíbrio. Sobre a possibilidade de Jessica ficar com ciúmes... ela precisa entender que somos amigos. Ela sabe. Sobre se isolar por estar deprimido, me custava aceitar isso. Tentava explicá-lo que se isolar torna tudo pior, que nessas horas, ele precisava do apoio da família e dos amigos mais do que nunca.
Ele nunca me escutou.
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