Luz da Noite - 1
À caminho da minha primeira sessão de terapia, imaginei que Vivianne começaria me pedindo para contar-lhe um pouco sobre mim, sobre o meu passado.
Não mencionaria que sou adotada. Isso ela já sabia. Mas como fui adotada, o que me levou a ir da África para a América, tornando-me Satsuki Marie Hampton? Amy – ou mãe, como deveria chamá-la – dizia que apreciava o fato de eu ser uma união de três culturas: americana, africana e japonesa. Americana porque meus pais biológicos eram americanos e porque fui adotada por uma família americana. Africana porque nasci na África. Japonesa porque tinha um nome japonês – escolhido pelos meus pais biológicos, que meus pais adotivos fizeram questão de manter. Claro que Amy também dizia que eu tinha uma parte polaca, por conta de minha palidez excessiva, meu cabelo louro excessivamente claro e liso, minhas sardas e meus olhos azuis.
A primeira vez que papai (não podia lembrar o nome dele por mais que quisesse e o de mamãe tampouco) viajou ao continente africano foi em 1986, acompanhado da esposa. O que era para ser uma longa viagem a turismo terminou sendo um pesadelo. Mamãe foi vítima de um ato violento pouco após o meu nascimento, e desde então fomos só meu pai e eu. Nunca saberei o que o levou a querer se estabelecer no continente e em condições de total isolamento, assim como não sabia – ou não me lembrava – qual parte da África havíamos nos estabelecido exatamente. Depois que mamãe morreu, meu pai e eu fomos viver na selva.
Sim, soava uma loucura total um pai viúvo querer levar a filha pequena para viver no meio da mata africana... papai era louco, aparentemente. Ou simplesmente alguém que gostava de aventura e natureza, tendo o desejo de conviver com ela direta e diariamente. Ou talvez estivesse fugindo de algo. Jamais vou saber. Nunca me disse especificamente o motivo de estarmos indo viver na selva totalmente isolados de tudo e de todos, apenas disse que estava fazendo "o que era o melhor para mim" e que íamos apenas "passar um tempo longe". Para mim, naquela idade, aquilo bastava. Uma coisa era certa: viver na selva, literalmente como uma criança selvagem, me ensinou coisas que nunca teria aprendido se tivesse retornado. Papai sempre dizia para respeitarmos a natureza se quiséssemos que ela nos respeitasse. Pelo que me lembrava, passava o dia inteiro brincando entre os cipós, tomando banho de cachoeira, comendo frutas e interagindo com os animais que se aproximavam. Admirava a grandeza dos elefantes, os gigantes da selva. Uma vez, papai me deu de presente um pedaço de uma presa. De acordo com ele, ele não a havia roubado, mas encontrado. Porque tínhamos tamanho amor e respeito pela natureza, tentávamos nos alimentar com carne o menos possível. E ao menos duas vezes por mês, depois que completei seis anos, papai deixava a selva para ir à cidade e voltava com um monte de suplementos e inclusive livros. Ele não ia deixar de me dar uma educação, mas claro, do modo dele. Com seis anos já sabia ler, escrever e fazer contas básicas. Quando ele ia embora... ele dizia que ia "trabalhar". Nunca me deixou ir com ele pois dizia que era perigoso e que eu ia me entediar. Obviamente sempre existia a possibilidade de ele voltar do "trabalho" e não me encontrar mais lá. Entretanto, de acordo com ele, era mais seguro para mim ficar sozinha na selva por alguns dias do que acompanhá-lo. Além do mais, graças a esse estilo de vida, havia aprendido a me virar da melhor maneira que uma criança tinha capacidade. Um dia, papai me deu a notícia de que havia comprado um apartamento em Freetown, na Serra Leoa, e desconfiei que este devia ser o lugar para onde tanto ia e resultou que sim. Me levou para conhecer só muito tempo depois. Lá, uma senhora nos esperava, contente e amável. Por mais que tente, não consigo me lembrar de quem era ou de seu nome. Talvez era simplesmente uma amiga, ou namorada. Me lembro de que ela tinha o rosto mais bonito que eu já tinha visto.
Nunca mais a vi depois daquele dia. A última vez que vi o meu pai, foi um dia após o meu aniversário de oito anos, no dia 9 de abril de 1994. Eu não estava na selva, senão na cidade. Naquele dia, acordei com um sonho. Estou dormindo em uma superfície de palha, as mãos juntas, que me serviam como travesseiro. Abro os olhos e olho para uma janela de vidro. O vidro está embaçado. Mantenho o olhar no mesmo, até que me levanto e me aproximo. Me agacho e uso o dedo indicador para desenhar um sol.
Mais tarde, convenci o meu pai a me levar junto para o trabalho pela primeira vez, considerando que ele disse que ia apenas fazer uma entrega rápida... gostaria de não ter convencido.
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