004
— O que será que houve com ela? — Estherine mantinha o olhar de desespero enquanto encarava Bellet.
— Agnara sabe se virar, e ela retornou porque quis.
— Mas, Bellet, ela é filha da nossa irmã primogênita. É a terça parte do nosso clã. Devemos protegê-la. Está chegando o momento de a profecia se cumprir. Sem Agnara, nós não conseguiremos realizar o último sacrifício.
— Daremos um jeito. — Bellet olhou para trás antes de encarar a caverna onde deixava os seus pertences proibidos antes de ir para casa. — Vamos. Não podemos nos arriscar aqui.
As duas embrenharam-se entre as três rochas e desapareceram na escuridão. Estherine mantivera o temor em seu nível mais alto, não gostava de imaginar as milhares de coisas que poderiam fazer a Kiara, caso descobrissem sobre os rituais sequenciais que comandavam nos últimos dias.
Enquanto isso, perto dali, Agnara olhava para os lados, aflita. A qualquer momento, o restante dos homens poderia voltar, carregando suas tias pelos braços, arrastando-as feito animais selvagens, ou talvez trouxessem apenas suas cabeças decepadas, penduradas pelos cabelos, suspensas no ar, despejando os miolos cobertos de sangue pelo caminho.
— Isso é... pele — disse o homem ao passar os dedos calejados pelo relevo peculiar que encapava as folhas. — Elas fizeram algo a você? — questionou com preocupação, voltando a face para Agnara, que permanecia escorada em um tronco, abraçando o próprio corpo.
— Não, eu as vi e me escondi.
— E por que estava correndo? — continuou a questionar, enquanto tentava compreender as primeiras palavras, sem muito sucesso.
Agnara contraiu a face e soltou um urro de dor, abaixou o corpo e voltou a pôr a mão sobre o local afetado pela pancada.
— Calma. — O rapaz fechou o livro, abandonando as correntes no chão, e correu até ela. — Vamos, irei levá-la até Maat. O conhece, não é?
— O curandeiro do outro lado da ilha?
— Isso. Onde você mora?
— Nas cabanas... perto da plantação.
— Claro. Por isso eu não sei quem você é — ele disse.
Os grupos viviam afastados, apenas os trabalhadores se conheciam, pois trocavam o produto final de sua labuta uns com os outros, a fim de que todos pudessem sobreviver.
— Vamos. — Ele passou o braço pela cintura fina da garota e ela apoiou-se nos ombros dele para se sustentar.
— Kristofer! — chamou uma voz cansada, antes mesmo do corpo enfadado aparecer entre as árvores.
— Encontraram? — perguntou ele, enquanto observava os demais chegarem, também correndo.
— Nada. Desapareceram — respondeu o amigo.
— Espalhem-se pela floresta. Vejam se acham alguma coisa — ordenou Kristofer. — Eu vou levar a moça até Maat.
— Claro. Mais alguma coisa?
— Venha até aqui, Freja — o rapaz o chamou. — Pegue isto — Estendeu o livro a ele, enquanto segurava a garota com o braço oposto —, leve ao Guia. Diga as condições em que o encontramos e o alerte para que tenha cuidado. Não sabemos o que é.
— Fique tranquilo. Vou avisar.
— Quando acabarem, procurem-me na casa de Maat — Kristofer reforçou. — Sejam prudentes.
Freja assentiu e observou enquanto o amigo se afastava, carregando a jovem moça.
— Vocês ouviram! — bradou aos demais. — Separem-se e procurem em todos os cantos. — Ele olhou para o ritual montado ao lado e sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha. Era quase como se a morte o abraçasse, não tardou em afastar-se daquele lugar.
— O chá está muito saboroso, querida — disse Maat, levando mais um gole aos lábios.
Aleyna permanecia com os olhos fixos no nada, era como se estivesse presa dentro do próprio corpo.
— Minha filha. — O homem abandonou o recipiente sobre a mesa e cruzou os braços, olhando diretamente para ela.
— O que foi, papai? — perguntou ela.
— Diga a verdade sobre o que está acontecendo. Eu conheço você. — O senhor, de barba avantajada e cabelos claros, semicerrou as pálpebras e tombou a cabeça para o lado.
Aleyna sabia que, sempre que o pai fazia aquele gesto, significava que ele estava ali para atendê-la, para prestar atenção em suas palavras e ouvir os seus lamentos, sejam quais fossem.
— É que... — Ela molhou os lábios e piscou algumas vezes. — Eu não sei bem o que é. Papai, o senhor acredita no que dizem sobre as filhas de Malthus?
Maat balançou a cabeça negativamente, como se reprovasse a fala de Aleyna.
— Eu já disse para não pronunciar esse nome, Aleyna.
— Eu sei, papai. Mas o senhor nunca me disse o motivo. Eu sei que Ma... ele, não é um espírito bondoso. Exatamente por isso eu queria que me dissesse o que o sabe, para que eu possa fortalecer minha fé e afastar as pessoas desse ser.
— Aleyna, quanto menos souber sobre Malthus, melhor será. Um dia ainda irá me agradecer por não te dizer.
— Mas quem é? Ele é um demônio? — inquiriu.
— Sem mais perguntas, Aleyna. Desde que sua mãe morreu, eu jurei que não pronunciaria mais o nome desta besta.
— Pai, por favor, eu só quero que me di...
— O conde do inferno! — bramou com raiva.
— Co-como assim? O que ele tem a ver com a morte da mamãe?
— Chega desse assunto. — Maat se levantou. — Vá limpar o quarto de cura, eu vou sair para colher algumas ervas.
Ela segurou no braço do pai antes que ele saísse e o encarou com os olhos marejados.
— Me perdoe.
— Existem coisas, minha filha, que não devem ser remexidas. Acredite, quando eu digo que você não deve saber, é porque eu quero protegê-la.
Aleyna sentiu a saliva descer cortando sua garganta, como espinhos afiados que lhe rasgavam os tecidos internos. Ela assentiu e soltou o braço do pai, devagar, como se não quisesse separar-se dele. Sentia confiança e segurança enquanto ele estava por perto.
— MAAT!
A voz vinha de fora do lugar, parecia aflita.
Pai e filha se entreolharam antes de correrem cômodo afora.
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