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XX. Criador e Criatura

 — Precisa tomar cuidado com esses moleques por aí! — Jonathan tentava me aconselhar. — Tem muita gente estranha vindo... fica difícil garantir que ninguém te faça mal.

Do dia que virei moça ao Carnaval seguinte foram cerca de seis meses. Aline e eu estávamos ansiosas para sair, claro; a mãe nos deixou passear pelo bairro, contanto que tivéssemos os devidos cuidados, atentas às devidas precauções.

Aline já começava a se interessar por garotos e também recebia esse interesse de volta, afinal, seu corpo já se desenvolvera muito — provavelmente pela vida sexual precoce.

Ela já trocara beijos com meninos no colégio e Jonathan ficava de cabelo em pé porque ele não queria que eu o fizesse.

Particularmente, eu não tinha interesse em meninos ainda. Mesmo que visse um ou outro diferentemente, não era forte o suficiente para eu conseguir me imaginar trocando salivas.

Era o último dia de Carnaval e Aline me esperava no portão. A mãe estava na cozinha e eu estava emocionalmente chacoalhada pelos hormônios.

— Pode deixar. Vou me cuidar! — assenti com a cabeça.

— Não é só se cuidar. Aline está se agarrando por aí com outros e isso não é bom, tem muito moleque safado por aí! Precisando de ajuda, procura qualquer um dos moleques que desço na hora, entendeu!?

— Eu já disse que tá tudo bem! O senhor já disse o que tenho que fazer várias vezes, pai! Confia em mim — retruquei.

Falei um pouco alto, mas nem foi isso que me silenciou.

Com certeza não foi pela malcriação que eu o vi perder o ar com lágrimas no olhar. Uma lágrima mais atrevida imediatamente pulou para fora e ele também estava paralisado.

O som de um copo quebrando na cozinha me assustou.

— D-desculpa! — Abaixei a cabeça. — E-eu-

Não consegui terminar de falar — era impossível saber o que foi mais complicado: gritar com ele ou chamá-lo pai... na minha cabeça, foi a maior das gafes que já cometi.

Como qualquer adolescente, corri para o quarto. Não demorou para Aline chegar correndo para me acudir.

Eu não estava triste, nem queria chorar... só não sabia onde enfiar minha cara — nessa idade, a vergonha se assemelha a um maldito e poderoso kaiju!

Acabamos cancelando nossos planos e eu fiquei escondida no quarto. Aline foi quem se juntou a mãe para ajudar com as coisas de casa no meu lugar porque nem me restavam forças.

— Meu amor... — A mãe me chamou, sabe-se lá após quanto tempo fiquei recolhida no quarto.

— Não! — Foi o que falei com meu tom mais manhoso.

Consegui ouvi-la fechar a porta e seus passos em minha direção, o que me fez virar de costas, ficando ainda mais envergonhada.

Na minha mente só ecoava que, por chamá-lo pai, eu obrigatoriamente deixava meu intuito de casá-los mais claro — e isso me causava mais vergonha do que é justificável!

— Não, o quê, vida!? — Ela sentou ao meu lado.

— Não quero conversar!

— Tem certeza? Posso realmente te deixar no quarto para sempre... sabe o quanto isso seria ruim? — falou, evidenciando um tom de voz bastante temeroso.

Sim, eu tomei como verdade!

Virei-me em sua direção, escandalizada por ela cogitar aquilo. Os malditos hormônios me cochicharam que ela não me amava e nunca amou — simplesmente terrível!

Confusa com os ataques do corpo contra si mesmo, nada falei, mas comecei a chorar copiosamente.

— Meu amor, o que há!? — Ela me perguntou, incapaz de omitir algumas risadas.

— A senhora 'tá rindo, mãe!

A choradeira aumentou, o que não foi nem um pouco favorável, afinal, aí mesmo que ela caiu na risada, me fazendo sentir pior, num primeiro momento, mas me contagiou.

Resultado: ri e chorei em simultâneo!

— Lembra do que sua mãe já disse? — Ela me falou.

— A senhora não disse que seria tão ruim! — reclamei.

— É impossível medir, minha linda, mas, como falei, é uma das piores e melhores coisas da vida. Pior porque é confuso, até doloroso; melhor porque te permitirá estar aqui, no meu lugar, um dia — falou num tom mais meigo e acolhedor.

Ela estendeu os braços e aceitei o colo — subitamente, eu estava fazendo as pazes por uma briga que nunca nem ocorreu.

— O que aconteceu com Jonathan, quer me falar? — Ela me perguntou após um longo período de silêncio.

— N-nada. — Encolhi-me ainda mais em seus braços, numa vã tentativa de fugir do assunto.

— Nada, senhorita Luma? — insistiu.

— Desculpa... não queria chamar ele-

Interrompi-me, antes de repetir a gafe.

— Ele é maravilhoso com você... Fez sua mãe morder a língua porque nunca acreditei que ele poderia ser um bom pai! — falou, acariciando meus cabelos. — O garoto sem futuro... a vida é bem pequena e gosta de dar uns tapas na nossa cara.

— A senhora sabe que eu queria que ficassem juntos.

Fiz tal confissão, sem nem olhá-la.

— Se o pai foi rei... não seria ruim Jonathan ser também.

A mãe respirou fundo e soltou o ar dos pulmões de forma bem audível, recostou-se na cama, sem cessar a carícia.

— Esse é um desejo auspicioso, meu amor — riu.

— Se não posso fazer quem gosto feliz, não posso ser feliz, mãe. A senhora ensinou! — Olhei para ela, me ajeitando. — Nem lembro da primeira vez que percebi como ele te olha, mas faz tanto tempo! O pai nunca te olhou assim.

— Ah, Luma! — Ela riu em negativa, olhando para o alto.

— Se ele me faz tão bem, me tratando como princesa... porque a senhora não deixa ele te tratar como rainha?

— É muito complicado, vida.

— Por que ser feliz tem que ser complicado?

— Sua mãe realmente não sabe. — Finalmente, me fitou com seu olhar marejado. — Juro pensar sobre, tudo bem?

— Não precisa jurar. Se não o imagina ao seu lado, não precisa fazer por mim... mas, não pode só pensar que eu sou sua felicidade. Tenho certeza que tem mais coisas!

— Sua mãe não te ensinou isso — riu. — Claro que você é o meu único motivo de sorrir...

— Alguém falou ou li que a rainha veste uma moça e pode sorrir enquanto a moça chora. Quero ser feliz com a rainha e a moça... mas, não consigo ver além da rainha.

Uma inusitada lágrima caiu, tocando minha testa.

— Desculpa tentar planejar sem falar nada — pedi.

Completando a montanha-russa emocional, chegou a culpa — sentia ter traído a confiança da mãe e isso foi péssimo!

— É, minha pequena Luma. É uma difícil demais.

Ela respirou fundo, tentando lidar com o próprio pranto, que se arrastou por alguns minutos, contudo, parecia ter um botão de desligar, que ela usou para interrompê-lo.

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