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XIX. Velha Infância

 — Não precisa se desculpar. Sua tia apenas brincou! — A mãe explicou para Biel, sorrindo.

A forma que Biel pediu desculpa, pareceu amedrontada.

— Não sou bom com brincadeiras... desculpa, tia.

— Você é muito meigo — elogiou, servindo o suco para entregá-lo. — Já que não consegue tirar os olhos de Aline, pode fazer seus votos de amizade também... o que acha?

— P-posso!? — Ele perguntou, assoberbado.

A mãe indagou Aline com o olhar.

— Pode, 'ué! — Aline deu de ombros.

O menino ficou sem jeito, pensando se levantava ou não, Aline tomou a frente e puxou seu braço, ajudando-o a ficar de pé — bastante truculento e extrovertido, como era habitual.

A mãe correu no carro e pegou mais uma pulseira, usou das mesmas palavras e pediu os votos de Biel.

— Por enquanto, dou esse presente. — O menino fitou os olhos de Aline. — Quando a gente crescer, casarei com você! Muitos dizem que não sei o que é, mas sei! Realmente te amo e não quero só sua amizade... desde sempre... e conseguirei.

Os olhos de Biel encheram de lágrima, o que acabou comovendo todas as meninas — até os desconhecidos que estavam perto se derreteram.

— Quero cuidar de você... para sempre! Se existe um motivo para eu ter nascido, sofrido tanto e resistido, eu descobri esse motivo quando te conheci.

Seu pranto intensificou e ele parecia forçar para falar.

— Agora, a gente é criança — riu —, mas casarei com você, Aline. Prometo e espero que um dia aceite. Se não aceitar, será bem triste, mas ainda viverei para cuidar de você.

Como um pequeno malandro, pegou a mão de Aline para beijar, cruzando as pernas e abaixando para cumprimentar. Quase muito adulto para sua idade — talvez uma consequência do precoce amadurecimento que a vida lhe impôs.

Findado o exótico momento mais bonito que vi na infância, a mãe concluiu a cerimônia que acabou carregada com sentimentos bem diferentes dos iniciais.

— Val, quer participar? — A mãe lhe sorriu.

— Jamais farei igual, tia! — Valéria riu.

Aline nem tinha onde enfiar a cara!

A maior prova que ele realmente a comoveu foi fazê-la ficar completamente imóvel, muda, por alguns longos minutos.

Agora, eu tinha uma nova missão impossível para um futuro distante: Gabriel e Aline.

***

O dia na praia foi mais que um sucesso!

Se há uma habilidade mágica, ela chama limpeza. Ele pode tirar parte do peso de nossos ombros, bastando um mergulho — e todos, exceto Jonathan, usufruímos do mar.

Passado esse dia, talvez por todo o trabalho da mãe com a costura ou pela preocupação com Aline e eu, Jonathan se tornou muito mais presente em casa.

Às vezes, por convite da mãe, ou meu, ficava à noite — quando não tinha trabalho. Particularmente, eu apreciava sua presença e até posso dizer que ele me fazia sentir mais segura.

Após o ocorrido com Aline, ele estava muito preocupado comigo e deixou isso evidente, conversava mais comigo até sobre garotos, sempre perguntando como me tratavam.

Minha percepção já começava a se ater a olheiros.

Houve um ponto em que fiquei muito estressada com tamanha preocupação, não mentirei, mas eu ainda tentava respondê-lo e entender seus motivos.

Aos nove, eu chegava na "aborrescência" — pior momento da vida de qualquer ser humano onde você não é um adolescente, mas já é infernizado pelos demônios da idade.

Aos dez, num fim de semana, Aline e eu estudávamos no quarto quando meu short foi manchado — felizmente, o destino me poupou de passar por esse constrangimento em público.

— Estamos crescendo! — Foi o que a mãe disse para me alertar, levantando-se para me ajudar, afinal, imediatamente eu não entendi o comentário até ver a mancha.

— Ai, amor... os pêsames! — Foi o comentário de Aline.

A mãe me ajudou, já parecia preparada — e não era para menos, nos últimos dias eu estava bem cabisbaixa e não tinha uma explicação lógica para isso.

— Sente algo? Sua mãe tem remédio...

— Não sinto a tal cólica! — falei-lhe, dando de ombros. — Só um incômodo, mas nada muito forte.

— Já é cólica. Se ficar forte, fala com a mãe. Tome cuidado com a água nos próximos dias e se sentir algo, mesmo que vontade de chorar, também fala comigo — aconselhou.

— Sim, senhora. Voltamos aos estudos?

Ela assentiu com a cabeça, voltando comigo ao Sonhar, onde ficamos por mais dez minutos, já estávamos encerrando.

Aline queria ver a rua, mas eu não tinha tanto ânimo para sair, então, seguimos até o portão e eu me sentei. Valéria acabou se juntando para conversarmos.

A tarde foi tranquila até que, no cair da noite, a cólica realmente mostrou sua capacidade de incomodar.

Hm... a cara está péssima! — Aline me falou.

— 'Tá doendo... acho que vou entrar — falei.

— Busco o remédio e você deita! — Ela disse.

— O pior momento da história! — Valéria lamentou.

— Boa noite, meninas... princesa! — Jonathan chegou. — A rainha está? — perguntou, beijando minha testa.

— Sim, acho que na cozinha — falei-lhe.

— Tenho algo! — Ele sorriu. Tinha uma mochila consigo e tirou uma barra de chocolate para me entregar, era o meu preferido com amêndoas. — Trouxe o amargo para Aline — falou, tirando a outra barra e a entregando.

— Obrigada, tio! — Levantei para entrar.

— Recomendo que coma o chocolate agora, princesa. Ele pode ajudar com esse rostinho chateado — aconselhou. — Na próximo trago um para ti, Val, perdão! Realmente não esperava encontrar você aqui — sorriu-lhe, entrando em casa.

Valéria apenas deu de ombros, não gostava muito.

Fiquei intrigada com o conselho, mas decidi seguir e enquanto entrava, abri o chocolate para comer um pedaço.

Pouco descreve a mágica do chocolate, senão a palavra "milagrosa". A dor estava muito forte, então não cessou, mas o alívio mais me pareceu sobrenatural.

Segui na direção do quarto e me recostei na cabeceira com os olhos fechados, apreciando cada trechinho daquele chocolate como um verdadeiro manjar dos deuses!

Bendito seja o chocolate!

— Parece aqueles meninos estranhos — riu Aline, quando entrou no quarto com o copo d'água e o remédio.

— Essa é a melhor sensação da minha vida! — falei.

Aline apenas gargalhou.

— Trouxe o remédio e água. Ajudarei com o resto da janta enquanto a tia conversa com Jonathan...

— Tudo bem, Line. Vai lá! — sorri-lhe.

Nem precisei do remédio para conseguir dormir.

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