VII. Águas de Março
Era um mundo mais colorido, mas vivi uma manhã bem preocupada. Fui ao colégio e Aline não foi à aula.
Era bem raro Aline faltar o colégio e isso abalou minha atenção. Nada tão grave para descolorir o mundo, mas ruim.
Com a recente vitória, nada parecia poder dar errado.
Saindo, fui direto à sua casa e fui atendida por ela.
Não vestia nenhum uniforme e estava cabisbaixa.
— Line... o que houve? Adoeceu? — perguntei.
— Se fosse doença seria melhor, amiga — respondeu, terminando de abrir o portão para eu entrar.
Tão dramática, os primeiros tons de cinza se espalharam.
— O que aconteceu? — insisti e entrei.
— Meus pais cismaram que eu não posso mais estudar lá embaixo e vão me colocar em algum outro colégio — falou em negativa. — Fizeram tudo isso e nem me falaram! Que raiva!
Eu só murchei e as cores perderam a intensidade.
Foi, definitivamente, a pior notícia que podia receber.
— Eles não podem fazer isso com a gente! — falei.
— Sei disso. Não tem cabimento! — falou alterada. — Como decidiram que isso é melhor!? Não aguento mais!
Aline deitou no sofá e começou a chorar.
Chorei também, mas tentei acalmá-la, dá-la colo.
Eles não estavam em casa, logo, presumi que ela faltou o colégio ou não teria aula ainda.
— Posso tentar falar com minha mãe para ela falar com eles — sugeri. — Não sei bem se dá para a mãe ajudar...
— Impossível! Eles já fizeram todas aquelas coisas complicadas e eu deveria começar hoje... mas, só me avisaram ontem à noite! Nem me deram tempo — reclamou.
Particularmente, já de se esperar. Sempre reclamaram do colégio — na verdade, de tudo! —, nossa mente só não foi maldosa o suficiente para perceber que os sinais foram dados.
Fiquei algum tempo com ela, mas sua mãe voltou e eu nem fiquei para não ceder à vontade de tentar ajeitar e acabar piorando a situação demais.
Voltei para casa cabisbaixa.
— Princesa... não parece bem... — Jonathan chamou minha atenção. — Boa tarde!
Ele estava sentado numa mesa na calçada.
Era a única viva alma na rua!
— Boa tarde, tio... vou melhorar — suspirei.
— O que houve? O que te fizeram?
— Os pais da Aline vão tirar ela do colégio... já tiraram... eu só soube hoje! — dei de ombros. — Fiquei triste!
— Aprendi um truque bom — sorriu. — Tem duas coisas que podem ajudar: a primeira é o chocolate que você vai buscar lá dentro; a segunda é a fé que tudo ficará bem e se ajeitará.
— É tão difícil ter fé quando se trata deles, tio. Parece que só fazem isso para deixar a Aline mais triste... isso não deveria ser errado!? — perguntei, franzindo o cenho.
— É muito errado e faz com que sejam péssimos pais. Já viu se a rainha pode fazer algo? — Ele me perguntou. — Vi a rainha passando, chegando mais cedo do trabalho.
— Verei — sorri amarelo.
Ele acariciou meu rosto e insistiu para eu pegar o chocolate. Dessa vez, eram duas grandes barras.
— Obrigada, tio!
— Nem precisa agradecer. Vai lá porque sua mãe já deve estar preocupada... é tarde para chegar! — alertou.
— Vou me desculpar — suspirei.
— Vigio daqui! — sorriu.
Voltando para casa, a mãe estava cozinhando. Parecia muito preocupada com a minha ausência e me deu uma inevitável bronca, pedindo para eu avisar quando fosse à Aline.
— Eu só estava preocupada... perdão, mãe! O tio deu chocolate — falei, pondo as barras na mesa. — Vou tomar um banho e posso terminar a comida — ofereci.
— Não precisa... toma um banho e volta aqui para sua mãe saber que bicho te mordeu e te deixou com essa carinha.
Assenti com a cabeça e deixei a cozinha.
Demorei no banho, vivendo aquele drama de "O que será da minha vida?", que sentimos tão facilmente na infância.
Após o banho, fui à cozinha e a mãe já derretia parte do chocolate para fazer uma bebida quente e me servir.
Conversamos e ela ficou bem preocupada ao ouvir sobre a reação de Aline. Convenhamos, minha amiga não estava nada bem há muito tempo e essa mudança a faria pior.
— Posso tentar conversar com o pai dela, tudo bem? — A mãe disse, tentando me confortar.
— Imagino que possa, mas acho que essa foi uma escolha da mãe... então, pode ser que não dê para fazer nada, mãe.
— Aquela coisa! — A mãe falou baixo, virando os olhos. — Não pode repetir isso — falou para mim.
— Sim, senhora! — Acabei rindo dela.
Tivemos nossa refeição e fui ao Sonhar com minha mochila para fazer minha lição de casa, enquanto a mãe foi à rua — não me disse o que faria e nem liguei muito.
Após os estudos, eu precisava ensaiar — nem preciso dizer que o repertório foi bem melancólico.
No início da noite, a mãe voltou para casa. Chamou por mim, pedindo ajuda e Jonathan também a acompanhava, carregando algumas bolsas.
Colaborei para guardar as compras enquanto ele lidou com as coisas mais pesadas em nosso lugar. A mãe lhe agradeceu e ele apenas sorriu, partindo.
O jantar já estava pronto, bastava aquecer e eu assumi esse trabalho enquanto a mãe descansava da ida ao mercado.
— Consegui falar com o pai da Aline... vamos ver!
— Obrigada, mãe.
— Ele também disse que se esforçará para ir com Aline ver o seu show de estreia — sorriu. — Tomara que seja homem para se opôr à louca! — deu de ombros.
— Já sei que não devo repetir — falei.
— Ótimo! — A mãe riu. — Mesmo que seja odiosa, ainda é importante para você, uma criança, ser respeitosa com todos!
— Sei disso, mãe... Desrespeitar a tia pode significar nunca mais ver Aline. Não sou boba! — sorri de canto de boca.
— Perfeito, meu amor! — riu.
Findado o preparo do jantar, comemos e nos recolhemos.
A mãe me ajudou a dormir contando uma de suas histórias fantásticas. Dessa vez, incluiu algumas figuras engraçadas para me fazer rir — o que funcionou.
Suas histórias improvisadas eram maravilhosas e a interpretação que fazia dos personagens era a parte que eu mais gostava — às vezes fingia não entender só para vê-la repetir.
A conclusão da história terminou, como ela disse, do jeito que esperava ver a conclusão da história com Aline: com muitos sorrisos e sorvete de chocolate.
Eu até tinha motivos para ter sonhos ruins, mas, felizmente, o monstro da tristeza apareceu derrotado por enormes bolas de sorvete — o que foi ainda melhor!
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