Prólogo. Sonhar: Mundo Maravilhoso
Estávamos numa clareira.
Os fortes passos dos orcs vasculhando em nossa busca e destruindo tudo pode onde passavam me deixavam agoniada.
Sempre fui uma moça da mata, portadora de um artefato que poderia ser a causa da tal guerra. Nunca estive disposta a renunciar ao meu arco porque éramos só um.
Uma feiticeira, Isabel, já éramos próximas; um feiticeiro meio libertário, Kandra, e um paladino muito devoto e justo, Finn, acabaram se unindo a jornada que nunca me pertenceu.
Nunca tivemos intenção de abandonar nosso lar, contudo a invasão orc nos obrigou. Nossa Sumo Sacerdotisa convocou muitos dos nossos e delegou missões a todos.
Nesse dia, como era habitual, acabara de iniciar meu dia, investigando as armadilhas que deixei posicionadas próximas ao meu lugar de descanso, na clareira que apelidava Sonhar — porque a lua me banhava diariamente exatamente no mesmo horário, o que me fazia atribuir a boa fortuna e bons sonhos.
Nada havia nas armadilhas, nem mesmo rastro fresco de nada, evidenciando que a vida selvagem acalmara à noite.
Isso nunca foi e nunca será habitual.
Lembro de abaixar, tocar o chão e senti-lo vibrar. Não era um bom sinal e um extremo silêncio na floresta, que nunca presenciei, imediatamente me fez presumir ser um ataque.
Sempre vivi na floresta, caçava para ceder aos menos favorecidos e não precisava de luxos como ouro, seda e outras coisas que os meus sempre amavam.
Por aqueles que eu ajudava, eu precisava comunicar! Contudo, não consegui chegar na cidade para avisar, um meio elfo, Finn, me interceptou no caminho.
Já o vira. Fiel seguidor de nosso pai Bres, ele carregava uma longa espada, que parecia passível de ser empunhada apenas com duas mãos, e vestia uma armadura pesada — que o impossibilitava de usar mínima furtividade.
Finn estava a mando de nossa Sumo Sacerdotisa e ela lhe ordenou me tirar daquele lugar o mais rápido possível.
Eu teria sido muito malcriada e insistente, se não sentisse quanta seriedade e verdade suas palavras carregavam. Queria duvidar, mas essas verdades sempre se apresentaram para mim de forma óbvia o suficiente para não me deixar fazê-lo.
Fugimos e até nos envolvemos em um embate com uma elfa negra, algo que eu não via há muito tempo. Isso me fez entender o tamanho da seriedade.
Finn sabia que o ataque era proveniente de orcs, o que já não era novidade. Feéricos e goblinóides já viviam uma guerra fria há muito tempo. Tivemos o que posso chamar uma Primeira Grande Guerra, mas já era tempo das coisas saírem do controle e aquele era o sinal que o momento chegara.
Nada era muito difícil com Finn, ele era um verdadeiro cavaleiro e colocaria sua vida a frente da minha com muita facilidade... um guerreiro de fé inabalável, admirável!
Assim, nossa jornada rumo ao desconhecido começou...
***
Luma. Com recentes dezoito já ansiava pelos dezenove!
Minha vida teve suas muitas complicações enquanto crescia, mas nada teve força para me distanciar do Sonhar.
Carioca da gema, nasci, cresci e vivi toda a minha vida num lugar chamado Morro do Sete Sete em Padre Miguel.
A mãe sempre foi atenciosa demais comigo.
Mesmo que vivesse um inferno, ela fazia seu melhor para me apresentar apenas o paraíso: assim nasceu o Sonhar.
O que é o Sonhar? Conto com uma breve história.
Um dia, o homem que eu chamava pai chegou ao ápice de sua insatisfação consigo e com sua própria vida, isso o fez ser demasiadamente hostil com a minha mãe.
O fim foi trágico. Ele morreu na sala com tantos tiros que ficou deformado o suficiente para me causar pesadelos por dias.
Eu já não nutria nenhum carinho por ele, senão aquele impregnado em todos nós, difícil de se livrar, e isso, naquele momento, foi o que me fez passar a página bem rapidamente.
Contudo, não foi igual para a mãe, que viveu um momento de luto tão comovente que, mesmo seu sorriso mais bonito para mim, não conseguia esconder o tamanho de sua melancolia.
Sempre fui apaixonada por contos de fadas e a gata-borralheira era a minha preferida, sempre foi. Com base nesse conto, eu decidi fazer algo para curar minha mãe daquilo que eu cria ser uma doença de difícil cura.
Nosso barraco era bem grande. Tinha um quintal, dois quartos, dois banheiros, uma sala relativamente grande e uma cozinha. Abandonei meu quarto, usando a ajuda de um homem que logo aparecerá por aqui, e fui ao quarto da mãe.
A mãe presenciara seu príncipe virar sapo. Para mim, não havia beijo de príncipe capaz de curar suas feridas, mas eu me coloquei na posição de princesa e decidi que um beijo de uma princesa poderia, sim, curar uma rainha.
Eu já não queria sorrisos tristonhos.
O tempo em que o dito "suposto pai" infernizou nossa vida obrigava a rainha da minha vida a viver de falsos sorrisos e a manutenir todo estrago que ele tentava me causar.
Só guerreira não define dona Viviane, minha mãe. Ela era bárbara ao me defender, era feiticeira ao me mostrar poder sonhar, era clériga ao me ensinar a ter fé, era caçadora ao me ensinar a sobreviver à dura selva de pedra.
O homem que me ajudou nesse sonho chamava Jonathan.
Com o tempo descobri ser o verdadeiro príncipe da história da minha mãe, apesar de estar mais para vagabundo...
Passando a dormir ao lado dela, eu tinha convicção que um gesto ensinado a mim por Jonathan seria o que curaria minha mãe do sofrimento que lhe afligia.
Nesse dia, ela chegou em casa tarde do trabalho — nem sei dizer de onde tirava forças para tudo aquilo enquanto ainda carregava marcas de uma agressão tão severa.
Eu tinha cinco e fiz o meu melhor para deixar o máximo possível organizado em casa. Com ajuda de Jonathan, servi um jantar a luz de velas — onde ele não estava dado o "trabalho".
Ela ficou insanamente preocupada, mas acalmou quando lhe disse que apenas dei pitaco e tudo fora feito por um adulto.
Comemos — estava delicioso! — e nos recolhemos no quarto. Quando Jonathan queria demonstrar seu bem-querer para mim, beijava minha testa e, uma vez, me explicou que aquilo era um gesto de muito boa-fé, uma forma de expressar em um único gesto algo que não poderia ser medido.
Palavras difíceis para uma criança.
Palavras que eu não entendia em sua totalidade, mas senti.
Sentir me fez criar a mágica para curar dona Viviane da extrema tristeza que lhe abatia: um beijo na testa, onde eu tentava lhe transmitir todo meu bem-querer e meus bons votos.
Assim nasceu o Sonhar, o que se tornou meu antigo quarto. Um lugar usado para a mãe e eu deitarmos no centro do cômodo e observarmos a telha. Lugar onde sonhávamos com dias melhores ou com dias desconexos da própria realidade.
Apenas um lugar para sonhar, como seu nome diz.
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