Confusão pt.1
Só tive tempo de ficar de pé. Souza está me encarando, com o semblante sombrio.
- Como vai se sair agora? Está sozinha, Lana. Sei de tudo. Sei que querem dar meu posto a você!
Sorrio, depois começo a gargalhar, jogando a cabeça para trás. Os gritos aumentam do lado de fora.
Que aquele tiro não tenha acertado meu amigo.
- O que você não sabe é que já me deram. Eu só precisava conquistar seus soldados e ver você cair!
- Não vai ver nada se estiver morta! - ele sussurra.
Sorrio ainda mais. Solto meus cabelos e dou uma voltinha. Estou tremendo, mas tento disfarçar para que Souza não perceba.
Preciso de tempo. Para pensar.
- Achei que suas intenções comigo fossem outras, Major!
Não sei bancar a sedutora. Só sei ser agressiva. Sei que minha força física é inferior à dele, não sou idiota. Mas preciso de tempo. Preciso ter alguma ideia. Ou que meus homens pensem em alguma coisa.
Almeida me conhece há anos. Desde a minha primeira escolta. Ele me convocou primeiro. Confiamos um no outro desde sempre. Por mais reclusa que eu seja quando estou sem uniforme, sei que Almeida é leal a mim, em qualquer situação. Construímos isso durante anos. Desde que entrei para a corporação.
Ele podia ser o próximo no comando, mas está me apoiando. Moveu os homens a meu favor, me defende. Se ele não estiver ferido, vai pensar em algo pra me ajudar.
Deus, que ele não esteja ferido!
- Cansou do nerd sem açúcar? Cansou de fazer papai-e-mamãe toda vez que ele te come? Cansou de mesmice e da arrogância do Sabe-tudo?
Reviro os olhos. É a vez dele rir.
- Eu gosto quando faz isso... E desses cabelos...
Ele se aproxima e cheira meus cabelos.
- Que bom que ganhou aquela aposta. Eu teria me arrependido.
Olho em seus olhos. A proximidade faz minha espinha tremer.
- Você me odiava. Quando começou a me ver diferente?
- Quando te vi sorrir para o Nerd pela primeira vez... Na hora do jantar, na cozinha... Você tinha acabado de chegar da ronda. Estava com os lábios roxos de frio. Ele tirou a jaqueta branca e colocou nos seus ombros. E você sorriu. Eu quis matar o maldito no mesmo instante.
Aparentemente, Souza esqueceu tudo do lado de fora. Respiro fundo e me afasto. Ele segura meu braço.
- Você é o próprio demônio, mulher. Esfrega na minha cara, todo santo dia, que não foi feita pra mim. Mas como pode ter sido feita pra ele? Eu não podia deixar que ele te afastasse de mim. Eu sabia que ele ia tentar.
Nisso ele tem razão. E não foram poucas as vezes que Cristiano tentou me convencer a mudar de setor.
- Eu jamais desejei sair da corporação antes de encontrar minha família. Sempre foi meu objetivo.
- Mas desistiu antes de encontrar seu pai, porque aquele bostinha te fez mudar de ideia! Ele fez você se apaixonar por ele.
O que ele sabe? Nos viu de mãos dadas e um ou dois beijos. Não sabe nada sobre meu relacionamento.
Mas me viu desesperada quando Cristiano corria risco de vida. Sabe que eu quis sair da corporação por causa desse namoro, eu disse isso a ele quando vim pedir dispensa, nesta mesma sala. Os boatos de que eu era apaixonada por Cristiano, antes de assumir que gostava dele.
Não posso esconder isso. Nunca pude. Não posso blefar. Não dessa forma.
- Não é a melhor das sensações? Estar ligado a alguém, não só fisicamente?
Souza parece a beira do choro. Os gritos pararam. Não sei se Souza percebeu. O silêncio é total.
O que meus homens estão fazendo?
- Por que? Por que? Lana? Ele não é nada! Um nerdzinho que se sente alguém só porque é mais inteligente que a média e porque tem dinheiro e os conselheiros babando sobre ele!
O ódio queima meus olhos e minha pele. Mas é interessante de se ver. A vulnerabilidade do maldito homem. Eu sou o espinho em seus pensamentos. É um prazer saber que faço de seus dias um inferno, mesmo quando estou longe.
- Você não o conhece! Não sabe nada sobre quem ele é. - digo, controlando a raiva em minha voz.
- Ah, eu sei que ele vai cansar do seu temperamento, do seu ciúme, do seu fogo... Ele não foi feito pra você!
Engulo a bile e o ódio, tentando me concentrar no plano que não consigo formular. Souza sabe muito sobre mim e sobre meu relacionamento.
- Ah, sabe?
Não sei como abordar esse homem.
Se ele se aproximar demais, posso nocautear com um único golpe, mas vou depender da sorte.
E como ele sabe tanto sobre mim?
- Sei de coisas que você nem imagina!
Ele me deixa soltar o braço. Me afasto alguns passos e o encaro. Preciso acabar com isso. Não posso permitir que ele me distraia.
- Por que deixou que a corporação chegasse ao que chegou? Homens espancados, medo nos olhos, como se você fosse um monstro!
- Eu sou um monstro.
- Deve ter uma boa razão para agir assim!
- Não tenho! - ele volta a se aproximar. - Sou um monstro desde que me entendo por gente. Matei pela primeira vez com doze anos, pra me defender. Um menino mais velho, no orfanato. Peguei gosto pela coisa e não parei mais.
Engulo minha surpresa e o nojo que sinto. Ele fala como se fosse um esporte, como se matar fosse a coisa mais natural e simples do mundo.
- Como consegue dormir em paz? Como?
Souza parece ignorar minhas palavras. Volta a cheirar meus cabelos.
- Você sabe que é linda! Sabe que todo macho desse Complexo olha quando você passa e que todos querem comer você! - ele sussurra.
Sério, eles não tem nada melhor para fazer.
- Faria disse que sou sem graça!
Ele ri. Reprimo a bile que sobe por minha garganta.
- Faria é uma bicha. Não entende nada de mulher.
Ele toca meu rosto. Reprimo a vontade de me afastar. Meus passos precisam ser calculados.
- E você entende? Nunca te vi com ninguém! E você pode, ao contrário dos soldados.
Souza suspira. Está curtindo o momento, enquanto eu só consigo pensar em não vomitar sobre ele, ainda.
- Eles podem, na verdade. Não há nenhuma lei que os impeça de ter família. Só não temos estrutura pra cuidar de famílias que ficam quando eles morrem em serviço, então... não permito que eles tenham relacionamentos públicos.
O ódio queima em meu estômago. Souza não tem noção de como fez meus homens sofrerem com essa merda de regra. Eu mesma sofri com isso.
- Não se engane, Lana. Existe muita coisa que você vai descobrir sobre nossos conselheiros, sobre o lugar onde mora, sobre a cidade. Sato é conivente. Nunca impediu nada, nunca mudou nada! E pode ter certeza, não vai gostar de descobrir os segredos desse lugar.
Souza chega mais perto.
De que merda será que ele está falando? O que há para saber sobre a cidade abandonada? Que tipo de segredos Sato esconde?
Alcanço minha arma.
- Você é a mulher mais linda desse lugar. Nem as loiras... nem elas podem ofuscar sua beleza, Lana. E esse seu jeito petulante só me deixa ainda mais apaixonado.
Apaixonado? Doente é a palavra.
Recuo dois passos e o encaro. Ergo a arma, colocando o cano na testa dele. Estou tremendo. Ele pode ver.
- Eu não sou boa com jogos. Não sei ser sensual por muito tempo. E agora sou Comandante, no seu lugar. Eu precisava de tempo pra pensar em alguma coisa, mas meu lado criativo está em déficit por causa da falta de sono. Então vamos encurtar isso, tá bem?
Ele ri, pressionando ainda mais a testa contra a arma.
- Pode me matar, Lana. Acabou para mim. Você mesma disse!
- Não acabou. Você ainda vai pagar pelas coisas que fez!
Souza ergue a mão. Aumento a pressão da arma. Ele ri.
- Ficou louco?
- Esse é o momento de maior intimidade que posso ter com você!
- Ainda bem que sabe que não vai passar disso!
- É o melhor momento da minha vida!
Ele toca meu rosto outra vez. Fico com pena dele.
- Pode ser o último!
- Não importa. Acabou. Meus homens são seus, agora. Ninguém me obedece desde que você deixou o posto. Therence está à beira da morte. Ninguém no administrativo militar me apoia. O que mais restou? Virar motivo de piada para o resto dos meus dias?
Dou de ombros e sorrio.
- Tá bom pra mim!
O barulho da porta me distrai. Souza bate na arma da minha mão e me imobiliza rapidamente, segurando meus braços as minhas costas.
Minha arma caiu pra longe, mas meus homens estão dentro da sala. Muitos deles, não só os mais próximos. Souza está usando meu corpo como escudo.
- Se tocar em mim, não vou parar até que esteja na detenção, servindo de lanche da madrugada de criminoso. - aviso.
- Não tenho escolha. - ele diz, beijando meu pescoço.
Me faz sentir nojo de mim mesma.
Rapidamente, ele me vira sem me dar chance de me soltar. Nos encaramos. Seu rosto está a centímetros do meu. Estou tremendo como nunca na vida.
- É tudo seu, Princesa! - ele debocha. - Inclusive o mérito! Você conquistou! Você! Ninguém mais assumiria meu lugar. Tem todos os olhos em você, desde que entrou na sala do Conselho pra pedir uma oportunidade de trabalhar aqui. Você nunca atrasa, nunca falta, não fica doente, não dá desculpas. Será perfeita no comando!
- Então por que está protelando o momento? Por que arrisca minha vida e a sua nesse joguinho idiota?
Souza encosta o nariz no meu queixo. Estremeço. De nojo.
- É uma oportunidade única. Nunca pude ter você assim. Só estou adiando um pouco as coisas. Depois vou tirar minha vida, na sua frente. Você vai me carregar pra sempre com você, Lana. Pra sempre!
Ele não pode fazer isso!
Não vou permitir que seja fácil. Não assim!
Ele beija meu rosto como se eu fosse algo delicado. Fecho os olhos e reprimo as lágrimas. Não é o momento de chorar.
- Eu vou morrer feliz. Tenho você tão perto e mesmo sem a privacidade que sonhei... estou feliz, Lana!
Souza cheira e beija meu pescoço, me apertando contra ele. Acho que vou vomitar. Sinto a arma dele contra mim, escondida sob o colete.
Souza está armado. Poderia ter me matado, se quisesse. Mas ele quer tirar a própria vida. Se eu for rápida, posso impedir.
- Devia repensar suas ações! Eu posso te retaliar assim que estiver livre.
Ele ri. Parece calmo demais para quem está pensando em tirar a própria vida.
- Não vai precisar. Eu garanto!
Sinto o aperto em meus braços afrouxar. Sem pensar, acerto uma joelhada em sua virilha e uma cotovelada em seu nariz.
Souza cai no chão, me desequilibrando, sem me soltar totalmente.
Caio sobre ele, tentando pegar sua arma.
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