Confronto
- Aonde Oliveira está? Porque não apareceu pra compartilhar as informações que disse ter?
Almeida parece apreensivo.
- Não sei! Procuramos ele em todos os buracos da ala militar. Nada! O homem evaporou. - Júnior responde.
Onde esse homem foi parar?
Faltam poucos minutos para começar a reunião com Faria e Ferreira.
Estamos no telhado, o lugar onde compartilhei momentos incríveis com Cristiano Matarazzo.
Nosso Lugar Secreto.
- Souza saiu do dormitório?
- Sim! - Costa responde. - Foi na cozinha e na sala dele. Está lá agora.
Circulando? Será que sabe que nos reunimos?
Provavelmente.
Nem todos os homens estavam na reunião. E nem todos os que estavam são de confiança. Não sou tão ingênua.
Ouço um estrondo e viro pra olhar a porta. Faria está sorrindo de um jeito macabro. Ferreira está atrás dele segurando um homem ensanguentado pelo colete.
Ele joga o soldado no chão.
Agora percebo quem é que está desacordado.
Oliveira.
- Júnior, Costa. Levem Oliveira para a emergência.
Ferreira e Faria não fazem objeção. Observamos os dois erguerem Oliveira e o arrastarem para fora.
É uma das coisas que tenho nojo em nosso meio. Esse tipo de tratamento. Eles pensam como Souza.
Quero esses dois bem longe de mim.
- Por que? - questiono.
Ferreira dá de ombros.
- Ele não queria nos dizer nada.
Respiro fundo. Seja o que for que Oliveira sabe, é importante.
- É pra isso que querem tirar Souza do comando? Pra espancar os soldados quando lhes der vontade?
Percebo meus homens tensos. Depois do que acabei de ver, minha tensão também está no auge.
Os dois brutamontes a nossa frente também perceberam. Eles nos olham com ares de deboche.
- Queremos recomendações. Só isso! Cartas de recomendação. Quero descansar, Lana. - Faria diz, suspirando.
Faria sempre foi o mais cínico.
- Recomendação? - ironizo.
- Quero um cargo administrativo. Qualquer um. Souza se nega a nos recomendar porque tem uma rixa com o General Thomas e com os tenentes. Mas o velho gosta do seu jeito de trabalhar. Se nos recomendar, ele vai nos aceitar. - Ferreira explica.
Suspiro dramaticamente.
Jogar, lembro a mim mesma.
Eles não sabem o que sei. Preciso ser cuidadosa. Podem se voltar contra mim. Não que estejam me apoiando, já que espancaram o homem que tem as informações que preciso.
- Em troca, terei as informações que preciso pra tirar Souza do comando. E como isso me fará comandante?
- Sato. Ela pensa em te convidar pra receber o treinamento. Só não o fez, porque você acabou de assumir o posto de Capitã, ainda é nova.
Como se um pobre Capitão soubesse o que se passa na cabeça da nossa principal governante. Mas depois do que vi no rosto de Sato, hoje, sei que ela deixa passar somente a informação que lhe é conveniente.
Olho pra Tetso. Ele confirma com um gesto.
- Se Souza perder o cargo, ninguém mais vai servir. - Tetso informa. - Sato tem os olhos em você, desde que entrou pra corporação. Ela conhece seu jeito de pensar, suas ideias. Não vai colocar outra pessoa no lugar que preparou pra ser seu. Ainda mais agora que Sampaio e Therence não podem impedir as ações dela.
Em Tetso, confio plenamente, como confio em Almeida e Cristiano. Então sei que ele ainda não sabe sobre a reunião que tive com Sato e o Tenente. Cristiano estava presente.
- O que tem pra mim, Faria? - questiono.
Ele sorri e anda pelo lugar. Por instinto, coloco a mão sobre a arma.
- Nunca se perguntou por que Souza trata você diferente?
- Só se por diferente, quer dizer como verme, um cachorro morto.
- Pra esconder o que ele sente. Não que eu entenda. Você até que é gostosinha, Lana. Mas não vejo mais que isso. Peitos, bunda... De boca fechada você é uma delícia. Só isso.
Reprimo a vontade de cuspir na cara dele.
- E o mais interessante é que ele sempre soube que você nunca ia ser dele. Então... Souza te mantém presa a corporação, ainda que não possa te prender a ele. Tem monitorado o corredor do seu dormitório com frequência diária, seus passos pelas outras alas do Complexo. Silva é conivente. São amigos. Souza faz essa monitoria sem autorização.
- Inclusive do corredor do meu quarto na ala médica?
- Principalmente esse!
Nunca adiantou esconder. Ele sempre soube sobre mim e Cristiano. Todos os meus passos. Ele tem os olhos em mim desde sempre.
Maldito!
- Você tem provas sobre isso?
- Oliveira tem. E apanhou porque não quis dizer onde estão. Souza emite a solicitação das imagens por conta, sem o administrativo saber e leva pro Silva, que libera as imagens e arquiva uma cópia. A conferência desse material é feita pelo soldado Oliveira. Só nós sabíamos disso. Silva acha que Souza valida as solicitações das imagens quando percebe você fazendo algo errado. Mas a verdade é que isso nunca acontece. Nem mesmo quando te viu beijando o nerd no corredor, ou vocês andando de mãos dadas por aí. Nem mesmo quando você passou a dormir no quarto da ala médica.
Oliveira. Silva. O esquadrão de comando. Todos eles sabiam sobre minha vida, desde sempre. Ninguém se moveu pra denunciar Souza. Nem mesmo pra me avisar do que estava acontecendo.
Isso não é possível!
- É só isso? - questiono. - É pouco.
Eles se entreolham. Estão surpresos com a minha forma de reagir a informação.
- Existem outras coisas... Souza tem desviado recursos. A verba pra manutenção das Patrulhas, do material de escritório, da manutenção da Detenção. Ele só usa parte dos recursos. Não sei o que faz com o resto. Oliveira apanhou porque não nos deu as provas. Está com ele.
Isso é mais importante do que essa perseguição idiota a minha pessoa. Endireito os ombros.
- Bom... Isso é melhor. Quero esses documentos. Mas vamos esperar Oliveira se recompor e me entregar.
- Não tem muito tempo pra isso! Vá arrancar a informação dele! - Ferreira diz. - Deve agir antes que Souza se recomponha.
- Depois do que fizeram? Como acha que Oliveira vai falar alguma coisa, inconsciente?
Os dois se olham de novo. Respiro fundo. Vou fazer do meu jeito. Mostrar que tenho o controle e que eles também dependem das minhas ações.
- Todos vão voltar a seus postos. Vamos esperar Oliveira melhorar, não importa quanto tempo demore. Eu vou agir com os soldados a partir de agora. Mantenham-se neutros.
- Você é louca, garota? Tem a corporação nas mãos nesse instante! Se não fizer nada agora, perderá a oportunidade! - Faria esbraveja.
Sorrio. Os soldados estão ainda mais tensos, posso sentir.
- Bom... Eu vou fazer o que achar que devo, porque tenho a Corporação nas mãos, não graças a vocês, já que só me deram palavras. Acredite, Sato não é impulsiva. Ela não me dará cargo nenhum se eu não tiver como provar as falhas do seu comandante.
- E como vai neutralizar Souza outra vez? Acha que ele vai sair do cargo por bem? Mesmo que Sato o deponha... Ele não vai ceder! Não faremos mais nada pra ajudar você.
Bufo, revirando os olhos.
- O que fizeram, mesmo? Desobedeceram às ordens do Comandante, iniciando um motim. Ah... E deixaram o homem que tem as provas, inconsciente. Grande merda, foi o que fizeram!
- Fala direito, Garota!
Dou de ombros, olhando Tetso, que também está com a mão na arma.
- Eu não disse mentira nenhuma. Vocês dois mantenham-se neutros. Ou não haverá recomendação, mas uma cela especial na detenção pra vocês dividirem!
- E como fará isso? - Faria debocha.
- São tão coniventes quanto Silva. Sempre souberam de tudo, provavelmente colaboraram com as punições pelas quais já passei. Espancaram um soldado até a inconsciência. Meus homens também ouviram. São testemunhas. Oliveira deu entrada na emergência. O médico também é testemunha. Freitas e Peixoto ali, também ouviram.
Júnior e Costa retornam e se mantém a porta, próximos a Ferreira e Faria.
- Viram quantas testemunhas? Querem mais motivos? Além do fato de Sato ter preparado esse posto pra mim... Minha influência não será pequena, não acham?
Os dois se mantém calados.
Respiro fundo mais uma vez.
- Almeida é o segundo em comando. Filho, o terceiro. Na minha ausência, falem com eles. Serão ouvidos. Mas... se eu sonhar que estão por aí, batendo e humilhando meus homens... Bom... tenho mais de trezentos deles a meu favor. Farei com que retribuam.
Nenhum dos dois está gostando do rumo da conversa.
Bom! Isso me deixa satisfeita.
- Me ouviram? Entenderam, Soldados?
Eles se entreolham. Batem uma continência malfeita.
- Sim, senhora, comandante! - eles dizem juntos.
- Muito bom! Vocês são rápidos! Gostei disso! Estão dispensados!
- Vai manter sua palavra e nos recomendar quando assumir?
- Quando, em oito anos, me viu faltar com minha palavra? - esbravejo.
Os dois saem pela porta, em silêncio. Esperamos ouvir o barulho do elevador. Só então relaxamos. Júnior e Costa se aproximam.
- O que o médico disse?
A expressão de Júnior não é das melhores.
- Ele precisa passar por muitos exames. A emergência virou um caos. O médico nos mandou chamar o Comandante. Que merda esses dois pensam que estão fazendo? Por que fizeram isso com Oliveira? Podem atacar qualquer um de nós! - Júnior esbraveja.
- Não podem! Fizeram isso porque Souza se isolou. Mas Lana já deixou claro quem vai dar as ordens, agora. - Almeida diz, colocando a mão no ombro do Júnior.
O garoto olha para mim. Confirmo com um gesto.
- Nenhuma palavra ao Souza sobre isso! Eu vou falar com o médico! Vocês vão espalhar o que Faria e Ferreira fizeram ao Oliveira. Espalhem a conversa toda. Vamos neutralizar as ações deles. Filho, coloque cinco homens na cola de cada um deles. Devem ser desarmados imediatamente e podem detê-los se ousarem ameaçar quem quer que seja.
Esses dois precisam ser vigiados de perto.
- À partir de agora, ninguém andando sozinho, nem no Complexo nem durante a ronda. Todos andando com seus parceiros.
Eles batem continência.
- Almeida e Tetso vão comigo até a emergência. Os outros façam o que eu pedi. Depois todos farão plantão no meu antigo dormitório. Ninguém dorme hoje.
Eles se dispersam. Espero um pouco. Preciso ordenar minhas ações.
- O que tem em mente, Lana? - Almeida pergunta.
- Falei com Sato.
Os dois me olham, surpresos.
- Quando?
- Logo que saiu do meu quarto, João. Cristiano me levou até ela. Tivemos uma conversa difícil. Mas chegamos a um acordo. Que o que vou dizer não saia daqui!
Os dois concordam com gestos.
- Eu já sou comandante. Ela me fez assinar toda a documentação. O General Thomas estava presente. O Marechal Cádis foi chamado e enviou um comunicado, me aprovando. Eles estão cansados do Souza. Ouviram reclamações de como ele resolve os problemas da corporação. Estão fazendo uma varredura nas imagens da ala militar, durante os últimos anos, pra confirmar os erros que Souza fez ou encobriu. E terei que lidar com Souza sozinha.
Os dois suspiram. Tetso sorri e aperta meu ombro.
- Vamos ajudar. Você não vai enfrentar Souza sozinha.
- Mas preciso daquelas provas. Sato me fez assinar os papéis, mas preciso de uma garantia maior nas mãos. E por mais verme que Oliveira possa ser, não quero que morra.
- Ele não vai morrer. Vamos ver como ele está! Vamos falar com o médico! - Almeida me incentiva.
Saímos do Lugar Secreto e seguimos pelas escadas até o andar da emergência, no mais absoluto silêncio.
Nem mesmo nossas botas fazem ruído no chão.
Chamo pelo médico que atendeu Oliveira na emergência e digo que Souza me enviou. O médico não demora para aparecer.
A grande merda de tudo isso é ter que abafar a atitude grotesca daqueles dois. Faria e Ferreira deveriam mofar na detenção.
- Você é Capitã, não é? - o médico diz, assim que entra na sala de espera.
- Lana Fernandes, Capitã do batalhão de patrulha! O soldado Oliveira é minha responsabilidade. - digo, erguendo a mão.
O médico aperta minha mão e parece mais relaxado.
- Leandro Guismun. Sou amigo do Cristiano. Eu atendi a ocorrência com suas primas. Estava curioso pra te conhecer. Cristiano fala muito de você!
Dou a ele um sorriso comedido e troco olhares com Almeida.
Cristiano disse que as mulheres do Almeida são minhas primas. O que me diz que esse médico não é de inteira confiança.
- Sim! Ainda não pude agradecer! Muito obrigada pela forma como atendeu minha família!
- É meu dever! Eu preciso dizer que sinto muito! Ninguém deveria passar o que elas passaram pra se manter unidas e encontrar você!
Almeida está inquieto. Seguro seu braço num gesto comedido, sem tirar meus olhos do médico a nossa frente.
- Concordo com você. Mas estou aqui a pedido do Major Souza. Um dos nossos soldados foi encontrado inconsciente. Pode me dizer como ele está agora?
O médico muda de expressão. Parece sombrio. Seus olhos são negros.
- Foi medicado. Ele vai passar por ressonância, preciso saber quais órgãos foram comprometidos. Não é a primeira vez que isso acontece. Seu comandante nunca vem pessoalmente falar comigo. Já levei muitos casos ao Conselho. O que fazem com seus homens? Isso é parte de algum treinamento? Nem os que resgatam nas ruas chegam a esse ponto!
Com um gesto, peço que o médico se sente. Tetso, Almeida e eu também sentamos.
- Eu fui enviada aqui pra resolver esse caso. E vamos fazer da forma certa, agora. Vou emitir um relatório com os dados que me fornecer sobre o estado em que esse soldado chegou aqui. Também preciso de um relatório emitido por você. Vou levar esse caso diretamente ao Conselho. Fui designada pra fazer com que esses abusos acabem.
Falo de forma calma e em voz baixa. O médico parece acreditar em mim, concorda com cada palavra.
De certa forma, não é mentira. Porque farei com que esses abusos acabem.
- Parece que as coisas vão mudar na ala militar! - Leandro diz.
Ele nem faz ideia.
- Vão sim! A começar por esse tipo de agressão. Pode me garantir que não vai entregar o relatório que pedi a ninguém que não seja a mim ou a esses homens de minha total confiança?
O médico olha os rostos dos meus homens e concorda com um gesto.
- Ok. Agora, se me permite. Gostaria de ver o soldado, antes da tomografia.
O médico fica de pé e suspira.
- Claro! Venha comigo.
Com um gesto, peço que Tetso e Almeida me esperem na sala. Acompanho o médico pelos corredores até o quarto em que Oliveira está.
O rosto dele está irreconhecível. Inchado, verde e roxo e preto. Está com a roupa branca do hospital. Seus cabelos foram penteados. Acho que deram banho nele.
- Preciso conferir uma coisa com a enfermeira. - O médico me diz.
- Fique à vontade. Não vou demorar aqui.
Assim que o médico fecha a porta, Oliveira abre os olhos com dificuldade. Ele move a cabeça lentamente, até que está olhando pra mim.
- É bom acordar e ver você! - ele sussurra. - Só queria ver seu rosto!
Reviro os olhos.
Lembro que Cris fez a mesma coisa quando ficou no hospital. Fingiu dormir, até que entrei no quarto. Queria me ver primeiro.
- Não vou perguntar como se sente! Você parece horrível. Mas mereceu isso! Sempre soube da perseguição do Souza em relação a mim e nunca me avisou, nunca fez nada. Eu nunca pude me defender.
- Não esquece que eu colaborei com ele. - ele diz, fechando os olhos.
- Por quê?
- Ciúme! Inveja daquele nerd! Não sou muito diferente do Souza. Eu também quis você só pra mim!
Eu preciso mesmo ouvir isso? Sério? Eles não têm nada melhor para fazer?
- Eu tenho uma proposta. Me dê as provas. E vou livrar você da detenção. Se não me der, vai sair desse quarto direto para a cela.
Ele volta a abrir os olhos.
- Não vai me matar? Pensei que fosse!
- Não sou assim!
- Souza é! Nada vai livrar você dele! Só a morte.
- Quero as provas! - insisto.
- No meu dormitório! Na gaveta do armário do banheiro.
Respiro fundo.
Terei as provas, mas sei que meus problemas estão só começando.
Sigo em direção a porta.
- Souza sabe. Ele sabe de tudo. Sabe que vai ser a próxima comandante. Sabe que Sato preparou o terreno pra você. O administrativo em peso quer ver como vai tirá-lo do cargo. Confesso que também queria estar lá pra ver.
Olho em seu rosto. Acho que ele está tentando sorrir.
- O que Souza não sabe é que já sou comandante, que os soldados já estão sob meu comando e que você só está aqui por minha causa, do contrário estaria morto. Mas ele está perto de descobrir tudo isso!
Oliveira realmente está tentando sorrir. Eu não entendo o motivo.
- Por que não matou Cristiano, quando a ordem foi dada?
Um momento de silêncio preenche o quarto. Quando acho que Oliveira não vai responder, ele emite um ruído baixo e fecha os olhos.
- Não sou assim.
- Bom pra você, soldado! Se fosse diferente, não estaria vivo.
Saio do quarto e escoro na parede do corredor.
Souza colocou Oliveira naquela escolta para matar meu Cris, não a mim. Tetso tinha razão. Almeida tinha razão. Infelizmente, Faria também.
Souza me quer presa a ele, por isso não fez um escândalo ou me tirou da corporação quando assumi meu namoro com Cristiano, publicamente.
Por isso me aceitou como Capitã ao invés de aceitar minha dispensa. Provavelmente por isso me encheu de punições, me mantendo fora do quarto tanto tempo quanto pode.
Souza.
O que posso esperar dele?
Oliveira está certo em dizer que Souza resolve as coisas com a morte.
Será que só assim vou me livrar dele? Morrendo ou matando?
Eu não quero isso.
Não quero mais um fantasma em meus sonhos. Nem mesmo sei se sou capaz de matar de novo.
O que vou fazer com Souza?
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