Capítulo VII - Chamado dos Deuses
Assim que o sol raia, anunciando a chegada de mais um dia, Louis acorda agradecido por estar vivo e seguro. Leni, por outro lado, está apreensivo e observando o céu azulado. Intrêmulo, ele repousa na entrada do abrigo enquanto corta uma maçã.
— Bom dia. —Louis estica os braços.
— Achei que não iria acordar mais. —Leni oferece um pedaço da maçã e Louis recusa. — Hoje o dia vai ser difícil.
— Por que acha isso?
— Veja. —Leni aponta para o alto de uma colina não tão distante. — Aquela é a seita milenar.
— E que seita é essa? —Louis arrepia.
— Se tivesse prestado atenção na história que eu contei ontem, saberia. —Leni morde a maçã e pisca para Louis. — Vamos, temos que caçar.
Leni junta seus equipamentos numa mochila e guarda seu arco nas costas, fazendo o mesmo com a aljava lotada de flechas. Louis, ainda confuso, pega a sua pistola e a sua lanterna, e segue Leni até um pomar.
— Pegue o que precisar. —Leni aponta para as árvores frutíferas. — Não sabemos se vamos achar algum animal por aí.
— Ok. —Louis olha para as frutas, mas não as pega. — E sobre a seita, qual o nome dela?
— Sei lá, acho que é CSP. —Leni entre os dentes.
— Fundação SCP?
— Acho que sim. Conhece ela?
— Na verdade, não... —Louis tenta acompanhar os passos apressados de Leni. — Tem como andar mais devagar?
— Sua coxa já está melhor, para de reclamar.
Leni tem mais anos de experiência e Louis veio da cidade, com certeza nunca fez academia e é acostumado com uma vida calma. Os dois opostos são obrigados a trabalharem juntos por um propósito maior e Louis se contenta, forçando as próprias pernas a caminharem mais rápido.
Ele está em território desconhecido e é melhor se adaptar o quanto antes, afinal, nunca se sabe como será o dia de amanhã. Talvez ele precise correr de alguém ou de algo. Assustado com o tamanho do caçador, ele se pergunta o quanto Leni teve que batalhar para sobreviver na ilha.
— Sobre a fundação, meu pai deixou um livro e na capa tem o nome dela entalhado. —Louis volta a falar.
— E esse livro é sobre o quê? —Leni pergunta desconfiado.
— Tem algumas informações sobre a ilha, mas nada que chegue aos pés do que um nativo pode compartilhar.
— Seu pai parece ser um homem ocupado.
— Ele era antes de desaparecer...
Leni hesita por um momento e quase confirma as suas suspeitas. Se Louis realmente é filho do governante, ele precisa de uma prova concreta, mas como? Entrar no território dos espectros é arriscado, bem mais do que das tribos.
Estamos falando de almas vagando livremente pela Névoa Negra, obviamente são seres que não possuem um corpo físico e consequentemente são difíceis de acertar.
— E pra onde ele foi? —Leni demonstra interesse.
— Não sei. —Louis suspira. — Acredito que ele tenha vindo pra cá, mas não tenho certeza.
— Se você estiver certo, ele provavelmente já está morto.
— Não vou cair no seu pessimismo.
— E o seu parceiro?
— O Adrian? Ah, somos apenas colegas.
— Sinto que são bem mais do que isso.
— Só na sua cabeça. —Louis repreende Leni.
Ele nunca se deitou com alguém, nem beijou ou saiu num encontro. Louis é virgem e decidiu continuar assim até conquistar os seus objetivos, sem pular as etapas ou se permitir ser iludido por qualquer pessoa. Nem mesmo a sua sexualidade ele sabe, isso é apenas um rótulo.
Leni exala o completo oposto. Definitivamente já se deitou com várias mulheres e talvez até homens, mas acabou sozinho. Esse é o medo de Louis: se entregar à alguém e se decepcionar.
Enquanto se distanciam do abrigo, a dupla adentra numa floresta densa em busca de algum animal desavisado, mas em vão. Não há nada ali além de um perfume amadeirado e uma porção imensurável de árvores enfileiradas.
— Vamos montar uma armadilha aqui. —Leni retira uma corda da mochila.
— Eu não sei fazer isso. —Louis coça a cabeça.
— Só obedecer o que eu mandar e tá tudo bem.
Louis confirma com a cabeça e Leni orienta que ele pegue um punhado de folhas secas para cobrir a armadilha, e então Louis as recolhe do chão. Em seguida, Leni prepara a armadilha, conectando a corda até um dos galhos de uma árvore. A corda se estica, mostrando a eficiência do caçador.
— Agora vamos subir na árvore e esperar que algum animal morda a isca. —Leni se pendura até alcançar a parte mais alta.
— Quando eu sair dessa ilha e for no mercado comprar carne, vou me lembrar da peleja que é caçar. —Louis também sobe na árvore, com dificuldade.
— O que é um mercado?
— Um dia te conto.
Leni repousa na madeira grossa e abre as pernas, batendo no espaço vago entre elas e dando a entender que é o único lugar para Louis se sentar sem que os dois caiam pelo desequilíbrio. Louis se senta e tenta se manter firme, sentindo a mão de Leni segurar sua cintura.
— Vai ficar reto assim? —Leni o indaga.
— Não quero te apertar.
— Pode deitar suas costas no meu peitoral.
Depois de um tempo, Louis se cansa e acaba cedendo, repousando as costas nos peitoral de Leni. Seus olhos pesam e ele pensa em dormir, mas lembra que acordará no susto e desiste.
Aproveitando o silêncio da floresta, Louis começa a roer as unhas pelo nervosismo e fica inquieto, sentindo algumas formigas o picarem. Entre um tapa e outro, elas fogem com medo e ele pode finalmente observar a paisagem.
— Não tá acostumado com isso, né? —Leni quebra o silêncio.
— Não precisa ficar me tratando igual criança, não sou de vidro. —Louis se irrita.
— Desculpa então, ô adulto. —Leni debocha.
— Foi mal, eu só não gosto de ficar parado por tanto tempo.
— Não gosta de ficar parado ou não tá gostando de sentir os meus músculos?
— Os dois, na verdade.
— Relaxa, não tô vendo isso com outros olhos. Estamos apenas caçando.
— Ainda assim é estranho.
Repentinamente, Louis sente os pelos da sua nuca arrepiarem, como se o avisassem sobre algo e então um terremoto atinge a região, abrindo um buraco no chão que acaba os engolindo.
Louis atinge o solo com brutalidade e Leni cai logo atrás, sentindo um impacto ainda maior. Uma cortina de poeira levanta e os dois se engasgam enquanto tentam limpar a visão.
Um grupo de morcegos que dormiam ali acabam acordando e voando contra a dupla atordoada, emitindo sons violentos do bater de suas asas.
Depois da poeira abaixar e os morcegos fugirem pelo buraco na superfície, os dois se reagrupam e percebem estar numa tumba subterrânea, lotada de velharias e figuras cravadas nas paredes rochosas.
— O que é isso? —Louis se maravilha.
— Provavelmente uma tumba. —Leni aponta para um sarcófago.
Tomado pela curiosidade, Louis investiga o lugar e acende sua lanterna, ajudando a pouca luz solar que adentra pelo rompimento do terremoto.
— Eu nunca estive numa tumba. —Ele se aproxima do sarcófago.
— É melhor darmos um jeito de sair daqui. —Leni demonstra nervosismo. — Já ouvi falar dessas tumbas e se elas estão enterradas, são por um bom motivo.
— Calma. —Louis caminha até um dos desenhos. — Olha isso.
É a representação de um ser celestial, rodeado por uma áurea que envolve o cosmo. Seu rosto não é bem detalhado, mas suas feições não são estranhas e o nível de riqueza do desenho só comprova a maestria de quem o fez.
— Veja, tem algo escrito. —Louis limpa a parte inferior da parede.
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"O Aniquilador de Mundos cumpre o seu papel e escraviza as linhas do tempo."
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— E quem é esse? —Louis indaga Leni.
— Eu não conheço todo mundo. —Leni debocha.
Coincidentemente, Louis acaba se recordando do sonho que teve antes de cair na ilha e sua cabeça dói. A sensação de ser tomado por um poder que ele sequer conhece o amedronta e ele teme estar envolvido em algo maior do que si mesmo.
O sarcófago atrás deles se abre de repente e revela uma áurea verde se esvaindo como o vento. Em seguida, um homem completamente ferido se joga no chão por causa do cansaço e se rasteja até os pés de Louis.
Para a sua surpresa, o homem era ele mesmo. Não na forma de uma miragem ou como se a sua mente pregasse peças, e sim em carne e osso. Tão vivo e palpável que Louis sente a mão dele tocar seu calcanhar, o agarrando com firmeza.
— Ele está vindo. —Aquele Louis diz. — Você precisa avisar os outros.
Tomado pelo medo e pela confusão, Louis apenas encara a sua cópia e tenta compreender a magnitude do que estava acontecendo. Sem tempo para reagir, uma áurea vermelha atravessa o sarcófago e atinge o homem jogado no chão, sugando a sua essência e largando somente o seu cadáver para trás.
A mesma áurea vermelha começa a tomar a forma de um homem portando uma armadura celestial e antes que ele pudesse sair pelo sarcófago, Leni fecha a porta do caixão, mas quem está do outro lado insiste em sair.
— Louis! —Uma corda cai pela superfície. — Rápido, suba!
Era Adrian.
— Vai, Louis! —Leni grita enquanto segura a porta do caixão.
Ao recobrar a consciência e perceber que estava em apuros, Louis se agarra à corda e Adrian o puxa para cima. Suas veias saltam do seus braços, demonstrando a força e o desespero de Adrian em salvar Louis.
O homem que tentava sair do sarcófago desiste e as pancadas brutas da áurea vermelha cessam, permitindo que Leni também escape da tumba.
— Eu achei que você tinha morrido! —Louis abraça Adrian.
— Eu te disse que vaso ruim não quebra. —Adrian retribui o abraço.
— Não quero interromper o encontro de vocês, mas seja lá o que tentou sair daquilo, com certeza vai voltar. —Leni suspira.
— Você está certo. —Adrian responde.
— Eles estão com você? —Louis se vira para Adrian.
— Sim.
Um grupo de soldados armados se aproxima e suas roupas pretas revelam o nome da Fundação SCP, a mesma organização que Leni evitara mais cedo.
— Vamos. —Um dos soldados diz. — Montamos uma base militar aqui perto.
Louis e Adrian concordam com a cabeça e entram no camburão. Leni hesita, mas acompanha a dupla e se pergunta o quão fundo ele precisaria ir para matar as bestas infernais.
Mesmo perplexo com tudo o que aconteceu, Louis suspira de alívio por ter escapado e reencontrado Adrian, e agradece por poder lutar mais um dia.
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