Capítulo VI - Mar de Tormentas
Ainda se recuperando do encontro nada agradável com Leshen, Louis repousa numa cama improvisada que Leni montou há pouco tempo. Ciente dos perigos que a ilha oferece, ele volta a se indagar sobre Adrian e o paradeiro do pai.
Mesmo receoso, Louis deposita toda a sua esperança na capacidade deles não fazerem merda, pelo menos não aqui. A preocupação lentamente toma conta da sua mente e logo Leni o interrompe.
— Tenho alguns curativos aqui. —Ele pega uma caixa de primeiros socorros.
— Espero que seja o suficiente. —Louis demonstra bom ânimo. — Aliás, como conseguiu isso?
— Longa história. —Leni retira uma bandagem da caixa. — Não temos tecnologia como no restante do mundo, mas também não somos bárbaros.
— Não foi isso o que eu quis dizer. —Louis desvia o olhar e fica sem graça.
— Eu sei, tô zoando contigo.
Uma curiosidade súbita e genuína surge em Louis, o fazendo se questionar mentalmente sobre o Lugar Nenhum. Ele sabe pouco sobre a ilha e o livro deixado por seu pai não apresenta informações completas o suficiente.
Além de ser um lugar místico e de difícil acesso, o Lugar Nenhum contém uma magia ancestral e desconhecida, sendo fonte de experiências sobrenaturais e uma ponte direta para algo que foge da compreensão humana.
— Seu rosto tá bem fodido. —Leni diz. — Amanhã dou um jeito de fazer uma compressa fria.
— Nem me diga. —Louis responde disfarçando seu semblante triste. — Tô torcendo pra não ficar deformado.
— Deformado você não ficará, seu rosto só tá inchado. Além do mais, você tá precisando de umas cicatrizes.
— Caso não saiba, isso já saiu de moda. —Louis faz uma careta. — Estamos no século vinte e um.
— Eu seria considerado feio lá fora?
— E eu por acaso fico observando outros homens?
— Achei que sim. —Leni tenta segurar o riso. — Frágil assim, você só pode ser gay.
— Que estigma ridículo.
— Foi mal.
Louis hesita em responder e apenas se concentra em Leni enfaixando seus antebraços, cobrindo as facadas que Leshen lhe causou anteriormente. Mesmo sendo um cara bruto, ele é bom no que faz e não é um completo bárbaro.
— Tira a camisa. —Leni pede.
— Não acho que preciso de mais bandagens. —Louis se envergonha.
— Não vou te mumificar, só vou passar uma pomada nas regiões que sofreram impacto.
— Ok. —Louis retira a camisa. — Seja rápido.
— Você até que é forte pra alguém da sua estatura. —Leni diz dando petelecos no peitoral de Louis. — Mole igual papel.
— Vai continuar me humilhando ou vai passar a pomada logo?
— Vamos lá.
Leni despeja um pouco da pomada no abdômen de Louis e espalha até a parte hipogástrica, e Louis se refresca com o frescor da menta. Alguns segundos depois, o produto começa a agir e Louis já não sente mais a dor insuportável de antes.
— Quer ver as minhas cicatrizes? —Leni pergunta sem receio algum.
— Dependendo de onde elas estiverem, sim. —Louis se senta na cama improvisada.
— Veja. —Leni tira a camisa e aponta para uma cicatriz de aproximadamente seis centímetros no flanco direito. — Essa eu consegui numa briga uns anos atrás.
— Briga com quem?
— Um maldito que me atazanou numa taverna.
— Foi briga de faca?
— Espada. —Leni pega a mão de Louis e a põe na cicatriz. — Sente ela.
— Credo. —A mão de Louis percebe o relevo. — Doeu?
— Só depois que a briga acabou. Na hora, a adrenalina não deixa a gente sentir o que nos atingiu.
— Comigo foi bem diferente, eu senti tudo no mesmo instante. —A mão de Louis continua a perceber o relevo da cicatriz.
— Tenho essas nos braços e uma nas costas. —Leni se vira. — Viu? Isso foi um urso.
— Que coisa horrorosa. —Louis se assusta.
— Espero que você não encontre um urso por aí.
— Espero não encontrar o urso que te deixou esse presente, isso sim.
— Relaxa, ele tá morto. —Leni retira um pequeno recipiente da caixa. — Agora vamos tratar essa perfuração na sua coxa.
— Ah. —Louis se lembra do acidente no avião e de quando Leni apertou seu ferimento durante o sequestro.
— Tira a calça.
— Aí já é de mais.
— Prefere que eu rasgue ela?
— Prefiro que você não faça nada.
— Deixa de bobeira. —Leni retira o cinto de Louis e abaixa sua calça até a metade das pernas. — Não foi tão difícil.
Louis se sente desconfortável, mas não interfere, afinal, Leni tem quase o dobro do seu tamanho e da sua força. Na última vez que ele tentou resistir, não foi a decisão mais sábia e mesmo que os dois estejam do mesmo lado, Louis teme que o caçador o traia.
Ele entende a importância de tratar seus ferimentos antes que eles piorem, então Louis apenas concorda internamente que é necessário passar por esse vexame.
Leni despeja um líquido viscoso na coxa de Louis e cobre com a mão, no intuito de gerar calor e o efeito surgir. Sem demora, ele retira a sua mão e a perfuração simplesmente some num piscar de olhos, como se o líquido tivesse acelerado o processo de cicatrização.
— Porra. —Louis se espanta. — Isso é algum tipo de magia?
— Nem eu sei. —Leni guarda as coisas na caixa de primeiros socorros. — Só sei que funciona muito bem.
— Obrigado pela hospitalidade.
— Me agradeça mais tarde, por enquanto apenas repouse porque o dia de amanhã será longo.
— Vou enfrentar mais uma besta infernal? —Louis suspira. — Tô brincando muito com a sorte ultimamente.
— Pra sua felicidade, só vamos caçar. —Leni deita na sua colchonete. — Não tem como lutar com fome.
— Menos mal. —Louis se ajeita na cama improvisada. — Vai ser difícil dormir nesse amontoado de pano velho e palha.
— Quer deitar comigo? Não tem muito espaço, mas é mais confortável.
— Não, obrigado.
— Então acostume-se. Boa noite.
— Antes de dormir, me responda uma coisa.
— Só não tome muito do meu tempo.
— O que mais tem nessa ilha?
— Tipo?
— De ameaças.
— Tudo. Desde as bestas infernais até um espectro que se confunde como governante daqui.
— Espectro? Tipo um fantasma?
— É mais complexo do que isso, mas se te conforta, sim. É um fantasma que nos assombra há meses...
Sem perceber, Louis acaba dormindo e perde a explicação. Leni, por outro lado, continua tagarelando para as paredes enquanto tenta se proteger do frio.
Reza a lenda que um forasteiro invadiu a ilha junto de uma seita milenar e trouxe os restos mortais de uma mulher. Sabendo da magia ancestral do Lugar Nenhum, esse homem buscou pelas águas de uma fonte termal conhecida como Fonte das Lamúrias.
Cegado pela própria obsessão em reviver a esposa, o homem cruzou o limite entre a vida e a morte ao repousar o cadáver da amada naquelas águas, corrompendo toda a ilha e libertando uma maldição conhecida como Névoa Negra.
A Névoa Negra consumiu o antigo reinado da ilha, obliterando a região do castelo e ceifando a vida das pessoas que habitavam aquela região. Consequentemente, suas almas se tornaram marionetes daquele que corrompeu a Fonte das Lamúrias.
Partindo do fatídico dia, o homem ficou conhecido como Sahara, o semeador da peste, e vendo o que fizera, buscou ajuda no inferno. Num acordo nada vantajoso, ele acabou abrindo uma passagem para as bestas infernais.
Com as criaturas profanando o solo do Lugar Nenhum, o restante da ilha foi polarizado e dividido em tribos, cada uma adorando uma besta infernal em específico.
Demogorgon era adorado pela tribo subterrânea, a vila cultuava Leshen, a tribo que comanda o deserto adora Nexu, Wendigo é venerado pelos caçadores e Slyzard adormece numa prisão do castelo.
Quanto à mulher que Sahara tentou reviver, alguns dizem que seu espírito se recusou a voltar à vida e outros dizem que ela era uma Guardiã do Tempo, e que seu propósito na terra já havia se cumprido.
— Louis? —Leni se levanta. — Não acredito que você dormiu.
Vendo que Louis já estava no décimo sono, Leni pega uma das cobertas e o cobre contra o frio. Inegavelmente, Leni observa as feições do garoto e o compara com as de Sahara, fazendo uma teoria surgir em sua mente.
— Será que você é o filho que ele deixou para trás? —Leni continua observando Louis. — Se eu estiver certo, você é a nossa chance de acabar com tudo isso.
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