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Capítulo II - Lugar Nenhum

Algum tempo se passou e Louis recobrou a consciência. Com medo de se afogar novamente ou de chamar a atenção de algum animal indesejado, ele começou a boiar e não demorou muito até sentir umas pedrinhas incomodando sua pele ardente.

Tentando se recuperar do choque anterior, ele olhou para o céu noturno e se perguntou quantas horas se passaram desde o acidente. Sem respostas viáveis, já que ele estava sem relógio, Louis percebeu o amontoado de areia e se levantou com dificuldade por causa dos ferimentos.

Aquela porção de terra só poderia significar uma coisa: ou ele caiu perto de alguma ilha ou ele estava no Lugar Nenhum, o destino da expedição.

Em ambos os casos, ele continuaria ferrado se não achasse abrigo ao menos para aquela noite e foi isso que ele decidiu fazer. Na manhã seguinte, ele procuraria ajuda e verificaria as redondezas em busca do Adrian.

— Um problema de cada vez, Louis. —Ele disse para si mesmo enquanto dava passos cautelosos.

Estava escuro e pisar em algo pontiagudo não era o melhor a se fazer. Mais um machucado só pioraria as coisas e seu senso de perigo o deixou alerta, mesmo sem enxergar um palmo a sua frente.

Seu corpo tremia na intenção de repelir o frio e os mosquitos que insistiam em picar as partes expostas. Louis estava vivendo um verdadeiro dia de cão e sua ficha não tinha caído.

Caminhando mais um pouco, ele viu uma vegetação densa e estranhou o fato de ter algo assim tão próximo de uma praia. Ao se descuidar e pisar num galho solto, Louis paralisou depois de escutar alguém se aproximando.

Ele até pensou em perguntar se era Adrian, mas o medo de não ser foi maior e isso o fez ficar de bico calado. Qualquer encontro desagradável provavelmente seria o seu fim.

Um homem um pouco mais alto se aproximou devagar e isso assustou Louis. Era musculoso, vestia uma roupa de caça e tinha uma pintura de guerra no rosto, além de portar um arco e algumas flechas na aljava em suas costas.

O homem avistou Louis paralisado e o derrubou num reflexo quase instantâneo, sem dar tempo de reação para o garoto escapar ou ao menos se defender. Louis procurou uma brecha para meter uma joelhada no meio das pernas do seu agressor, mas desistiu ao sentir o peso dele em sua cintura, quase o esmagando.

Como se não bastasse estar imobilizado, o homem segurou seus dois braços com uma única mão, dando a sensação a Louis de ser bem maior do que ele havia medido. Numa tentativa desesperada de soltar um berro altíssimo, o homem socou Louis na costela direita e enfiou um pano em sua boca, fazendo menção de silêncio com a mão que lhe sobrava.

Sem esperanças, Louis sentiu a mão do homem percorrer seu corpo, desde a parte de cima até perto dos calçados, enfatizando seus bolsos laterais e sua cintura, como se procurasse por alguma arma ou coisa do tipo. Vendo que não achou o que buscava, o homem amarrou as mãos e os pés de Louis, e o jogou por cima do ombro esquerdo.

Louis se debateu, mas em vão. O brutamonte definitivamente era mais forte fisicamente e resistir seria mais doloroso, então ele só aceitou o sequestro repentino enquanto aguardava por uma oportunidade de fuga.

Alguns passos a diante, o homem o jogou no chão e retirou o pano de sua boca, e Louis cuspiu em sua cara no intuito de ao menos provocar o filho da puta, sendo retribuído com um apertão na coxa ferida. Com medo de demonstrar fraqueza, Louis soltou um grunhido e se segurou para não chorar.

— Vai continuar resistindo assim? —O homem falou.

— Vai se foder. Se quer me matar, faça isso logo. —Louis tentou parecer ameaçador.

— Não quero te matar. —O homem riu. — Mas conheço alguém que quer e vou te levar até ele.

— Ah, é? E vai receber o que por isso? Dinheiro?

— Um favor em troca de outro.

— Podemos negociar, o que ele te ofereceu? Eu ofereço o dobro. —Louis insistiu.

— Você não tem o que ele tem, agora cala a porra da boca antes que eu enfie esse pano na sua goela.

— Ao menos me diga pra onde vamos.

— Algo parecido com o inferno. Você vai gostar, te garanto.

O homem tornou a por Louis no ombro e voltou a caminhar, entrando no matagal e passando por uma estreita trilha. Alguns fitilhos machucavam Louis, realizando pequenos cortes principalmente no seu braço e isso começou a incomodá-lo.

Minutos depois, eles chegaram até a entrada de uma gruta enorme e o homem jogou Louis numa espécie de elevador rústico feito de madeira, e o negócio começou a descer com o peso.

— Boa sorte! —O homem sorriu de forma sarcástica e acenou se despedindo.

Louis tentou afrouxar o nó da corda que prendia seus pés, mas não conseguiu e quando menos esperava, chegou ao final do elevador. O ar era tão rarefeito que ele supôs estar no último andar da gruta. Sem tempo para teorizar, um carrinho de mina chegou até a beirada do elevador e Louis foi empurrado pelo mecanismo.

O carrinho começou a se mover numa velocidade considerável e Louis sentiu todas as pancadas do chão irregular, lhe dando uma enxaqueca principalmente por causa do ranger das rodas desgastadas em atrito com os trilhos enferrujados.

O local, antes escuro, passou a ficar iluminado por tochas e suas chamas avermelhadas como o fogo do inferno. O homem não estava brincando quando disse que era para lá que ele iria. Sem demora, o carrinho freou bruscamente e a força do impacto jogou Louis em terra fofa.

Confuso e cegado pela poeira que se levantou, Louis voltou a enxergar e viu uma espécie de arena. Havia uma pequena multidão, talvez dezenas de pessoas, sentada em bancos petrificados e que formavam um círculo, dando a sensação de estar bem acima de onde Louis estava.

— E o nosso convidado de honra chegou! —Uma figura adornada com peles de animais e pedras brilhantes anunciou em voz alta. — O nosso gladiador que caiu do céu!

— Você tá falando comigo? —Louis o questionou no mesmo tom.

— Calado, escória! —A figura respondeu.

Em conjunto, a platéia imitou sons vergonhosos de zombaria e ficou furiosa. As paredes da gruta tremiam a cada grito e aquilo preocupava Louis.

— Fiquem calmos, nosso espetáculo já vai começar. —A figura fez um sinal para dois homens do lado oposto.

Louis acompanhou com o olhar e viu uma porta com estacas de madeira levantar, abrindo passagem para um corredor largo, estreito, escuro e assustador. Um rugido descomunal ecoou pela arena, arrepiando os pelos dele e o fazendo ficar em alerta.

Correndo o olho para longe do beco, Louis encontrou Adrian desacordado e amarrado numa espécie de fogueira improvisada. Assustado com a possibilidade de ver o piloto ser queimado vivo, Louis arquitetou um plano para escapar e salvá-lo, mas foi interrompido pelo barulho de passos pesados vindos do corredor.

Segundos depois, uma criatura bizarra surgiu da escuridão e o amedrontou com seu olhar penetrante. Era um ser bípede, com duas cabeças que remetiam aos macacos babuínos, uma pele semelhante a de um peixe, pés de dragão e no lugar das mãos, eram tentáculos de polvo. Sua cauda bifurcava na ponta, dando a ideia de serem duas lâminas pontiagudas.

— Salve, Demogorgon! Nosso salvador! —Todos ali presentes reverenciaram à criatura.

— Salvador? Salvador de quem? Isso veio do inferno, seus malucos! —Louis entrou em desespero e tentou soltar as cordas.

À medida que a criatura se aproximava lentamente, Louis se desesperava ainda mais até conseguir se desprender, ficando com os pés e as mãos livres. A criatura lambeu os beiços, como se estivesse com fome, e logo correu na direção da sua presa.

Louis se jogou para o lado oposto e a platéia entrou em êxtase, assoviando e aplaudindo a cena. Sem precedentes, o Demogorgon se enfureceu e lançou uma investida poderosa contra Louis, o jogando com brutalidade na parede da arena.

Louis perdeu a consciência por um instante, mas recobrou no mesmo segundo em que o monstro se aproximou novamente, pronto para dar seu golpe final. Louis desviou por pouco, sentindo um corte em sua bochecha. Ele olhou para Adrian e percebeu que acenderam a fogueira. Seu tempo era curto.

— Porra! Me dêem algo pra me defender. —Louis gritou. — Um revólver, uma faca, sei lá!

— Joguem aquela espada enferrujada. —A figura de antes ordenou. — Isso vai ser divertido.

A espada caiu perto de Louis e ele a pegou, sem saber como manusear e quase cedendo ao peso dela. Ele fechou os olhos e respirou fundo: matar a criatura seria impossível, então o melhor jeito era causar um tumulto.

Louis empunhou a espada e calculou um arremesso na direção da figura soberba. Ela com certeza era quem liderava esses malucos, atingí-la iria desestabilizar a multidão e esse seria o momento perfeito para escapar. O problema era Louis nunca ter matado alguém antes, sua moral acabou o impedindo de prosseguir com o plano.

O Demogorgon urrou e surrou o peitoral, se preparando para mais uma investida e Louis, desesperado, encostou na parede com a espada apontada para a criatura. Sem que ele esperasse, o Demogorgon avançou em sua direção e cravou a cauda na parede, deixando Louis preso.

A criatura aproximou uma das cabeças e o cheirou. Talvez fosse um jeito infernal de humilhação ou ele apenas estava conferindo se valeria a pena o esforço para comer Louis. Para o seu espanto, não era nenhuma das alternativas.

— Aka libe no. —O Demogorgon pronunciou e fez uma reverência a Louis.

Louis, esperto como sempre, aproveitou o momento de vulnerabilidade da criatura e a própria adrenalina que havia tomado conta do seu corpo, e desferiu um golpe que atravessou um dos pescoços do monstro, o fazendo urrar de dor.

Ao contrário do que Louis esperava, o Demogorgon se enfureceu e voltou a sua atenção contra os seus adoradores, disparando uma saraivada de fogo pelas suas bocas. A multidão entrou em combustão no mesmo instante e Louis escalou a parede com dificuldade por causa da coxa ferida, indo de encontro com Adrian.

Apreensivo, Louis o libertou da fogueira antes que o fogo o consumisse e tentou carregá-lo nos braços, mas o peso de Adrian era maior e isso impossibilitou Louis de prosseguir. O Demogorgon, após queimar seus seguidores, viu Louis com Adrian nos braços e correu na direção deles, não para atacar e sim para oferecer ajuda.

A criatura abaixou uma das cabeças e seu olhar transpareceu submissão, e Louis acabou montando junto com Adrian. Os três fugiram em direção à saída enquanto o fogo se alastrava e causava uma ruptura nas rochas, fazendo o local desmoronar gradativamente.

Antes que alguma pedra pudesse fechar a saída, o Demogorgon lançou os dois para fora da caverna, apenas para ser esmagado em seguida por uma rocha do dobro do seu tamanho. Ao menos os dois estavam seguros e a criatura, antes de dar seu último suspiro, piscou serenamente para Louis como se quisesse comunicar algo.

— Você tá vivo. —Adrian recobrou a consciência.

— Por pouco! Me admira você estar vivo. —Louis sorriu aliviado.

— Vaso ruim não quebra.

— Eu espero que sim.

— O que houve? —Adrian se levantou com dificuldade e Louis o ajudou.

— Nada fora do normal. Só um bando de malucos, fogo e destruição. —Louis escondeu a parte do Demogorgon propositalmente.

— Eu só me lembro de ter caído do avião, depois disso eu desmaiei.

Louis tirou a camisa e rasgou um pedaço considerável para fazer um curativo na perna. Depois conferiu Adrian e percebeu que ele não tinha machucados profundos. Apenas arranhões, algo suportável.

— Não precisava ter tirado a camisa pra isso. —Adrian debochou.

— E você acha que eu vou andar por aí com um pedaço de pano? É melhor ficar sem, nem faz diferença. Pelo menos minha coxa não vai infeccionar, eu acho.

— Bom, você tem um ponto.

Ali eles ficaram se encarando por um tempo, ambos tentando recuperar o fôlego. Adrian estava grato por Louis tê-lo salvo do desmoronamento. Afinal, somente isso aconteceu para ele.

— Oras, pelo visto vocês escaparam. —O caçador retornou.

— Você de novo não. —Louis suspirou.

— Pode ficar aí, seja lá quem for. Mais um passo e eu te arrebento até os dentes. —Adrian tomou a frente de Louis, o protegendo.

— Relaxa, pessoal. Eu não teria coragem de machucar vocês, não depois do que eu vi o rapaz aí fazendo.

— Eu? —Louis respondeu escondido atrás de Adrian. — Aquilo foi sobrevivência, coisa que eu deveria ter feito quando você me atacou e me trouxe pra cá.

— Ainda bem que não fez. —O homem retrucou. — Temos bastante em comum, podemos nos ajudar.

— Nós não queremos a sua ajuda. —Adrian levantou o tom de voz.

— Tudo bem. —O homem retirou um livro da mochila. — Acho que isso pertence a vocês.

Louis pegou o livro com cuidado e olhou para a capa, percebendo ser o livro que seu pai deixou para trás antes de desaparecer. Estava incrivelmente intacto, nem parecia que caiu na água salgada.

— Obrigado. —Ele respondeu voltando para trás do Adrian.

— Não há de quê. Agora se me permitem. —O homem fez uma reverência debochada e saiu. — Você não conhece o que está enfrentando.

— Digo o mesmo. —Adrian respondeu.

— Não falei com você.

Adrian pensou em responder, mas seria perda de tempo. O correto era ele por medo em alguém já que era mais alto e mais forte fisicamente, e não o Louis que era mais baixo e mais fraco.

— Vamos procurar um lugar pra passar a noite. —Louis interrompeu os pensamentos de Adrian.

— Vamos fazer um combinado? —Adrian revirou os olhos. — Eu sou o mais velho aqui, eu dou as ordens.

— Fique à vontade, senhor. —Louis desdenhou com as mãos. — Só espero que você não nos mate, esse lugar é mais perigoso do que eu imaginava.

Adrian estava em dívida com Louis e se sentia na obrigação de retribuir de alguma forma. Afinal, ele acabou de salvar sua vida, mas para Louis isso não importava. O importante era saírem vivos dali.

Se antes restavam dúvidas de onde eles estavam, elas já sumiram. Louis sabia o que esperar e Adrian não. Depois daquele encontro místico, a ilha definitivamente era o Lugar Nenhum, a última pista do paradeiro de Norman.

O que aconteceu com você, pai?

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