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Esperança

Anis está ao fogão, calada como nunca.

Faz uma semana que meu pai saiu do Complexo para vigiar a remoção do armamento para o lugar onde vamos morar. Eles devem retornar daqui a uma hora, conforme o planejamento.

Sato nos tirou muita coisa, mas não pensou no arsenal que eu comando, nem em reforçar a segurança do prédio onde sua família mora, do lado de fora.

O que me revela o quanto ela me subestima.

Sinto muito por ela.

Meus irmãos estão brincando no corredor, enquanto esperamos o almoço ficar pronto.

- Está calada, mamãe.

Ela suspira.

- Estou preocupada. Seu pai deu notícias?

Eu também estou preocupada, mas Almeida está com ele. E, apesar de tudo, confio em Almeida.

- Dê um crédito a ele. Almeida disse que estão bem, até nadaram na represa.

- Espero que estejam mesmo. Põe a mesa, filha.

Faço como ela pediu e chamo meus irmãos para lavar as mãos.

Anis parece abatida. Como eu, não dorme há dias.

- Cristiano, como ele está?

Dou de ombros.

- Eu quero ver o Cris. - Vítor pede.

Acaricio seu rosto. O que mais quero é ter aquele homem de volta.

- Cris está trabalhando muito. Mas vou pedir que ele venha buscar vocês dois para ficar um tempo com ele.

- Ebaaaaa.- eles gritam, juntos. Sentem falta dele também.

- Nos falamos essa madrugada. Ele levou meu rádio, escondido. Está bem, sim. E disse que está com saudades de nós.

Anis segura minha mão e sorri, tentando me confortar.

- Ele faz falta, aqui.

Tento sorrir, mas não consigo. A falta que ele me faz está me tirando o sono, o apetite e a vontade de continuar fingindo que não estou entrando em desespero.

- Ele faz falta. Mas é necessário que fique lá.

Ouço uma batida na porta. Levanto e vou atender.

- Ferreira.

Ele bate continência e sorri de um jeito perverso.

- Major, você tem até as dez da noite para deixar esse apartamento. Ordens de Sato.

Ah, essa mulher vai pagar.

- É meu apartamento. Está no meu nome, foi pago.

- Sato devolveu o dinheiro ao comprador. Agora é propriedade do Conselho e faz parte da ala médica. Você, como militar, não pode ficar aqui.

O que ainda me impede de encher a cara deles de tiros?

- Às dez da noite, voltarei para confirmar que você o desocupou. Do contrário, será despejada.

- Vá para o inferno, Ferreira.

Bato a porta na cara dele. Mas a realidade é cruel. Terei que desocupar o apartamento. Minha mãe e meus irmãos estão olhando para mim. Alcanço o rádio reserva e chamo Tetso.

- Sim, Comandante.

- Tem algum dormitório livre ou já ocuparam todos?

- Dois livres.

Respiro fundo, tentando me acalmar.

- Mande um blindado e cinco homens para o meu apartamento, daqui a uma hora. Não dê esses dormitórios para ninguém. Vou ocupar os dois.

- O que aconteceu?

- Sato mandou desocupar o apartamento, já que faz parte da ala médica.

- Maldita.

- É. Ela é. Faça o que eu pedi.

- Sim, senhor.

Respiro fundo e olho para meus irmãos. Eles parecem preocupados. Sei que minha expressão não é das melhores.

- Terminem de comer. Temos umas coisas para fazer depois do almoço.

- Vamos ver o Cris? - Lucas pergunta.

Sorrio, uma ideia se formando em minha mente.

- Amanhã.

Sigo para a ala Militar, enviar meus homens para a ação.

Há um prédio que preciso monitorar. ~

Sato nem imagina o que a espera.

Meu cansaço é aparente. Os soldados me evitam por causa do que veem em meu rosto.

- Você precisa dormir.  - Anis avisa, fechando a porta do dormitório de Edgar, onde ela e meu pai vão ficar.

Eu tenho dois dormitórios para mim e meus irmãos, porque não quero acordá-los com minha rotina e os eventuais pesadelos.

- Eu sei. Mas vou fazer uma coisa antes. E preciso pedir a visita dos meninos a ala médica para ver o Cris. Dá uma olhada neles para mim. Estão dormindo.

Ela concorda e me segue até o novo dormitório, que está uma bagunça federal. Não tive tempo de arrumar nada, nem vou pensar nisso. É tarde, preciso levar a chave do apartamento a Sato.

Depois de deixar minha mãe com meus irmãos, vou até o gabinete do Conselho.

Sato está lá e sorri ao me ver.

Bruxa maldita.

Jogo a chave do apartamento sobre a mesa dela. Sato não desvia o olhar.

- Está à disposição do Conselho. - digo.

- Obediente. Gostei.

Maldita. Maldita. Maldita.

- Aproveita, Sato. Não serei obediente para sempre.

Vejo uma sobrancelha erguida.

- Espero que seja, na verdade. Tudo isso está acontecendo por sua causa. Se seu comportamento melhorar, as coisas podem voltar ao normal.

Sorrio. Ela sabe mais do que deveria.

- Eu sou uma ótima comandante.

- Você acha que é.

- Você disse que sou.

Ela dá de ombros e fica de pé.

- Disse. Mas me precipitei.

- Por que? O que eu fiz de errado?

- Estou prestes a descobrir.

Sorrio mais largo.

- Quando descobrir me diga. Estou ansiosa para saber o que te fez mudar de ideia a meu respeito.

O sorriso dela é puro sarcasmo.

- Oliveira será promovido a Comandante da Força Vigilante. Enviarei o ofício amanhã, mas é bom que você saiba.

Grande novidade!

- Está atrasada. Eu não controlo aquela corporação há meses.

- Ainda controla os vigilantes dos portões. O que vai mudar à partir de amanhã.

Sim. O que eu não via. O que faltava para me prender aqui. Mas não vou responder, não darei a ela esse prazer.

- Meus irmãos querem ver o Cristiano. Sentem falta dele. Agende uma visita, por favor. Cris é o pai deles, para todos os efeitos.

- Isso não vai acontecer. - ela responde, quando ameaço sair da sala.

Volto a encará-la. Ela vai rejeitar, eu sabia.

- Faça como quiser, Conselheira. O poder é seu.

- Ainda bem que você sabe disso. - ela diz, antes que eu possa bater a porta.

Essa maldita vai pagar caro por tudo o que está fazendo. Com determinação, sigo até a sala de monitoramento. Ainda sou Comandante deles.

E, de fato, minha entrada é permitida. Oliveira está de plantão, observando os vigias trabalharem.

- Capitão... Precisamos conversar.

Qualquer aliado é válido em uma guerra.

Oliveira sorri.

- Claro, Lana. Senta.

- Esvazia a sala.

Ele fica sério e obedece, tirando da sala todos os homens em serviço.

- O que aconteceu? Você parece abatida.

Respiro fundo.

- É hora de você saber algumas coisas.

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