Surpresa Impossível
Mas qual seria o motivo desse ódio?
O que poderia ter acontecido entre eles para desencadear isso? Além do fato de que papai tentou matar Cristiano.
- Quer que eu vá, Lana? - Edgar pergunta.
- Sim. Venha conhecer alguns dos meus protegidos, papai.
Ele sorri, concordando com um gesto e volta a sua comida.
Cris está visivelmente sem jeito. Sabe que vai ser dificil ter Edgar conosco por algumas horas. Que dirá morando no mesmo espaço.
Gordo muda de assunto, falando sobre a qualidade dos novos suprimentos que recebeu no último mês.
Me sinto tonta, perdi a conta de quantos copos de vinho tomei. Uma música agitada começa a tocar. Gordo e Ivone levantam da mesa e dançam juntos. Papai se despede de mim.
- Vou dormir. Te amo, filha.
Edgar beija minha testa e se vai. Bianca também vai dormir. Cris me deixa sentada e vai ao banheiro.
- Sua família é linda.
Olho para o lado. Oliveira, não o vi chegar. Ele se senta ao meu lado. Não sei se quis zombar de mim pelo clima entre Cris e papai. Mas não darei a ele o gosto de me ver chateada por isso.
- Obrigada. Eles são tudo o que tenho.
Estou meio grogue. Gordo me puxa para dançar com ele e Ivone. Me sinto desengonçada.
- Não fique perto dele. Cristiano não vai gostar.
Contínuo dançando sem responder.
Uma mão puxa a minha, quase caio. Estou zonza.
Um chocolate aparece. Olho para cima e vejo Oliveira o oferecer a mim.
- Açúcar. Vai te deixar mais sóbria.
Sorrio e agradeço, colocando o bombom inteiro na boca. É gostoso, recheado com cereja. Meu favorito.
- Como sabe?
Começamos a dançar, um de frente para o outro e acho que estou perto demais.
- Sei muito sobre você.
Olho em volta. Os casais dançam agarrados. Junior e Ângela, Almeida e Silvana, Gordo e Ivone.
Meu par está parado a porta, nos observando. Uma música lenta começa. Sorrio.
- Se me der licença, Oliveira, vou dançar com meu noivo.
- Me chame de Felipe.
Olho em seus olhos. Vejo carinho. Isso está errado. Ele não deveria sentir carinho por mim, por que não sinto nada mais que pena dele.
- Tchau. - sussuro, na esperança de não vê-lo mais essa noite.
Cris sorri para mim. Mas antes de chegar até ele, tropeço em meus próprios pés e caio, apoiando as mãos no chão.
- Você está bem? - Cris pergunta, me ajudando a levantar.
Solto uma gargalhada e o abraço, beijando seu pescoço. Ele também ri e me envolve com seus braços quentes.
- Estou bêbada! - sussurro.
- Está. Você deveria beber menos, Princesa. - ele sussurra, cheio de humor.
Beijo a pele de seu pescoço e vou traçando um caminho delicioso, até chegar a sua boca. Cris me abraça mais forte.
- Quero ir para o quarto! - peço.
Cristiano me pega no colo, caminha para fora da sala em direção ao elevador. Não nos despedimos de ninguém, mas não faz mal, amanhã peço desculpas.
Cristiano me abraça apertado toda vez que se aproxima.
Nossos protegidos mal nos deixam sozinhos. Estão agradecidos e deslumbrados com os presentes.
- Lana, eu queria muito esse perfume. - Clara, uma das mais novas, me abraça.
Beijo seu rosto.
- Imaginei que sim. Tem um cheiro maravilhoso. Olha esse batom. - mostro a ela um batom roxo, parecido com o que Cris me deu. Ela sorri mais ainda.
David, o menino que um dia foi gordinho, sorri, mostrando a Cristiano como ficou o conjunto de frio que ganhou. Eles ficaram felizes com a nossa visita e precisavam dos presentes.
- Nós demoramos porque tivemos muitos problemas. Sou Major, agora, vocês sabem. Comando duas corporações.
Eles sorriem, olhando para mim.
Os seis não foram adotados e permanecem na Casa de Órfãos, agora aprendendo profissões.
Clara está aprendendo a trabalhar com Educação Infantil, Pedro será instrutor de informática, Amanda será Bibliotecária, David quer ser professor de matemática.
Hugo e Pablo querem ser cientistas e professores. Foram para ala agrícola, pesquisar. Voltarei amanhã ou depois para vê-los.
- Sabemos, Lana. De tudo. - Clara diz, sentando ao meu lado.
- Sim, sabemos! - Pedro concorda. - Fofoca aqui é o que não falta.
Pedro tem uma pequena cicatriz no queixo, lembrança eterna dos nossos dias difíceis.
- Nem tudo é verdade, mas tive grandes problemas.
- Boas notícias também. Somos namorados agora, vamos nos casar! - Cris anuncia.
As duas meninas gritam, correndo até mim, eufóricas.
- Sério? Lana, já escolheu o vestido? - Amanda pergunta.
Amanda tem a pele negra. Brilhante, reluzente.
- Não. Nem pensei nisso. Primeiro estamos cuidando de escolher nosso novo dormitório. Cris faz questão de termos um maior.
Elas sorriem e trocam olhares maliciosos.
Quatro meninos entram correndo na sala onde estamos e se jogam no colo das meninas.
Aparentam ter cinco ou seis anos. Estão bem vestidos e corados. Mas seus olhos denunciam a subnutrição, sem dúvida, foram tiradas das ruas há pouco tempo.
- Quem são? - pergunto.
- Foram encontrados na última visita que fizemos ao antigo Museu, há uns meses. Faz quase um ano, na verdade. Eles estavam em uma das salas, sozinhos. Aparentemente abandonados. - Amanda explica. - Disseram que você permitiu que eles entrassem.
Lembro vagamente de algo assim, crianças abandonadas em um museu. Mas há quase um ano, minha vida estava uma loucura. Tinha acabado de assumir as patrulhas como Capitã.
Dois deles tem a pele escura, como a minha. Bem mais clara do que a de Amanda. Os outros dois são morenos, parecem gêmeos.
- Quatro crianças sozinhas...
- Abandonadas, talvez perdidas. - Clara conclui.
Abandonados para morrer. Será que nasceram lá fora.
Os gêmeos não se aproximam. Pegam alguns brinquedos e sentam juntos, sem nos olhar.
Os outros dois, de pele negra, parecem mais expressivos. Mas seus olhos me parecem familiares demais. Observo seus sorrisos. Um deles acaricia meu rosto. O menor e mais ousado, também parece mais feliz.
- Tia, tem doce? - ele pergunta.
Sorrio e o pego no colo.
- Eu tenho no meu quarto. - digo a ele, sorrindo. - Posso trazer para você, depois.
A criança sorri ainda mais.
- Qual o seu nome?
- Vítor.
Vítor. Nome do meu irmãozinho mais novo. Meu peito aperta de um jeito estranho. Falei sobre eles com meu pai ainda ontem... Queria muito saber onde eles estão.
- Você tem um lindo nome. - sussurro, segurando as lágrimas.
Vítor teria doze anos agora.
- Tia, trás doce po meu rimão tamem! - ele diz.
- Quem é seu irmão? - pergunto, olhando para a outra criança mais triste e maior, que tem o tom de pele da mesma cor de Vítor.
- Ele. - o menino aponta. - Lucas.
Lucas. O nome do meu outro irmãozinho. O mais velho.
Isso é coincidência. Meus irmãos seriam muito mais velhos do que eles.
- Quem deu esses nomes a vocês? - Cris pergunta, se aproximando de Lucas, que o observa em silencio.
- Mamãe! - Lucas diz, se encolhendo contra Amanda.
Olho nos olhos de Cristiano. Ela sabe o que estou pensando.
- Onde está sua mamãe, Vítor? - Questiono.
- Foi embora. - Lucas sussurra, está olhando para mim agora.
Só coincidência? Dois meninos que são irmãos e tem o mesmo nome dos meus irmãos perdidos... Isso não está acontecendo.
- Eles estavam amarrados juntos. Acho que para não seguirem quem os abandonou. Em cada bracinho tinha um pedaço de pano sujo com seus nomes escritos em letras quase ilegíveis. Os outros gêmeos estavam juntos, mas não estavam amarrados e pareciam melhor alimentados. - Amanda explica. - Achamos que eles não sobreviveriam, Lucas e Vitor.
Olho nos olhos dos dois. Não quero ver os meus olhos neles. Os olhos do meu pai. Não quero ver o nariz de Suzana neles. Nem o contorno da boca que era de minha avó, mãe de Edgar.
Não quero ver, mas vejo. É o que vejo. Reconheço seus traços.
Suzana os abandonou. Por que? Quase um ano, onze meses.
Um mês depois que eu a vi, na rua, quando ela fugiu de mim. Eu era capitã das patrulhas, deixei algumas pessoas entrarem aqui sem a autorização de Souza.
Minha vida era um verdadeiro inferno. Mal dormia.
Será que ela premeditou? Abandonou os meninos onde sabia que seriam encontrados? Por que sabia onde eu estava. Ela me viu de uniforme e talvez sabia que eu os encontraria. Ou que seriam levados até mim. Por que eu os procurava. Ela sabia que eu os amava e o quanto eram importantes para mim.
Ela sabia que eu os procurava. Por que demorei tanto para vir aqui?
- Onde eles estão dormindo, esse tempo todo?
- Na casa de órfãos, com a gente.
Lá, não posso entrar. As visitas são restritas ao espaço escolar, que é aberto e vigiado. Para proteção deles. Já era assim quando eu morei por lá.
- Lana. Seu pai precisa ver... - Cris me lembra.
- Sim. - sussurro, olhando para Vítor, abraçado a mim, carente. - Ele vai chegar daqui a pouco, ele disse que viria.
Vítor e Lucas parecem carentes de afeto, como nossos protegidos quando eram menores. Quanto mais atenção tinham, mais pediam, por que achavam que todos iriam embora, como seus pais foram.
- Tia, no seu quaito tem blinquedo?
Sorrio, deixando as lágrimas caírem. Os dentes. Pelo Criador, os dentes! Passaram por tratamento. Deviam estar bem piores quando foram encontrados.
- Não tem. Mas eu posso arrumar alguns. - digo.
- Eu sei fazer umas coisas legais. - Cris diz, sentando ao meu lado e me abraçando.
- Lucas... Vem aqui. - peço, colocando Vítor no colo de Cris.
O menino de olhos tristes hesita. Só se aproxima de mim depois que Amanda incentiva. Ele senta na minha perna cruzada, me dá a mão e me observa.
- Vocês são lindos. Muito lindos.
O menino sorri, uma alegria que não chega a seus olhos. Beijo seu rosto, tentando controlar tudo o que está quebrado e tentando se refazer dentro de mim.
- Tia, porque está chorando? - Lucas pergunta.
- Porque eu gostei muito de vocês. Queria levá-los comigo. E nunca mais deixar vocês irem embora. - confesso.
- Quer ser nossa mamãe? Clara disse que alguém vai querer. - Lucas diz, me fazendo chorar ainda mais.
Pelo Criador! Eu poderia ficar mais triste e mais feliz?
- Claro que quero! Vocês dois são as crianças mais lindas que já vi.
- Pede pa Lola. Ela vai dexa! - Vítor diz, segurando a mão do meu Cris, seus olhos em mim.
- Quem é Lola? - Pergunto a Clara.
- A agente de adoção. - ela diz, analisando meu rosto. - Mal começou a preparar o casamento, quer adotar duas crianças?
Sorrio, enxugando as lágrimas.
- Eles parecem com meus irmãos que perdi por causa da guerra. - sussurro.
Elas parecem entender o que digo, trocam olhares. Olham de mim para os meninos. Comparam nossos traços.
- Meu Deus! - ouço papai sussurrar. - Não é possível.
Ele está à porta, nos olhando. Está pálido e de queixo caído.
Reconheceu meus irmãos.
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