Cap.5 Amigas eternamente
Jade Luisa de Cabral
(Cidade do Sabiá)
Estava chegando a hora. Eram 16:30 da tarde. Não sabia olhar a hora no relógio e papai precisava sempre me dizer para mim não me perder com o horário.
Faltavam poucos minutos para irmos embora da Cidade do Sabiá. Nunca tinha me mudado, mas ouvia relatos de que as mudanças eram necessárias.
Eu e papai não íamos deixar muito para trás. Apenas essa casa que já tinha sido vendida para um casal de idosos sem filhos.
Eu esperava que os novos moradores cuidassem bem de nossa casinha
A parte mais difícil ia ser me despedir das minhas amigas. Olhava ansiosa para o relógio pedindo a Deus em silêncio que os ponteiros parassem.
O relógio não funcionasse mais.
Pedia a Deus para papai desistir dessa ideia. Iria me avisar o imprevisto, pedir desculpas, eu iria o abraçar feliz e nós iríamos desfazer nossas malas.
Nada de choro, tristeza ou despedida.
Peguei o álbum de fotografias e encarei a primeira foto. Papai me segurava nos braços sorrindo.
Eu tinha 2 anos e sorria mostrando meus dentinhos.
Era sempre nós dois. Nossa família tão pequena.
— O que está fazendo, filha? — papai chegou na sala. Deixei o álbum de lado e corri para abraçar ele.
— Vendo fotos — eu respondi — O senhor queria me dizer algo? Uma coisa importante?
Olhei para ele ansiosa esperando que dissesse: "não vamos mais nos mudar. A casa é nossa e o casal de idosos não vão mais morar aqui."
Meu pai se chamava Joel.
— Te dizer algo? — sorriu e continuei ansiosa esperando a resposta — Como o que por exemplo? Está se sentindo bem?
— Não precisa se preocupar — eu logo o tranquilizei — Não estou sentindo nada. Eu sei que o senhor quer dizer alguma coisa. Falar da mudança, por exemplo.
— Ah sim. Iremos sair daqui a uma hora — pegou no meu ombro — Esteja pronta até lá. Precisamos chegar antes da meia noite.
— A casa está a venda? — perguntei rápido — Aquele casal vai mesmo morar aqui? Eles confirmaram? O senhor não pode pedir para o casal desistir?
— Acalme-se, minha filha, está falando muito rápido — papai sorriu franzindo a sobrancelha — Desistir? Mas por que eu tomaria uma atitude tonta dessas?
— Podemos voltar atrás — insisti tirando a mão dele do meu ombro — Por favor, papai, diga que não iremos viajar. Esse negócio da venda pode ser passageiro.
— Não diga bobagens, Jade, pare já com isso — saiu de perto de mim e sentou no sofá — Aprende uma coisa. Negócios são negócios. Na vida não podemos voltar atrás quando a gente bem entender.
Encarou o chão e soltou um suspiro. Estava sendo difícil para ele. Não era certo eu ser desobediente.
Precisavamos estar unidos ajudando um ao outro
— Me perdoe, me perdoe, me perdoe — ajoelhei na sua frente abaixando minha cabeça chorando — Estou sendo uma criança mimada. Eu não entendo direito sobre seus negócios. São coisa de adulto.
— Levante-se. Também não é para tanto — me ajuda a levantar — Você nunca foi mimada. Seja boazinha, separe a sua roupa, se arrume e me ajude com as malas combinado?
— Combinado. Vou parar de agir assim — enxuguei o rosto — Confio em você. Vamos ser felizes em outra cidade — senti uma lágrima cair próxima a minha boca.
— Perfeito. Se recomponha. É feio uma mocinha chorar por causa de besteira — ligou a televisão e a imagem ficou em foco.
Peguei uma vela. Com muito cuidado e atenção consegui riscar o fósforo e assim acender.
Subi as escadas com a vela, porque lá em cima era meio escuro e a luz no meu quarto estava queimando aos poucos.
Coloquei a vela em cima da cômoda. Me abaixei, puxei a mala que estava em baixo da cama, fiz um esforço ao sentir o peso das roupas e tentei abrir a mala.
— Como parece tão fácil quando são os adultos? Eles conseguem abrir e fechar as malas facilmente — puxei o zíper e percebi que ainda estava chorando — Pare com isso, Jade, é feio uma mocinha chorar por causa de besteira.
As vezes eu repreendia a mim mesma. Costumava repetir as palavras de meu pai em momentos onde me sentia triste ou com raiva.
Ele sempre sabia o que dizer. Era meu herói
Queria que nunca mudasse. A relação que tínhamos era de familiaridade e união
Eu peguei meu vestido longo azul com detalhes brancos. Vesti o vestido, logo calcei as meias brancas, uma sandália preta, coloquei as luvas nas mãos e peguei meu chapéu.
Meu pai pedia para mim usar luvas. Até ficava parecida com as mulheres adultas e gostava um pouco disso. Luvas para ir brincar, ficar em casa, passear.
Para evitar que eu sujasse minhas mãos com areia.
Ele se preocupava muito com a minha saúde. O chapéu sempre foi algo bem indispensável.
Todas as minhas amigas usavam.
Me olhei no espelho observando a fraca iluminação por estar longe da vela. As janelas do meu quarto continuavam com as pesadas cortinas impedindo que a luz do dia entrasse.
Joel achava que ia fazer mal para mim se um pouco de sol entrasse no quarto. Queria que fosse exagero dele, mas não era.
Eu podia ficar gripada com qualquer coisa. Obedecer suas ordens era minha obrigação.
Tudo para o meu bem
Comecei a dançar sozinha fingindo que nada disso estava acontecendo.
— Deixe-me apresentar. Sou a princesa Gabriela e hoje é o melhor dia da minha vida — continuei dançando parando em frente ao jarro de flores que ficava em cima da mesinha — Eu amo meu castelo e tenho as melhores flores. Aqui tem as minhas quatro convidadas, Diana, Ana Lúcia, Eunice e Luciana.
Gostava de imaginar que morava em um enorme castelo onde tinha cor, músicas, danças e podíamos escolher datas para a gente comemorar tudo.
A data comemorativa que me deixava feliz era o natal. Amava a magia.
Por mim ia ser natal todo dia e íamos viver felizes para sempre.
— Tem alguém me chamando — sorri — Quem ousa perturbar a princesa Gabriela? - parei de sorrir e falar por ter chegado muito perto da janela.
Me aproximei devagar ouvindo somente o som da minha respiração. Eu queria ver o pôr do sol, sentir o cheiro bom do bolo saindo do forno, pois nossa vizinha fazia bolos.
Queria sentir o vento no meu rosto, o aroma suave das flores, ver os pássaros voando e as borboletas.
Puxei as pesadas cortinas.
A primeira coisa que reparei foi em uma libélula voando. Depois o cheiro bom do bolo na casa da vizinha.
As folhas das árvores se balançando com o vento e as roupas estendidas nos varais.
Cada canto com sua beleza.Até roupas estendidas em varais se tornavam lindas por ter cores variadas.
Um mundo cheio de cores dava mais lugar a imaginação
Um mundo preto e branco, como em um eterno jogo de xadrez, trazia tédio, sono, preguiça e tristeza
Olhei para o pé de jambo que haviam plantado na calçada de nossa casa. Era um pé de jambo lindo e rosa. Na época certa as flores do jambeiro deixavam um tapete cor de rosa no chão.
Abri meus braços sorrindo para o pé de jambo. As poças de lama haviam sumido por causa do sol.
A chuva ficou para trás junto com o frio.
— Quem ousa perturbar a princesa? - voltei a brincar entrando rápido no personagem.
Um som de chaves interrompeu minha brincadeira.
— Jade Luisa, o que você pensa que está fazendo? — Joel entrou no quarto sem avisar e correu para perto de mim — As cortinas precisam ficar fechadas.
— Desculpa. Só estava brincando — o ajudei a fechar as cortinas e espirrei.
— Se afaste, Jade. Deixe que eu mesmo fecho — ele gritou e dei um passo para trás — Pedi para você se arrumar. Por que estava brincando ao invés de ir fazer suas obrigações?
— Estou arrumada — eu dei uma voltinha meio desanimada e surpresa por ter o escutado gritar — Achei que teríamos tempo. Pensei em brincar...
— Então não pense. Só faça o que eu te pedi — me encarou irritado — É para o seu bem, Jade. Tudo aqui está escuro e quente. É minha obrigação cuidar da sua saúde.
- Não vou voltar a repetir esse erro - sussurrei e abri a boca - Prometo - fiquei com a boca aberta e espirrei. Um espirro atrás do outro. Três vezes.
— Percebe como te faz mal? — pegou na minha testa e o observei arquear a sobrancelha — Fique aqui. Viajamos depois que estiver melhor. Vou pegar o seu xarope.
— Não é para tanto, pai. Nem sinto meu corpo dolorido e nem estou gripada — peguei no rosto dele — Foi só espirro. É normal espirrar. Talvez as cortinas que estavam com poeira.
— Está bem mesmo? Tem certeza? — me analisou ainda preocupado.
— Certeza absoluta. Te prometo. Não vou voltar a repetir esse erro — beijei a sua bochecha.
— Desça rápido.O pôr do sol começará em breve. Precisamos chegar antes da meia noite — me abraçou parecendo mais tranquilo, fechou a porta e desceu as escadas.
A princesa Gabriela sumiu junto com a riqueza do castelo imaginário. Sobrou só Jade Luisa, uma garota simples que não vivia aventuras.
Desci, tomei água, levei duas malas para o carro enquanto Joel vinha trazendo o restante das coisas.
Entrei novamente sem ele ver e fui para o quintal.
O balanço velho parecia solitário e sem nenhuma companhia. Sentei no balanço e suspirei. Ia sentir saudades do quintal e horas livres que passei brincando sozinha.
Eu fingia ser a princesa Gabriela no seu balanço em um jardim lindo cheio de plantas.
Fingia ser a princesa Gabriela com suas convidadas no enorme jardim do castelo.
Alguém me empurrava no balanço e eu ria sem parar.
Sempre tinha alguém comigo. Nunca ficava solitária.
Era eu e as minhas imaginações.
Uma lágrima caiu sem eu querer. E de repente eu me via chorando de novo.
Lágrimas davam aquela sensação de "limpeza".
Como se eu tivesse libertando o choro e não me forçasse a parar de chorar.
Escutei um som familiar.
Algo passou voando.
Era um sabiá lindo e majestoso.
Ele estava na bandeja do comedouro comendo umas sementes.
Um sabiá de verdade
Tinha conseguido atrair um pássaro justo no dia dessa mudança
O sábia virou a cabeça me olhando e eu segurei a respiração. Uma lágrima caiu próxima a minha boca e passei a língua.
Secretamente, quando chorava, gostava de passar a língua na lágrima que caísse próxima a minha boca. Salgada. Esse era o gosto.
— Adeus, sabiá — sussurrei — Obrigada por ter vindo. Parece que sabem quando precisamos de alguma visita.
— Jade Luisa — alguém gritou lá fora e me levantei — Cadê você, Jade?
Sai do quintal quando reconheci a voz. Pegando no portão de ferro eu vi uma menina vindo correndo.
Ela tinha seu cabelo cacheado.
— Diná? Não acredito — corri de encontro a ela.
— Ainda está aqui — gritou e finalmente nos abraçamos — Pensei que não te encontraria em casa. Poderíamos chegar tarde, mas teria valido a pena.
— Como é bom te ver pela última vez — disse me desvencilhando do abraço — Teve sorte. Já estamos arrumando tudo para viajar.
— Queria que fosse mentira — Diana olhou para o carro e me analisou — Você estava chorando?
— Não. Foi por ter ficado emocionada - menti — Eu também queria que tudo fosse mentira. Acordar desse sonho.
— Um sonho real, amiga — cruzou seus braços e meu coração pareceu acelerar. Deu um salto.
Acontecia com frequência quando Diana me chamava de amiga.
Ficamos em silêncio. Ela observando o carro, a rua, o pé de jambo. Eu com meu coração acelerado só podia focar minha atenção nela.
Ao seu lado nenhuma outra pessoa era mais importante
Desviei o olhar esperando a sensação de vergonha e culpa surgir. Esperei alguns segundos. Nada.
Onde se escondeu a vergonha e a culpa? Deus, como lidar com isso?
A impressão de ter mil borboletas aqui no meu estômago. Borboletas voando. Não paravam quietas.
— Jade Luisa — uma menina baixinha gritou.
— Esqueci de dizer. Luciana pediu para vim comigo — me abraçou de lado.
As borboletas pareceram voar cada vez mais.
— Diana me deixou para trás — disse se abaixando e pegando nos joelhos — Eu preciso de uma garrafa grande de água bem gelada.
— Minha pequena Luciana — usei o apelido carinhoso — Ah, meninas, obrigada. Alegraram minha tarde.
— Eu vou sentir saudades, Jade — Lú me abraçou — Posso ir junto?
— Seu lugar é na Cidade do Sabiá. Não é um adeus definitivo. Vou escrever cartas e vamos nos falar pelo telefone.
— Sim. Nosso lugar é nessa cidade e nós vamos continuar assistindo os filmes.
— E os fantasmas andando pelas ruas? — Lú se arrepiou e fez o sinal da cruz — Dizem que tem mato e casas velhas.
— Eunice e Ana Lúcia exageraram. No Lugar das Lendas é bonito — forçou um sorriso e lembrei da conversa de mais cedo. As meninas dizendo sobre espírito, matos e casas velhas.
— As lendas podem ser exagero - disse ajudando Diana — E não é como se fosse no fim do mundo. Fica a umas duas horas daqui.
— Podemos visitar Jade. A gente vai te levar, boba — fez cócegas em Luciana a fazendo rir um pouco.
Queria eternizar esse momento lindo.
Quem dera pudéssemos controlar o tempo.
— Gosta mesmo de mim? — encarei Diana e ela arqueou a sobrancelha.
Nossa, Jade, está sendo insegura
Costumava perguntar quase todo dia se elas gostavam de mim.
— Gostar é pouco — respondeu rindo — Significa muito para gente.
— Estamos só nós duas. Pode falar.
— Gosto tanto que apostei corrida com Luciana para virmos dizer tchau - disse sem desviar o olhar — Então se você conhecer amigos mais legais ou se apaixonar por um menino qualquer...
— Sem chances de me apaixonar - eu interrompi - Mesmo se fizer amigos... nunca esquecerei minhas primeiras amizades.
— Vai se apaixonar sim. Igual Eunice se apaixonou pelo Luisinho — Lú assustou a gente chegando devagar como uma gata.
— Engraçadinha. Se intrometendo onde não é chamada — fizemos cócegas nela — Se no futuro me apaixonar e esquecer vocês... podem ter certeza que eu fiquei doida.
— Jade, está na hora. Vá fechar a porta — meu pai me trouxe a realidade — Oi, mocinhas, como estão?
— Estamos muito bem, senhor Joel — responderam em uníssono — Façam uma boa viagem.
— Obrigado. Bebam água. Melhor se hidratarem — disse entregando duas garrafas de água — Jade escreverá e manterá contato.
Fechei a porta, puxei o grande portão de ferro o fechando em seguida e fizemos um juramento.
— Seremos um quarteto, mas eu, Diana, prometo que continuaremos apostando corrida, assistindo os filmes e contando histórias de terror.
— Pode passar dias, meses ou anos. Eu, Luciana, prometo nunca esquecer da minha mãe de coração.
— Eu, Jade Luisa, prometo lembrar com carinho de cada momento especial.
— Esse é o nosso quinteto — Diná disse pegando na minha mão.
— É onde me sinto em casa — falei e peguei na mão de Luciana.
— E nem a distância pode nos separar — Lú falou com voz de choro — Porque uma vez amigas...
— Amigas eternamente — falamos em uníssono nos abraçando forte.
Meu pai abriu a porta do carro. Com um esforço me afastei delas e andei rápido sem olhar para trás.
A lua havia aparecido no céu. A noite envolvia a cidade com um véu negro e pesado. Era como se a noite quisesse nos dar as boas vindas.
Mas eu e papai éramos estrangeiros em terras desconhecidas. A Cidade do Sabiá não era mais nosso lar. Éramos nômades viajando e pisando em solos estranhos.
Éramos nômades até que finalmente chegássemos ao nosso destino
— Se benze, filha. Pedir proteção para o anjo da guarda — Joel colocou o cinto de segurança e eu fiz o mesmo.
— Papai do céu, envia o Teu anjo da guarda. Que ele nos guie durante toda essa noite e nos proteja do mal. Livra- nos de acidentes, tempestades, perigo. Leva-nos até o nosso destino. Amém.
Olhei pela janela.
Ele ligou o carro e a última imagem que vi foi minha querida Diana mandando um beijo no ar e Lú pulando e gritando enquanto dava tchau.
Alguém ficou triste de Jade estar se despedindo das suas amigas?
Muita emoção... Vou sentir saudade das meninas.
Estão ansiosos pra Jade conhecer Ravena e Oliver? Então deixe o emoji 🍀 e comente "Você não estará sozinha"
E as postagens estão ligeiras
Avisos: Todos os Diálogos tem um Travessão ( — ) mas o Wattpad tá tirando o travessão quando eu posto Capítulo novo
Então preciso voltar nos Capítulos para sempre colocar o — e isso é meio cansativo.
Então se verem algum Diálogo com esse traço ( - ) me desculpem. Foi porque acabei esquecendo e passou despercebido por mim.
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