Cap.32 (Parte 1: Ei, criança, não tá tudo bem)
Inspiração que EU TIVE para esse Capítulo:
Papai, olhe para mim
Algum dia serei livre?
Será que eu passei do limite?
(All the things she said - T.a.T.u)
All the things she said tem a tradução na Mídia
Jade Luisa de Cabral
Jade narrando - Dias Atuais
Eu lembro que naquele tempo tinha dúvidas se eu ia continuar tendo essa força e coragem.
Porque quando estava com Ravena era fácil dizer que podia enfrentar o mundo e Trix, que era adolescente na época, mostrou que estava do meu lado.
Encontrava coragem e esperança com elas do meu lado
Sozinha não era nada.
Lembro que ficava pensando naquele tempo se eu ia conseguir chegar até o outro lado, como se eu sozinha estivesse atravessando uma ponte enorme cheia de perigos, se eu ia conseguir passar por essa ponte e chegar com mais coragem.
Ah, pequena Jade, você não conseguiu.
A liberdade fugiu novamente e sua coragem também.
Você fez o que podia.
Eles tentaram cortar suas asas.
Ah, Jade adolescente, você enganou seu pai e enganou todo mundo. Mas nunca conseguiu enganar Julie.
Julie sabe de tudo. Ela sempre sabe.
Julie tentou te alertar e você não quis escutar seus conselhos.
Fiz muita coisa errada no passado e me arrependo disso, mas eu aprendi. Cresci com meus erros.
Só que nada justifica o que fiz.
Certa vez eu disse isso:
Parecia que uma cortina se abria e mostrava o mal, a inveja, a infelicidade, o medo.
Descobrir a realidade da vida fazia essa cortina se abrir e a ilusão ir embora.
Não sei se queria continuar esse ciclo de descobertas, porque o que descobri foi demais.
As vezes preferia viver na ilusão e ficar sonhando com um futuro melhor.
Acorda, Jade criança, o futuro melhor é agora que você e Ravena estão bem e podem mostrar quem vocês são para o mundo.
Naqueles anos não era bom.
Meu pai foi preconceituoso com o caso de Valéria, filha do seu amigo Felipe, que ilusão a minha de pensar que meu pai ia se arrepender.
Jade Luisa de Cabral
Terça
Flashback on
Mais um ciclo.
De novo se repetia.
Ravena e Oliver estavam estranhos e distantes. Julie tentava falar com Oliver e conversavam bem pouco.
Estava cansada desse ciclo.
Ravena faltou a primeira aula, chegou na segunda aula com uma cara triste como se estivesse sentindo dor, mas a sua tristeza tinha nome e eu soube disso assim que ela passou rápido por Oliver e nem olhou para ele.
Oliver, sentado na cadeira da sala, estava com uma jaqueta por cima do uniforme da escola. Ele nem se deu o trabalho de cumprimentá-la.
Olhei para trás a tempo de ver Ravena se sentando e cruzando os braços.
Na minha frente tinha a visão perfeita de Oliver.
Ele passou a manga da jaqueta nos olhos e seus ombros se moveram lentamente, para cima e para baixo, em um suspiro.
Ele estava chorando. Disso tinha certeza.
Será que ficou magoado comigo por eu ter dito que sempre vi ele como amigo?
O sinal tocou e corri para falar com um dos três, mas não encontrei eles em lugar nenhum. Saíram rápido da sala.
Papai foi me buscar na escola e nem olhou direito na minha cara, entrou no carro, fechou a porta, fingiu que eu não existia e seguimos o caminho inteiro assim.
Todo mundo resolveu ficar estranho hoje?
O que eu fiz?
Cheguei desanimada em casa e sai do carro rapidamente. Qualquer pessoa que me conhecesse ia saber ler essa minha expressão de dúvida.
Seu Joel não percebeu.
Entramos em casa.
Esperava ao menos uma surpresa, um almoço especial, presentes, ele dizer que a gente ia para o parque. Só recebi um clima tenso e uma casa escura.
Na mesa estava um prato com tampa em cima, uma colher do lado, um copo com suco.
Nenhuma panela no fogão, nenhum pano de prato pendurado, nenhuma vassoura por perto, nenhum cheiro de comida.
— Fui te deixar na escola. Só tive tempo de limpar seu quarto e recebi a ligação da diretora — ele se manifestou com a voz ríspida — Precisei passar o resto da manhã em uma reunião com a diretora e com...
Ele hesitou.
— Um velho amigo. Aquele Gilberto que te falei naquele dia quando você achou aquela foto antiga de quando eu era criança — explicou de costas para mim — Reunião com ele e a mulher dele.
Lembrei do dia que descobri sua história da infância.
— Jura mesmo, pai? — me aproximei — O senhor reencontrou seu amigo de infância?
— Se acalme e mantenha os bons modos. Nada de ficar alegre — virou e sua voz ríspida ainda não fazia sentido — Essa conversa não diz respeito a ele e nem a sua mulher.
Tirei o sapato e me espreguicei.
— Desculpe se fiquei alegre por ter gostado de saber dessa notícia — disse irônica.
— Ainda não acredito que perdi parte da manhã em uma reunião e precisei ouvir a diretora falar aqueles absurdos — ele ignorou meu comentário.
— Esse almoço do prato — apontei — É para quem?
— É o seu almoço — sentou na cadeira — A única coisa que preparei em cima da hora antes de ir te pegar.
— Qual foi o assunto da reunião? — sorri levemente.
— Eu vou te tirar da escola — anunciou — Amanhã vou te matricular em uma mais longe. Você vai estudar em Padre Alfonso Albuquerque.
O sorriso sumiu assim que ele terminou de falar.
— Deixa de brincadeira, papai — sorri forçado — Eu adoro estudar em Padre Aluisio Gomes.
— Quem disse que é brincadeira? — olhou para os lados e não se atreveu a olhar nos meus olhos — Tudo que falo é sério.
Fiquei de boca aberta e sem entender seus motivos para tamanha mudança e choraminguei:
— Não quero sair de lá. Por favor... o que eu fiz?
— Você cometeu um grande pecado.
— Pecado? Como assim? Não ando aprontando.
Menti e senti o rosto esquentar. Sabia que era errado mentir, mas naquele momento não tive outra opção.
Eu tinha decepcionado mamãe pelo simples fato de gostar de meninas
Deus também estava decepcionado com minha atitude
— Anda aprontando sim. Agora descobri as coisas erradas que tá aprendendo.
— Tá se referindo a mim em terceira pessoa. Nem parece que estou aqui.
— É culpa da má influência dessa sua amiga e dessa escola.
Senti a boca ficar seca.
— Qual amiga? Estou ficando confusa e impaciente.
— Quem devia estar impaciente era eu, Jade Luisa.
— O senhor não explica direito.
— Estou falando de Ravena ter te influenciado.
— Ravena?
— Sim. Ela é filha do Gilberto e é uma péssima influência. Me diz, Jade, como foi capaz de se deixar levar? Da onde surgiu essa ideia de cometer um pecado grave desse?
Meu pai ficou sabendo de algo muito sério. Eu e Ravena cometemos um pecado grave. Fui influenciada.
Sabe aquele momento que você ver sua vida passando como se estivesse vendo tudo em um telão? E sente que pouco tempo lhe resta?
Era exatamente essa a minha sensação.
— Pai, eu posso explicar...
— Então explique. Quero entender como a minha filha chegou nesse ponto.
— Na verdade estou confusa... o que a escola tem a ver? O que exatamente o senhor descobriu?
Ele riu.
— Tenho é vontade de rir com essa sua inocência. Te olho e vejo que mudou tanto. Aprendeu a mentir, se finge de inocente, fica aprontando. Nem parece aquela menina comportada que chegou no Lugar das Lendas.
— Eu ainda sou a mesma pessoa. Não mudei.
— É mesmo? Então admite que Ravena te influenciou, porque só pode ter sido ideia dela, vocês se beijaram, Jade Luisa. Vocês... são duas meninas e são crianças.
Pisquei atônita.
Era o que eu mais temia.
— Eu tenho tantas perguntas — disse sem pensar e decidi falar o que viesse na minha mente primeiro — Mas eu vou responder as suas perguntas primeiro. Eu não me deixei levar por ninguém e admito que beijei... Ravena.
A última palavra saiu como um sussurro e eu já não tinha controle sobre minhas ações. Decidir falar tudo e ser sincera com ele e ser sincera comigo.
— Eu nem sei mais quem é você, Jade — me encarou e observei uma ruga de confusão entre suas sobrancelhas — Tá se perdendo com essas amizades.
— Não, papai, não estou perdida — disse decidida — O senhor não soube antes, pois eu nem sabia como contar. É difícil falar isso. Tenho vergonha.
— Deveria ter vergonha de andar mentindo e se juntando com pessoas erradas — ele pegou no meu cabelo — Te eduquei para lidar com desafios da vida e não esperava receber rebeldia em troca.
— Estou sendo rebelde por ser quem eu sou? — afastei sua mão do meu cabelo — Precisei lidar com muitas dúvidas e medos que me fizeram paralisar. Estou passando por uma fase de descobertas.
— Isso mesmo — concordou — É uma criança que não sabe muito sobre a vida.
— Não sei mesmo — cruzei os braços — Só sei que estou cansada de fugir.
— Fugir? Fugir de quem? — sorriu.
— Fugir do senhor, fugir de mim mesma, fugir dos medos — respondi exasperada — Eu sei que nunca vai entender.
— Entendo. Só tá confusa e passando por uma fase — tentou me abraçar — É só se afastar de Ravena que tudo ficará bem.
— Ravena não me influenciou — gritei enquanto sentia o choro chegar — Ela também gosta de garotas. Quem quis experimentar fui eu.
O choque devia ter sido grande
Nem imaginava o que se passava na cabeça dele.
Lembrei do dia onde contei para mamãe sobre ser lésbica, minha ingenuidade e alegria, meus sorrisos demonstrando a alegria de ter descoberto que tinha um nome para me definir.
Preferia estar dentro de uma bolha com os olhos fechados, a cortina fechada ao meu redor, protegida do mal e dizendo para mim mesma: “Ei, criança, tá tudo bem. Só descanse, princesa.”
Ninguém precisava saber de nada e nenhuma suspeita devia aparecer.
Não deixe ninguém perceber que você tá diferente
Eu tinha pensado assim nesse dia.
Tinha sempre que repetir essa frase:
“Ei, criança, tá tudo bem. Só descanse, princesa.”
— Não defenda sua amiga — ele disse simplesmente — Seja forte e segure o choro. Nem tem motivos para chorar.
O erro foi seu também, mas tudo ficará bem quando ficar longe de Ravena. Vai ser resolvido.
— A filha do senhor Joel — respirei fundo criando coragem e continuei — Por trás do personagem mocinho da radionovela tem um homem autoritário que quer controlar sua filha. Preciso ser perfeita, mas ninguém é perfeito. Preciso andar na linha e nunca desviar, mas o que eu faço se já desviei do caminho? A filha perfeita que nunca anda com os moleques de rua, comportada, a melhor aluna, a popular. É muita pressão para uma pobre garotinha.
— Eu ainda não estou compreendendo — mais rugas de confusão surgiram entre suas sobrancelhas.
Senti um tremor percorrer meu corpo e senti falta de ar. Peguei a bombinha.
Soltei todo o ar dos pulmões, coloquei a bombinha entre os dentes e fechei os lábios.
Esperei o desconforto e a falta de ar passar para não correr o risco de ficar pior.
Ninguém estava ao meu favor nesse momento
Podia me defender sozinha?
— Desviei do caminho. Continuo sendo a melhor aluna da sala e continuo sendo popular. A única diferença é que estou descobrindo uma versão nova e vivendo uma fase nova. Descobri que eu nunca gostei de garotos. As garotas sempre chamaram a minha atenção. Desculpa por ter te desobedecido, mas não fiz por mal.
— Deixe de falar besteira.
— Se fosse besteira acha que eu estaria prestes a chorar e com falta de ar?
— Essa Ravena fez sua cabeça. Você nunca foi assim.
— Não procure desculpas para meu comportamento “errado”, papai. Quer saber uma verdade?
— Estou com medo de dizer sim... daqui a pouco estarei te mandando rezar para tirar essas besteiras da cabeça.
— Estou cansada de obedecer e só fazer o que o senhor quer que eu faça. Quero ouvir minhas vontades e ser eu mesma. Parar de negar o que sinto. Não quero ser perfeita.
Ele se levantou e quase tropeceu nos próprios pés.
— Não era para ninguém ficar sabendo disso.
— Pretendia esconder? Iria mentir até quando?
— Nem é questão de mentir. Como queria que chegasse e falasse que eu... beijei uma garota?
— Meu Deus do céu.
— Contei para mamãe. Falo sempre com ela.
— Sua mãe morreu, Jade. Ela iria ter muito desgosto se tivesse aqui e ouvisse você dizer essas besteiras.
— Falo com ela quando observo o céu ou olho a foto dela no porta retrato. Mamãe sabe de tudo desde o começo.
— Você decepcionou sua mãe. Tem noção de quão grave é esse erro? Lembra da promessa que fez para sua mãe?
— Lembro sim. Prometi ser uma boa filha, andar na linha, nunca deixar outras pessoas me influenciar, ir para as missas, fazer boas amizades e estudar bastante.
— Agora descumpriu sua promessa.
— Posso ter descumprido um pouco da promessa. Tem razão.
— Sempre tenho razão. Devia seguir meus conselhos. É para o seu bem.
— Antes achava que o senhor era meu herói e defendia seu jeito de pensar, tentava seguir seus conselhos, você era minha inspiração.
— Começou a andar com essa Ravena e mudou muito. Agora não segue os meus conselhos. Era isso que ia dizer?
— Comecei a andar com Ravena e entendi quem eu sempre fui. Posso ser uma criança inocente de 10 anos e não saber lidar com a vida, mas também tenho sentimentos, pai, sei de quem eu gosto. Apesar de ter medo por estar pecando, pois o considerado certo é uma menina e um menino.
— Então pode parar de pecar. Eu vou te ajudar a voltar a ser quem era antes.
— Entenda isso, pai, a única coisa certa nessa história toda é que sempre fui assim, sempre gostei de garotas, esse assunto sempre me incomodou. Não tem como voltar a ser antiga Jade, por assim dizer, me forçar a sentir algo por garotos vai ser perda de tempo.
— Chega, Jade Luisa. Estou ficando com dor de cabeça.
Encarei meus sapatos no chão e fiquei calada. Meus ouvidos zumbiam, minhas pernas tremiam, as mãos ficaram meio geladas e não conseguia parar quieta.
Levantei o olhar e a imagem de seu Joel apareceu como um borrão.
Talvez estivesse passando dos limites.
— Vá almoçar e depois vá descansar no seu quarto. Continuamos essa conversa em outra hora quando estiver calma e com noção do seu erro.
Concordei em silêncio e fui tirar o uniforme da escola.
Andei em direção ao quarto e na minha visão tudo parecia preto e branco. Sofá era preto e branco, mesa da cozinha era preto e branco, chão era preto e branco, meu quarto inteiro desde a cama até o teto era preto e branco.
Fiquei assustada vendo que pisava em um chão diferente e pegava em uma cama diferente.
As casas lá fora, que via pela janela, estavam com essas duas cores.
Era a primeira vez que eu via o mundo preto e branco
A primeira vez que sentia na pele a sensação de um mundo sem alegria
O mundo perdeu suas cores e ninguém sorria lá fora
Meu mundo da imaginação, eu como a princesa Gabriela, perdi o colorido da vida.
Nada era igual a antes.
Sai da bolha para encarar a vida real, a cortina abriu ao meu redor, não estava mais protegida, o preconceito e as regras voltaram, o amor fugiu, ser lésbica não parecia ser a coisa mais legal.
Parei de agir com ingenuidade e perdi toda a proteção.
Parei de imaginar.
Não era hora da princesa descansar.
Deitei na cama chorando e sussurrei contra o travesseiro:
— Ei, criança, não tá tudo bem.
Flashback off
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