Oliver

Eu estava em cima do muro da escola e o chão estava bem abaixo de mim. Achei que aquele muro era baixo, mas não era. Aquela escola parecia mesmo ser uma prisão.

O sinal tocou e fiquei em alerta olhando para o portão da frente.

Eles não podiam me ver, não podiam me ver, não podiam me ver. Se me vissem fugindo eu estaria encrencado.

Obedeça a professora Ivana, filho. Ela é uma boa mulher minha mãe dizia Tem um jeito diferente de ensinar. É apenas isso. Ela gosta de vocês.

Ali era Padre Alfonso Albuquerque — a escola para crianças rebeldes — como os próprios alunos diziam.

Os pais que não sabiam o que fazer com seus filhos iam os matricular em Padre Alfonso.

Minha mãe me amava. Disso tinha total certeza. Só havia me colocado ali porque era perto de casa.

Padre Alfonso Albuquerque era até bem bonita por fora, mas o ventilador de teto no pátio estava quebrado, as mesas do refeitório estavam riscadas, o ventilador das salas estava sem funcionar a mais ou menos 5 dias.

Uma semana inteira sem ventilador

Padre Alfonso Albuquerque não era a escola bem vista do Lugar das Lendas. A única escola boa era Padre Aluísio e ela ficava um pouco longe de casa.

Mamãe não queria me deixar andando sozinho por esse lugar

Aqui ninguém é confiável, filho. Um dia vamos morar em outra cidade. Isso eu te prometo era o que ela me dizia em todo santo dia.

Eu sempre fui um filho bom, mas tinha que estudar na pior escola da cidade. Eu não aprontava como os meninos daqui, nunca fui expulso de sala, chegava cedo e cumpria meu dever.

Nunca levei nenhum castigo por nada

Quem chegava tarde levava um castigo dos professores que era a palmatória

Eu era considerado o melhor aluno da sala

Só que tinha uma desvantagem.

O fato de eu ser fascinado por insetos, floresta e conseguir resolver contas matemáticas me deixava com o cargo de estranho. Eu era o estranho dali.

Meu nome é Oliver e eu tenho 10 anos

Eu sou morador do Lugar das Lendas

Essa é a minha história e meu passado.

É bom relembrar esse tempo onde tive a oportunidade única de conhecer duas meninas incríveis que mudaram toda a minha vida.

(Voltando ao passado)

Em um mar de alunos rebeldes eu era o "ajeitadinho", nerd, estranho que mexia com insetos.

Todos entravam sem ânimo nenhum e iam para suas respectivas salas. Criei coragem, olhei para baixo,encarei o mar de gente e joguei a minha mochila no chão.

Coloquei uma perna para fora e depois outra e de repente me vi fora dos muros daquela prisão. Meu corpo estava todo voltado para rua.

Segurei firme com as duas mãos no muro e tive medo.

Não podia cair lá de cima

Contei mentalmente de um até dez e fui criando coragem de novo. Saltei de uma vez só sem pensar muito na queda.

Cai no chão e as minhas costas foram de encontro a pedrinhas de calçamento. Senti uma dor nas costas e então tentei me levantar. Peguei umas pedrinhas e eu analisei cada uma delas.

As pedrinhas me lembravam a música...

"Se essa rua, se essa rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes
Para o meu, para o meu amor passar
Nessa rua, nessa rua tem um bosque
Que se chama, que se chama solidão
Dentro dele, dentro dele mora um anjo
Que roubou, que roubou meu coração"

Olhei para os lados da rua e vi os poucos carros que existiam. Nem todos tinha como comprar um carro então a maioria ainda usava carruagem.

Carruagem era mais para famílias ricas e outras famílias com menos condições andavam a cavalo mesmo.

Era costume ver cavalos passando pelas ruas

Os motoristas passavam alheios ao que estava a sua volta. Aproveitei a minha vantagem de ser "invisível" para correr o mais rápido que podia. O mais rápido que minhas pernas aguentavam.

Eu era um garoto magro e mamãe não achava que eu conseguia correr muito. Ela dizia que eu podia cair e machucar a perna.

O que mamãe não sabia era que quando o assunto era correr eu sabia como me virar. Corria muito bem justamente por ser magro. Porém, minha mãe não via qualidades em mim.

Você é muito inteligente e gentil ela me dizia sorrindo Só precisa aprender a se virar sozinho. Todos tem qualidades e a sua qual é?

A mochila pesada batia contra minhas costas, meu cabelo voava com o vento, os meus pés pisavam em cima de folhas amarelas e o ar fresco da manhã me envolvia por completo.

Eu me sentia o dono da rua. Como se eu tivesse inventado a cantiga "Se essa rua fosse minha" e aquela sensação parecia ser a melhor coisa do mundo. Era difícil de acreditar...

Eu tinha fugido da escola

Realmente fiz isso. Vou perder todas as aulas

Naquele momento me perguntava se a professora Ivana ia sentir minha falta. Se ela ia ficar preocupada comigo.

Eu me senti um pouco triste por ter fugido. Não era o certo a se fazer.

Professora Ivana tinha um jeito único de ensinar. Ela nunca teve paciência com a gente e não tinha amor por seu trabalho.

Eu me perguntava o motivo dela ter tido essa escolha de ser professora.

O caminho foi ficando meio sinistro ao chegar perto das árvores na estrada. Era uma rua até certo ponto onde tinha uma casa abandonada e depois tinha mato.

Ali começava uma estrada.

Não parei de correr um minuto se quer. Precisava alcançar a meta de passar por as árvores antigas até o final da estrada.

Queria muito saber o que se escondia no fundo dessas árvores.

Um cheiro estranho me fez desacelerar aos poucos até parar de correr.

— Terra molhada — eu sussurrei com medo de alguém escutar — Isso é cheiro de terra molhada.

O sol brilhava no céu, mas a noite tinha sido de chuva. Nas ruas tinha poças de lama e as folhas amarelas estavam bem molhadas. Olhei para meus sapatos e vi pedaços de folhas apregadas.

Reconhecia aquele cheiro em qualquer lugar. O cheiro da natureza que recebeu uma boa chuva.Podia sentir a fragrância das plantas. Olhei para trás e vi que eu havia corrido muito.

Faltava pouco para alcançar uma nova meta

Era acostumado a correr por aqui e não tinha conseguido chegar ao final dessa estrada. Diziam que indo reto por todo o caminho então encontrava a misteriosa floresta.

A floresta assombrada.

O local temido por todos os moradores

Diziam os mais antigos que tinha algo de muito assustador na floresta. Espíritos de pessoas que morreram porque foram atraídas pela lua.

A lua enganou eles, filho minha mãe dizia.

Nunca olhe para lua. Seu brilho é sedutor e sua beleza é como a de uma sereia.

Ela te fascina, te engana, depois você sai andando olhando para o céu e nem percebe para onde está indo.

Então se vê na floresta assombrada e aí já é tarde de mais.

Era uma lenda antiga. A floresta sempre com seus segredos e eu me via bastante fascinado com isso. Queria correr para passar do limite.

Estava de manhã. Não tinha lua no céu. Então eu acho que não tinha problema de quebrar as regras e matar minha curiosidade.

Ainda parado sentindo o cheiro de terra molhada eu observei as árvores. Elas tão grandes e sombrias. Um vento veio as fazendo mexer. Com tanto vento eu mal podia escutar algo além.

Porém, pude ouvir. Um som baixinho e aos poucos consegui reconhecer. Era um sussurro. O sussurro das árvores. Como se tivessem sussurrando em uma eterna conversa.

Um pressentimento ruim me fez logo me virar para trás. As folhas amarelas no chão voavam com o vento. O céu tinha ganhado uma cor alaranjada.

Tinha nuvens negras e partes do céu laranjas.

Como se fosse final de tarde

Como se a qualquer momento a lua fosse aparecer e me hipnotizar com sua beleza

Estava longe de casa, tinha acabado de fugir da escola, cansado e com muita curiosidade. Precisava ser cauteloso. Era hora de me esconder, mas não aqui.

Um dia esperava poder me livrar dessa escola e me ver completamente feliz fora da instituição Padre Alfonso.

Um dia esperava enfrentar o medo e ser o dono da rua. Conseguir passar por a estrada e adentrar a floresta.

Um dia queria estudar na melhor escola. Eu ia ser aluno de Padre Aluisio Gomes. Ia se tornar realidade. Eu esperava.

Em um futuro próximo.

Eita que fortes emoções vem aí 🍁 Vocês já tem alguma teoria sobre a Lenda da Lua? O motivo de dizerem que a lua atrai as pessoas para a floresta?

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