Cap.19 (Parte 2: Ela era o meu sol)
Está em cima com o céu e o luar
Hora dos dias, semanas, meses, anos, décadas
E séculos, milênios que vão passar
Água-marinha põe estrelas no mar
Praias, baías, braços, cabos, mares, golfos
E penínsulas e oceanos que não vão secar
E as coisas lindas são mais lindas
Quando você está
Onde você está
Porque você está as coisas são mais lindas
Porque você está
Onde você está
Hoje você está nas coisas tão mais lindas
(As Coisas Tão Mais Lindas - Anavitoria)
Fala, galera.
Sentiram saudades dessa turminha? Eles estão de volta e tem um Capítulo recheado de coisas boas te esperando.
Nossa Ravena está cada dia mais decidida a esquecer Olivia.
Ah, e nesse Capítulo também tem uma conversinha bem intima (por assim dizer) mas nada demais. Só sobre o primeiro sutiã e a vontade delas de serem crianças para sempre
Eles são crianças, mas procurei no Google e a pré adolescência começa aos 10/11 anos. Então essa turminha já é Pré Adolescente kkkkkkkk
E para as meninas... Sabemos bem como foi essa fase do primeiro sutiã e etc. Coisa bem íntima, mas que faz parte e é interessante colocar isso no livro.
Ravena
Cigarras cantavam sem parar em algum lugar por perto, pássaros cantavam indo atrás de um cantinho para passarem a noite e bolhas de sabão voavam pelo ônibus.
Espera aí. O que? Bolhas de sabão?
Estava segurando o lápis com uma mão e com a outra eu segurava o caderno. Meu desenho não tinha muito sentido e eu só me deixava levar naquele momento.
A mágoa e raiva tomavam conta do meu pobre coração.
Porém, a tranquilidade e alegria também competiam um espaço.
A tranquilidade e alegria queriam fazer morada no meu coração, e a mágoa junto com a raiva não deixavam isso acontecer.
Mas eu não ia me deixar abalar de novo.
Estava disposta a me reerguer.
A alegria tinha me encontrado e a senhora primavera também.
Eu era bem-vinda na casa da senhora primavera.
Precisava sustentar esse pensamento e essa positividade para ficar mais forte.
Observei as bolhas de sabão voando e procurei de onde estavam vindo, mas não achei.
Na folha do caderno uma boneca com cabelo emaranhado, olhos castanhos como chocolate, sorriso tímido e sobrancelhas bem feitas.
Um céu com nuvens negras acima da boneca e pequenas gotas de chuva caiam vagarosamente.
As gotas de chuva caiam sobre a boneca e sobre a grama verde no chão.
O mundo todo estava debaixo do poder da água e a escuridão tomava conta do desenho.
Suspirei.
Isso não fazia sentido, mas foi o que consegui fazer no templo que passei dentro do ônibus.
Voltei minha atenção para rua e levantei rápido quando vi as casas bonitinhas aparecendo.
Estava perto da rua de Jade Luisa
Avisei ao motorista e ele parou. Desci do ônibus e observei a rua pequena. Olhei para os lados enquanto a ansiedade se manifestava.
Ela disse na ligação que chegou a uma conclusão.
Qual possível decisão ela tinha tomado?
Em qual conclusão ela havia chegado?
Andei pela rua um pouco estreita. Rua de calçamento.
O Lugar das Lendas inteiro tinha essas ruas de calçamento.
Casinhas bonitas, poucos postes, plantas nas calçadas e carruagens passavam de vez em quando.
Bati na porta de madeira, segurei o caderno contra o peito, dei um passo vacilante para trás e esperei paciente alguém aparecer.
O final da tarde estava com um clima bom e o sol começava a se pôr. O céu alaranjado.
Um final de tarde com o som das cigarras cantando.
Seu Joel abriu a porta.
- Você chegou - ele disse sorrindo - Entre que minha filha tá vindo.
Não sabia muito sobre Joel. Ele parecia ser um bom pai. Só dava impressão de ser muito protetor.
Entrei na casa e observei novamente como era o espaço. Não era a primeira visita e também não ia ser a última.
- Sua amiga chegou, filha - olhou para mim - Como é mesmo seu nome?
- É Ravena - respondi - O senhor sabe de alguma coisa? O motivo dela ter me chamado?
- Perdão, criança. Não sei. Jade nem compartilhou comigo - se desculpou e deu de ombros - Por que a pergunta? Aconteceu algo grave?
- Não. Fica tranquilo - sorri - Eu que estou sendo precipitada.
Escutei o som de uma porta fechando e em seguida Jade Luisa apareceu na sala.
Ela usava um macacão com estampa floral com alças babados, sapato preto e meias brancas.
Aquele macacão havia combinado com ela.
- Oi, Raven. Ainda bem que você veio - me abraçou sorrindo - Teve algum problema com seus pais? Eles não estão preocupados por você ter vindo aqui?
Sussurrou as perguntas enquanto me abraçava.
- Tem assunto mais importante para gente tratar agora - sussurrei de volta - Para que esse suspense todo se é uma simples resposta?
- Então, crianças, vou deixar vocês a vontade e se precisarem de mim... - seu Joel começou e Jade o interrompeu na hora.
- A gente te chama, papai - piscou o olho - Fica calmo que estamos bem.
- Tome seu xarope para tosse. Não esqueça - beijou a testa dela - Até mais, Ravena.
Eu cruzei os braços e arqueei a sobrancelha.
- É só uma tosse. Nada de mais. Te falei que mexi com poeira - se adiantou - E também já estou tomando xarope.
- Vou te lembrar a hora de tomar isso - avisei - Porque não pode esquecer.
- Você que manda, chefa - brincou - Como tá depois de tudo aquilo? Ficou muito chateada, não foi?
- Eu estou... magoada - deixei escapar - Não esperava... não achava que ia ser assim.
Gaguejei.
Por que eu precisava gaguejar?
Agora ela devia ter ficado desconfiada.
Não queria deixar claro o quanto me importava com Olivia a ponto de ficar magoada com as coisas horríveis que ela falou
Precisava ter cuidado para ninguém perceber o jeito que olhava para ela
Mas isso ia acabar.
Eu tinha prometido para mim mesma que ia fazer de tudo para esquecer Olivia.
- Eu também não esperava - respirou fundo - Achei desnecessário aquilo.
Ainda bem.
Jade Luisa não percebeu nada.
- Olivia e Rute foram longe demais.
- Correção. Um pequeno detalhe. Olivia foi longe demais. Rute nem participou da conversa.
- Bem pensado. Ela que fez tudo isso sozinha.
Pegou na minha mão.
Jade Luisa devia ter 1,37. Era só quatro centímetros mais alta que eu.
Não tinha tanta diferença de tamanho.
- Você já é de casa - puxou minha mão - Papai só permite sua visita por enquanto. Então nada de meninos.
- Parece que seu pai não gostou muito de conhecer Oliver - nós entramos no quarto dela - Ou foi impressão minha?
- Não foi impressão sua. Papai exagera um pouco - pegou meu caderno - São os seus desenhos? Posso ver?
Dei de ombros.
Passou o dedo em cima de alguns desenhos, fez careta quando viu algo "assustador" nas folhas, ficou surpresa e me elogiou.
Disse que eu tinha talento
Parou de folhear e fiquei confusa.
- O cemitério. Foi quando a gente se conheceu - virou o caderno para mim ver - Eu lembro bem o que você estava desenhando.
- Tem boa memória, princesa Gabriela - balancei a cabeça - Tinha esquecido disso.
- Obrigada, obrigada, obrigada - ela agradeceu fingindo estar falando com uma platéia de gente invisível - Vocês são maravilhosos.
- Para de graça - a empurrei de leve - Também não é para tanto.
- Tá bom. Já parei - se aproximou da caixinha de música - Por que gosta de desenhar cemitérios?
- Gosto de desenhar lugares sombrios - me encostei no guarda-roupa - Esse é o cemitério mais antigo da cidade.
- Tem tantos detalhes - observou - Lápides, túmulos, plantas e cruzes. Então já fez uma visita para saber como é por dentro.
- Entro no cemitério de vez em quando - comecei a explicar - Eu sei que isso é esquisito e você pode estranhar...
- É estranho mesmo - soltou uma risadinha - Só não vou te julgar por causa dos seus gostos.
- Você e Oliver tem um dom incrível de fazer eu me sentir especial em tudo - revirei os olhos - Até nas coisas que são estranhas para os outros, mas não para mim.
- É porque a gente te ama - girou o topo do carrossel e a melodia suave começou a tocar.
O carrossel girava elegantemente e a melodia era envolvente.
Era como uma música de baile.
Fixei o olhar no pequeno carrossel e fiquei encantada com tanta cor e magia.
Os cavalos de brinquedo giravam e giravam em uma eterna dança.
Não conseguia parar de olhar para a caixinha de música. Era encantadora.
Encantadora como a chama do fogo
Ganhava vida como se os cavalos de brinquedo pudessem voar
Pulei com o susto quando senti alguém fazer cócegas em mim. Rapidamente coloquei os braços na frente como uma forma de defesa.
Jade Luisa continuava fazendo cócegas e sua risada ecoava por todo o quarto.
Aquele carrossel, tão belo e encantador, sumiu do meu campo de visão. Restando apenas uma garota divertida, muitas cócegas e risadas.
Ficamos brincando.
Eu tentava me defender e empurrava ela as vezes, Jade ria sem parar e não se deixava vencer.
Ela se afastou tentando recuperar o fôlego.
- Guerra de travesseiro - gritou e pegamos dois travesseiros - Vamos ver quem ganha.
A guerra de travesseiro se deu início e nossos cabelos estavam assanhados, roupas amassadas, sapatos batendo no chão.
Nunca ri tanto em toda minha vida.
Caímos na cama quando ela bateu o travesseiro em mim e segurei nela tentando me apoiar.
Nossas respirações estavam aceleradas e nosso peito subia e descia rapidamente.
A janela fechada parecia ter deixado o quarto ainda mais quente.
Depois da diversão só restou duas garotas cansadas e lembranças para uma vida toda.
Encaramos o teto.
Aquela cama pequena não era o suficiente naquele momento.
A cada instante tinha impressão que a cama solteiro não ia aguentar o nosso peso.
As nossas respirações aceleradas não queriam se normalizar ou talvez fosse normal.
Gotas de suor desciam por nossos rostos e a franja dela se apregava na testa.
- Você estava muito séria - disse com a voz cansada - Tive vontade de te fazer rir. É difícil te ver gargalhar desse jeito.
- Se aproveitou da hora que fiquei olhando o carrossel - ajeitei o cabelo - Eu estou sentindo minhas forças indo embora por culpa sua.
- Devia me agradecer - encostou o ombro no meu - Agora estou com calor.
- Somos duas - concordei - Eu estou me sentindo viva.
- Por isso precisa se divertir de vez em quando - olhou para mim - A vida não pode ser séria demais e cheia de deveres.
- Somos crianças então é fácil a gente ter uma diversão - respirei fundo - Queria poder esquecer tudo e viver só brincando.
- E por que não pode? - levantou os braços - Podemos ser crianças para sempre se usarmos a imaginação e conseguirmos imaginar um reino onde eu e você somos princesas.
- Não quero ser princesa - fiz careta - Mas seria tentadora a proposta de termos essa idade durante toda a vida. A gente nem ia precisar crescer.
- E nunca íamos usar sutiã - nós rimos - O que você e Julie tem contra princesa mesmo? Se imaginar sendo uma é legal.
- Eu prefiro nem imaginar - desfiz as duas trancinhas - Verdade. Seria bom nunca usar sutiã... você por acaso... já experimentou algum?
- Eu só cheguei perto de um e espero não precisar usar tão cedo - confessou - Deve ser muito estranha a sensação de vestir isso e sair na rua sem nenhum problema.
- Compartilho do mesmo pensamento.
Sentei na cama e peguei três mechas de cabelo. Ela me observou enquanto fazia uma trancinha.
- Nossa. Que agilidade - abriu a boca surpresa - Eu nunca ia conseguir fazer uma trança com essa rapidez.
- É fácil. Isso aqui é prática - amarrei a trancinha - Tenta fazer que você vai aprendendo.
- Sem chances, Ravena. Não sei nem para onde vai - sentou do meu lado - Eu tenho é medo de custar anos para aprender a fazer uma trança direito.
- O problema é que você pensa demais - puxei o pulso dela e coloquei sua mão no meu cabelo - Para de pensar e tenta se concentrar. Nada é impossível.
Senti seus dedos tocarem suavemente os fios do meu cabelo.
Ela pegou mechas finas e começou a trançar o cabelo.
Tentei entender como cada mecha estava e comemorei em silêncio quando vi ela pegar a fita, e amarrar no final.
- Pronto. Fiz uma trança diferente com duas mechas - se afastou e eu me virei para ela - Mereço qual nota com esse penteado?
- Merece 6. Tá na média - brinquei - É só continuar treinando e depois vai aprender rapidinho. Poderá fazer uma até de olhos fechados.
- Um dia eu chego lá - cruzou os dedos para ter sorte - Posso te mostrar uma coisa?
- Que seja rápido, por favor - resmunguei - Ainda lembro o motivo de você ter me chamado. Até agora só estamos perdendo tempo.
- Não estamos perdendo tempo - se levantou - Acha que eu ia te tirar da sua casa, te fazer pegar ônibus, correr o risco de ver a lua e tudo isso para nada?
- Como assim? - franzi a sobrancelha.
- Você vai entender daqui a pouco - abriu o guarda-roupa - Os seus pais sabem mesmo que tá aqui? Avisou antes de sair ou fugiu?
- Vou falar a verdade. Não avisei nada - mordi a unha - Eu sai escondida.
- Então liga para eles agora e diz toda a verdade - saiu do quarto e voltou com o telefone - Você sabe o número.
- É sério isso? - soprei um riso - Tá toda preocupada comigo.
- Sim, Ravena. É seríssimo - disse séria - Eles precisam saber que você tá aqui e segura.
Amiga
Eles nem iam acreditar se eu dissesse que estava na casa de uma amiga.
Liguei para meus pais e dona Vânia atendeu.
- Oi, mãe. Eu sai e vou voltar tarde - falei na hora que ela atendeu - Estou na casa de uma amiga.
- O que? Como assim? Volte logo, Ravena - dona Vânia disse do outro lado da linha - Seu pai não pode nem sonhar que você saiu escondida.
- Não é a primeira vez que isso acontece - suspirei - É só distrair o meu pai e fazer ele dormir cedo. Nem vai lembrar da minha existência.
- Tá passando dos limites - sussurrou - O que faço com você, garota?
- Deixa meus avós pensarem que eu estou no décimo quinto sono e amanhã acordarei cedo - encarei Jade Luisa - Pode ser que eu volte tarde, porque vou a pé.
- Óbvio que seus avós não saberão - quase podia ver ela revirar os olhos - Deixa eu falar com essa sua amiga para mim ficar mais tranquila.
- A minha mãe quer falar contigo - entreguei o telefone para ela.
- Oi tia. Tudo bem? Talvez sua filha durma aqui essa noite.
Ficou em silêncio escutando o sermão de dona Vânia.
Eu que precisava estar ouvindo todo o sermão e não ela.
- Desculpa, tia. Foi tudo muito em cima e sua filha não teve tempo de avisar.
Afastou o telefone e suspeitei que a voz da minha mãe tinha ficado mais alta.
- Eu entendi, tia. Pode deixar. A sua filha tá segura e desculpa de novo se eu causei algum desentendimento.
Ela terminou a ligação.
- Que história é essa de eu dormir aqui, senhorita Jade?
- Não tá óbvia a resposta?
Neguei com a cabeça.
- Eu te chamei para você ver o quanto é importante sua amizade para mim e eu queria distrair seus pensamentos. Sabia que estaria chateada com Olivia... então resolvi que faria uma surpresa.
- Que surpresa?
- Você tá muito lenta hoje. Estou estranhando.
- Fala logo, Jade Luisa.
- Fingi que esqueci o real motivo de ter te chamado, enquanto isso aproveitei para brincar contigo, fazer guerra de travesseiro, te deixar cansada. Eu sabia que ia ser legal nesse momento difícil.
- Então foi um plano. Bem que estava achando estranho você estar agindo normal.
- Sim. Esse era o meu plano. Não veio só para conversarmos. Você tá aqui para a gente brincar e passar momentos bons e o melhor... estamos juntas.
- Isso quer dizer o que exatamente?
- Quero te provar que não ligo nenhum pouco se você é uma bruxa, tem pais "feiticeiros" ou sei lá o que. A nossa amizade é valiosa e eu te conheço a tão pouco tempo, mas é como se a gente se conhecesse a anos.
O que eu tinha feito para merecer tanta coisa boa?
Como ela podia gostar de mim?
- Se você se sentir a vontade - pegou um livro de dentro do guarda-roupa - Pode contar algum segredo ou uma coisa que ainda não sei sobre você.
O que mais ela não sabia?
Eu era uma bruxa, o casal feiticeiro, era rejeitada e ninguém gostava da bruxa...
Tinha mais?
Pensa, Ravena. Pensa.
Casal feiticeiro + pais + adoção.
- Sabe meus pais "feiticeiros"? - fiz aspas com os dedos - Eles não são feiticeiros de verdade e eu sou adotada.
- Obrigada por ter sido sincera.
Eu custei para processar o abraço inesperado que veio em seguida.
Jade deitou a cabeça no meu ombro e consegui retribuir depois de alguns segundos.
Senti o cheiro do seu perfume floral.
Eu tinha as melhores companhias e isso era o mais importante
Eu era alguém além de uma bruxa
Eu era uma pessoa normal
Jade e Oliver haviam me enxergado e meus dias tinham as cores do arco-íris
- Quero te mostrar uma coisa.
Tirou um papel dobrado de dentro do livro.
- Sua presença faz toda diferença, Ravena. Eu vejo beleza nos pequenos detalhes e sei perceber as cores mais bonitas.
- Também vejo beleza nos pequenos detalhes. Reparo em coisas que muita gente nem liga.
- Eu ligo. É muito bom conhecer alguém sensível, corajosa e talentosa como você. Seu jeito despreocupado e sombrio são sua marca registrada e eu me sinto confortável com sua presença.
- Quer fazer eu ficar emocionada também?
- Essa é a intenção.
Nós rimos.
- O mundo tem muitas belezas, mas com sua amizade descobri que tudo pode ficar mil vezes melhor.
Encarei ela e foquei minha atenção naqueles olhos azuis.
Seus olhos transmitiam pureza.
- Eu te observo como se fosse um quadro, um desenho, uma pintura. A beleza do mundo fica ainda mais linda quando você tá por perto.
Desdobrou o papel e segurei a respiração.
- Por isso escrevi esse textinho - disse fazendo suspense - Escrevi para você.
Eu estava sem a roupa de dormir e sem o uniforme da escola para amanhã.
Porém, o pior era perceber que fiquei sem defesa. Havia saido da defensiva.
Alguém tinha aprendido a ler e notar minhas inseguranças, tristezas, traumas.
Eu era problema.
E todos deviam me rejeitar sempre.
Ela escolheu ficar.
Eu não tinha uma família amorosa, mas ganhei amigos que cumpriram bem esse papel
Eles eram minha família
Jade fez questão que eu lesse o texto.
Ela sorriu e seus olhos brilharam
Ela sorriu e o mundo se iluminou
Seu cabelo castanho voava
Ao seu redor borboletas voavam
E quando um raio de sol iluminou seus cabelos
Ela parecia brilhante
Ali eu vi, ali eu percebi
Ela era o meu sol
E o brilho só aparecia do lado dela
As borboletas voavam e o mundo ficava ainda mais lindo
- Ficou um texto parecido com uma poesia - despertei dos pensamentos ao escutar sua voz - E eu sei que preciso melhorar.
- Isso tá perfeito - sussurrei - É arte. Precisa melhorar nada.
Joel apareceu na porta e ficou confuso ao me ver.
- Achei que você já tinha ido - sorriu envergonhado - Eu interrompi algo?
- Não, papai. Fica tranquilo - disse rapidamente - Ravena vai dormir aqui.
- Dormir? Por que eu fui o último a saber, mocinha? - cruzou os braços fingindo ter ficado chateado - Quer o colchonete?
- É bom trazer - concordou - Essa nova cama solteiro nem suporta duas pessoas.
- Sua antiga cama também era solteiro e dava certo dormir você e as meninas - pegou os travesseiros que estavam no chão.
- Quem vai decidir é a Ravena - ela desafiou - É uma convidada então tem o poder da decisão.
- Deixando toda a responsabilidade para mim - brinquei com a voz séria - Eu decido onde vou dormir quando for mais tarde.
- Fique a vontade - seu Joel pediu - Jade, precisa tomar seu xarope agora. Depois vocês vão jantar e dormir.
- Vou tomar banho primeiro - colocou o papel dobrado dentro do meu caderno - É seu. Guarda de recordação - falou baixo só para mim - E obrigada por ter avisado, papai.
- Eu estou vendo que vou precisar procurar outra roupa de dormir - ele coçou o queixo - Pode ser um daqueles pijamas de unicórnios que comprei para suas amigas?
- Ótima ideia - abriu a gaveta da cômoda - As meninas vinham dormir aqui na noite do filme. Esse pijama vai ficar bom em você.
Mostrou um pijama simples. A blusa vermelha tinha um unicórnio e o short era cheio de estrelas.
O tecido algodão
- Não acredito que vou usar coisinhas fofas de unicórnio - resmunguei - Tem algum diferente?
- Infelizmente não. Usa esse mesmo. Vai combinar contigo - jogou o pijama nas minhas pernas.
Seu Joel foi pegar o xarope.
- Você tem seu lado fofo. Admite, Raven - provocou - Eu tomo banho primeiro, ajudo papai com o jantar e enquanto isso você vai tomar o seu banho.
(20h45)
A gente já tinha tomado banho e jantado macarronada com suco de morango.
Fiquei sozinha no quarto, porque Jade estava ajudando seu pai a guardar as compras que ele tinha feito.
Apaguei a luz e deitei em cima do colchonete, abri o caderno de desenho, acendi uma lanterna e iluminei as folhas em branco.
Seu Joel fez questão de colocar uma música para nos animar.
No rádio tocava uma música de Sandy e Júnior. Era um CD deles.
Desenhei borboletas de várias cores, em seguida desenhei o sol com as nuvens e depois desenhei uma garota de costas.
A garota era eu
Os longos cabelos castanhos, um vestido azul claro, sapato preto. As borboletas estavam voando em cima.
O desenho representava a poesia que havia recebido e a garota Sol estava de costas, pois contemplava o horizonte.
Ela nem imaginava que era o sol na vida de alguém.
- Nossa. Tinha tantas compras - Jade entrou sem acender a luz - Demoramos mais que o necessário. Desculpa por ter te deixado sozinha.
Eu ia falar algo. Abri a boca, desviei o olhar do desenho, mordi o lápis e por fim não consegui formular frases quando ela começou a tirar o vestido rosa.
Tentei fixar o olhar na parede e tudo se tornou constrangedor diante da cena nova que estava bem na minha frente.
O vestido caiu sobre a cama, leve como uma pena, a cômoda junto com o baú e o guarda-roupa junto com as paredes iam sumindo aos poucos.
Parecia que tudo virava fumaça.
Insignificantes.
Jade Luisa foi a única que sobrou e eu simplesmente não sabia lidar com isso.
Ai meu Deus
Escondi o rosto no colchonete e senti os meus batimentos cardíacos quererem acelerar, mas respirei e expirei devagar para me controlar.
Pelo visto continuava ficando bem constrangida ao ver uma menina trocando de roupa.
- Eu adoro Sandy e Júnior - comentou - Espero que goste da música também.
- Sim - disse com a voz abafada por estar com o rosto no colchonete - Você pode dormir. Não se preocupe. Durmo aqui mesmo.
- Tudo bem, Raven. Você que escolhe - sorriu - Tá com sono?
- Um pouco - encarei ela que estava agora com o pijama - Vamos dormir para amanhã acordarmos cedo, porque tem aula.
- Tem razão. Vou falar com o papai.
Jade Luisa saiu correndo toda alegre e soltei um suspiro.
Nas novelas, nos filmes ou desenhos só passava o menino apaixonado pela menina, casais fofinhos, o rapaz todo apaixonado pela mocinha.
Nunca tinha visto uma menina como eu.
Não existia.
Sempre era o Príncipe e a Princesa
Era assim que funcionava.
Mas por que eu não conseguia me encaixar? Por que parecia que ninguém me entendia?
Era tudo tão complexo.
Meninas sempre me encantavam ou atraiam minha atenção... Enquanto os meninos eram...
Simplesmente meninos.
E eu odiava me sentir errada por ser assim.
Se existisse mesmo Deus e estivesse comigo nesse momento....
Eu ia dizer uma coisa para Ele agora.
Estou muita confusa, Deus. Então, por favor, me perdoa se estou fazendo algo que tá te desagradando. Não sei direito sobre religiões e tenho certeza que não devo seguir a religião católica. Deve ter muitas outras por esse mundo, mas por favor Deus. Me ajuda a entender esses sentimentos confusos, conseguir olhar para os meninos um dia, esquecer essa Olivia, viver bem a infância e ser normal. Só isso que eu te peço. Quero ser normal, Deus. Só quero ser normal.
Conseguiram perceber? A música As Coisas Tão Mais Lindas tem um pouco a ver com o discurso de Jade e o texto-poesia que ela fez para Ravena
Chegamos a 2,61k de visualizações 🥳 é 60 ou 61. Depois vou conferir
Obrigada, galera. Somos 2 mil agora
Gente assunto importante aqui:
Nesse livro vai ter muitos momentos confusos para Jade e Ravena. Elas estão passando por isso e vão achar que é só uma fase.
Então pode ser que fique "repetitivo" nessa Fase 2 por ter o Tema de culpa e confusão.
Espero que a leitura não fique chata por causa disso.
Peço a compreensão de todos.
Até mais e fiquem bem
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