Cap.14 (Parte 2: Assistir o espetáculo)
Há um homem das estrelas. Esperando no céu.
Ele gostaria de vir e encontrar-nos.
Mas ele pensa que iria confundir nossas ideias... Ele nos disse para não confundir, porque ele sabe que tudo vale a pena.
Starman - David Bowie (1972)
Jade Luisa de Cabral
( 17h30 )
Já estava tudo pronto. Três colchonetes estavam no chão da sala, um pacote de milho em cima da mesa, a capa do sofá da cor vermelha.
O chão estava varrido e a televisão desligada. A casa cheirava a produtos de limpeza e o meu quarto tinha cheiro de perfume.
Papai gostava de passar boa impressão e por isso resolveu arrumar a casa bem rápido. Tudo para receber meus amigos novos.
O cansaço não tinha me deixado em paz. Parecia que eu havia passado o dia me exercitando ou fazendo tarefas, mas na realidade nem tinha feito esforço.
Meu dia foi normal
Esse cansaço que não era nenhum pouco normal
Na volta para casa eu pensei em Julie. Ela não era só uma garota skatista. Tinha muito mais coisa para falar sobre ela.
Julie usava umas roupas que não combinavam e calça, enquanto todas as meninas nem se quer pensavam em substituir os seus vestidos.
Ela tinha uma autoestima absurda e conseguia surpreender todo mundo.
Uma música suave tocava. Era clássica. Fechei a porta do quarto, onde estava a caixinha de música, e escutei uma batida na porta.
Assim que abri vi Mariete sorrindo. Reparando melhor, ela parecia meio cansada.
Gotas de suor escorriam pela sua testa seguido de respiração acelerada. Ravena e Oliver estavam na sua frente.
Mariete pegava no ombro deles e desse jeito os dois pareciam ser da idade dela, porque Mariete era nova e parecia ter 22 anos.
Soltei o trinco da porta e dei um passo para frente. Abri os braços bem a tempo de ver a confusão no olhar de Oliver e Mariete.
De repente eu percebi que, na verdade, não sabia como agir perto deles.
Estava sendo eu mesma ou fingindo ser uma garota legal?
Eles gostavam mesmo da minha companhia ou fingiam?
Afastei os pensamentos negativos ao lembrar das brincadeiras com Oliver e da tarde mágica na lagoa encantada.
A resposta era sim. Eles gostavam da minha companhia.
— Vocês chegaram! Sejam bem-vindos e sintam-se a vontade! — sai da frente da porta — Nem acredito que finalmente nosso trio tá completo!!!
Eu estava tão empolgada que cada frase terminava com pontos de exclamação.
— Nossa. Para que tanta formalidade? — Ravena perguntou segurando algo que estava enrolado em um pano — O que foi? Tá esperando um convite para abraçar a gente?
Fiquei encarando ela, ainda meio chocada, e fui obrigada a desviar o olhar quando suas íris negras me encararam de volta.
Abracei eles sorrindo e logo escutei um miado.
— Cuidado. Vai machucar a Carla Cecília — disse com sua voz rouca, meio grave, e com um pequeno tom de mistério.
— Quem é Carla Cecília? - me afastei rápido observando ela se abaixar, tirar o pano e acariciar a cabeça de uma gata que tinha três cores.
As patinhas, o abdômen, o peito e o queixo da cor branca
Manchas alaranjadas e preta sobre a pele
— É a gata com dois nomes próprios — Oliver se manifestou rindo — Por que você trouxe ela?
— Ela não podia ficar sozinha em casa — se levantou e a gata correu para dentro.
— Para com isso, Raven. Seus pais estão lá — ele repreendeu e Mariete sorriu.
— Deixar ela sozinha com aqueles dois? - perguntou e notei que forçou a risada — Eu não confio neles o suficiente para fugir e deixar minha gata na companhia deles.
Oliver a lançou um olhar de repreensão.
— Podem entrar, gente. O meu pai quer muito conhecer vocês — convidei meio tímida e eles entraram — Pode entrar também, Mariete.
— Não, criança. Obrigada, mas preciso ir — olhou para cima — A lua apareceu no céu e não quero correr esse risco. Hoje é noite de lua cheia. Dizem que a lua cheia atrai as pessoas facilmente.
— Tudo bem. Eu entendi — falei rápido enquanto Mariete se despedia do filho e pedia para mim cuidar dele.
Fechei a porta. Ravena parecia mais disposta e menos desconfiada, Oliver parecia a vontade e feliz, a gata tinha sumido.
Oliver se jogou no colchonete que estava no chão e Ravena andou pela sala.
— Boa tarde, crianças — papai chegou segurando um pano de prato — Eu sou o pai da Jade e se precisarem de mim... é só chamar.
— Boa tarde, senhor — Ravena falou e depois ficou calada.
— Eu preciso ir ao banheiro - Oliver levantou o braço meio tímido.
— Pode me acompanhar - resmungou e saiu da sala.
Ele arqueou a sobrancelha confuso e se levantou o seguindo.
Ela cruzou os braços e começou a se aproximar dos porta-retratos. Eu fiquei indecisa se continuava parada em pé ou se sentava no sofá.
— Sabe, você não consegue disfarçar muito bem - eu avisei quebrando o silêncio constrangedor — O que tem aí dentro dessa mochila? Você fugiu?
— Nossa, como pode pensar algo tão ruim assim de mim? - colocou a mão no peito fingindo ter ficado ofendida — Eu nunca seria capaz de quebrar as regras.
— Falou a menina que fugiu da aula na quarta-feira — disse provocando e ela revirou os olhos.
— Ei, eu não fugi. Aquela aula estava muito chata e eu precisava de ar puro — tentou se explicar gesticulando com as mãos.
- Fala logo a verdade - pedi e balancei a cabeça - Podia ter deixado a gata com seus pais, mas preferiu trazer. Então isso já deixa tudo mais claro.
— E se eu dissesse que convenci Oliver a me ajudar? — deu dois passos em minha direção me encarando — E se dissesse que sai sem avisar meus pais? — mais três passos sem desviar o olhar — Acho que você não ia querer escrever o nosso livro sabendo que adoro quebrar as regras - esticou o braço e pegou minha mão — A boa garota não deixaria se influenciar por uma rebelde e nunca aceitaria escrever um livro sobre como elas fizeram uma revolução numa cidade pequena — abriu a tampa da caneta e escreveu na minha mão.
Senti um arrepio.
Fiquei paralisada com a aproximação inesperada
— Boa garota... elas? - eu gaguejei sem saber o que fazer — Revolução? - repeti feito boba e senti meu coração acelerar quando ela entrelaçou os nossos dedos.
— Eu estou me referindo a nós duas, bobinha - respondeu com tom de voz sério — Se eu fosse escrever nosso livro seria sobre como a garota rebelde e a boa garota fizeram uma revolução na cidade. Ainda ia querer escrever isso?
— Não vou voltar atrás — afimei rindo e acabei com o contato visual — Fui bem sincera no bilhete.
— Aquilo parecia mais uma carta - se afastou — Vamos. Ler o que eu escrevi.
A frase estava escrita. Começando no meu pulso e terminando na palma da mão.
Eu sou má influência para Princesa Gabriela
O contato visual, o tom de voz sério, as provocações.
Ela só estava se divertindo.
Bati de leve na testa sorrindo nervosa.
— Para de brincar — empurrei ela — Não tem como levar a sério o que você diz.
— Fiz isso para você parar de insistir com esse negócio que eu fugi — disse mantendo distância, tirou a mochila e a deixou no sofá — De onde tá vindo essa música?
— Pode procurar, espertinha - desafiei e ela apontou para o lado esquerdo — Segue o som e vai descobrir. Não precisa de ajuda.
Ela foi pela direção esquerda. Eu segui acompanhando os seus passos com a respiração acelerada.
Ravena abriu a porta do meu quarto.
Se demorou enquanto segurava o trinco.
Observou o quarto, entrou andando devagar, pegou o pequeno Carrossel que ficava em cima da cômoda.
— Você achou a caixinha de música — falei baixo e deitei na cama — Foi papai quem comprou para mim no dia do meu aniversário.
— Faz aniversário que dia? — analisou a caixinha de música.
— 10 de novembro — estiquei as pernas deixando o cansaço vencer — E o seu?
— Sou do dia 17 — respondeu soltando o Carrossel — Completo em dezembro.
— É bom que você ganha dois presentes — encarei o teto — O primeiro no seu aniversário e o segundo no natal. Já vai começar o ano de 1991 em grande estilo.
— Não costumo ganhar presentes — desconversou e abriu o baú — Nossa, garota, tem muitas coisas aqui. Boneca bebê, a Polly, My Little Pony, microfone da Xuxa, fofoletes...
— Verdade. Papai diz que faço coleção desses brinquedos — sorri — Na Cidade do Sabiá passava muito tempo sozinha e minha diversão era assistir propagandas infantis.
— É como um mundo colorido com cor, música, arte e crianças felizes — passou perto do guarda-roupa — Tá tão quente. Vou tirar a cortina e abrir a janela.
— Não pode, Ravena. Precisa sempre ficar com a cortina — sentei rápido — Deixa fechado, por favor.
— Tá bom. Calma... mas por que?
— Eu... fico doente com facilidade. Se a janela ficar aberta pode entrar sol no quarto... papai acha que se eu pegar um pouquinho de sol vou ficar doente — admiti baixando a cabeça — Nunca tive saúde e preciso ficar dentro de casa.
A gata entrou no quarto correndo e parecia assustada.
— Se acalma, Carla Cecília — pegou a gatinha — Ela deve tá estranhando o lugar. Quer desabafar? Posso tentar ser uma boa companhia.
— Já falei que você não é um estorvo — dei leves batidas no espaço do meu lado e ela sentou na cama — É difícil ser uma criança animada e se sentir obrigada a ficar quieta. Minhas únicas distrações eram a televisão e o balanço que ficava no quintal quando a gente morava na Cidade do Sabiá.
— Eu entendo. Deve ser tenso - deitou e a gata subiu em cima da barriga dela — Desculpa. Toquei em um assunto delicado.
— Não fiquei chateada. É bom poder desabafar — suspirei — Posso te contar um segredo?
Ela fez um joinha com a mão e fez carinho no pescoço de Carla Cecília.
— Estou cansada desde a hora que cheguei da escola — contei — Promete não contar isso para ninguém?
Observei quando franziu a sobrancelha, abriu a boca tentando formular frases, respirou fundo e por fim desistiu.
— Prometo guardar segredo. Vou acabar presumindo que a princesa Gabriela também seja parte da sua imaginação.
— Infelizmente sim. As vezes eu queria ser uma princesa — deitei de bruços abraçando o travesseiro — Eu fiz uma promessa. Evitar ficar chorando por causa de besteira, andar na linha, nunca deixar ninguém me influenciar, fazer boas amizades e estudar bastante.
— As princesas da vida real precisam escolher entre seguir as regras ou serem desobedientes. Ninguém é perfeito, Jade Luisa.
— Eu preciso ser, Ravena. Vou cumprir minha promessa.
Ficamos escutando o som da música clássica.
— Para quem você prometeu isso? — quebrou o silêncio e percebi o meu erro.
Falei demais
- Ninguém especial.
Como eu odiava conversas sérias.
Queria poder dançar agora e disfarçar meu nervosismo.
Era raro ver Ravena sorrir de verdade.
Porém, após a minha resposta ela sorriu.
Devia ter percebido que fiquei meio incomodada com a pergunta.
— Eu disfarço mal e você mente muito bem — disse sarcástica — Vou ligar o ventilador.
Se levantou e continuei do mesmo jeito.
Abracei mais ainda o travesseiro e a gata ronronou enquanto se deitava. Apoiou a cabeça nas patinhas.
O ventilador começou a fazer barulho.
Fiquei a observando de longe. Tinha algo intrigante nela.
Parecia tão inocente, tão tímida, tão solitária...
O mais estranho nisso tudo era que ela também parecia tão fofa.
Ravena sendo fofa?
Talvez só nos meus sonhos mesmo.
Uma menina inocente mostrando que era inteligente, uma menina tímida deixando claro toda sua coragem, uma menina solitária demostrando seu amor pela arte.
O desenho, as ironias, o seu jeito desconfiado, a fotografia, gostar de assustar os outros e ser protetora.
Isso descrevia ela, mas palavras eram insuficientes. Nenhum adjetivo podia explicar em detalhes sobre essa menina misteriosa.
Talvez alguém precisasse inventar uma palavra nova que conseguisse ser capaz de descrevê-la. Um adjetivo novo.
Tudo novo, porque talvez ela merecesse esse "presente".
O Universo devia presenteá-la por ser tão incrível.
O vento do ventilador soprou através de seu longo cabelo, tão brilhoso e sedoso quanto seda.
Uma coruja piou.
— Viva os noivos — gritou e afastou um pouco a cortina — A coruja pode tá no telhado.
Ficou de ponta de pé observando a paisagem.
— O sol foi embora, Jade, e você não vai querer perder esse espetáculo.
Sardas salpicavam todo o seu rosto.
Suas sardas se assemelhavam a estrelas. Pequenos pontos iluminados pela lua, pequenas manchas de tinta na pele, reticências que não acabavam nunca.
Eram como constelações.
Meu Deus
Eu fiquei encarando ela esse tempo todo
Assim que percebi o quanto aquilo ia parecer estranho, desviei o olhar para o chão, envergonhada.
Porém, notei que ela também estava me observando.
Seus olhos negros davam a impressão dela querer decorar cada detalhe em mim. Igual da primeira vez que a gente se conheceu no jardim da escola.
Lembrei de Diana.
Era como escutar uma trilha sonora toda vez que via ela. Tudo ao redor perdia a importância e eu só conseguia enxergar minha querida Diana.
Nunca tinha acontecido com ninguém além dela, mas aquela sensação estava acontecendo de novo.
Primeiro Diana e agora Ravena. Todas as meninas bonitas me chamavam atenção ou era coincidência?
Queria poder ter essa sensação com algum menino bonitinho também.
Por que só sentia isso com as meninas?
Levantei tropeçando nos próprios pés e puxando o lençol da cama. Carla Cecília pulou assustada.
Abri a cortina. A luz da lua iluminou o chão do quarto.
Soltei um suspiro maravilhada com tanta beleza.
A lua cheia subia vagarosamente se escondendo por entre as árvores,o vento estava forte, as nuvens cobriam o céu.
— Acho que vai chover - comentei e permaneci de boca aberta encantada.
— Vai mesmo. Valeu a pena ter visto esse espetáculo? - encostou a testa no vidro da janela.
— Valeu muito a pena - logo eu tossi para disfarçar — Aqui tá tão silencioso.
— E isso não é ótimo? O silêncio da noite é bom para pensar e desenhar. Vamos participar do espetáculo.
Saiu andando decidida e fiquei confusa.
— Não podemos sair a noite.
— Oi, Jade — Oliver entrou no meu campo de visão — Não quis interromper vocês então fiquei te esperando.
— E esse bombom?
— O bombom... é... Sonho de valsa — gaguejou inseguro — Você quer?
— Estão com medo da lua? — Ravena chegou e arqueou a sobrancelha —
Sua mãe disse que era para comer esse bombom depois da janta.
— Por que você sempre chega me assustando? - Oliver reclamou — Qual o problema se a gente comer o bombom agora?
— Eu quero. Obrigada — puxei o Sonho de Valsa da mão dele — Vamos comer pipoca com suco e guardar o bombom para sobremesa.
— Eu vou lá fora — ela falou e papai chegou bem na hora.
— Vou fazer a pipoca. Não podem sair. Querem brincar? Podem ir. Querem assistir televisão? Fiquem a vontade.
— Exatamente. Concordo com ele. Como conseguem falar assim? Esqueceram da lenda da lua?
— Oliver diz isso porque não viu o céu — ela encostou o ombro no meu — Jade Luisa ficou encantada.
— Cuidado, crianças. Eu e minha filha somos novos na cidade, mas os antigos moradores podem ficar comentando.
Joel foi assobiando enquanto pegava o pacote de pipoca, óleo e a panela.
— A gente só vai brincar um pouco lá fora, senhor — Ravena chamou atenção dele.
— Vou confiar em você, mocinha — colocou óleo na panela — Entrem logo. Prevejo uma tempestade vindo.
Oliver fez o sinal da santa cruz.
— Não vou olhar para cima, não vou olhar para cima, não vou olhar para cima... - ele abriu a porta repetindo.
— É um mantra? — perguntou e pegou seu caderno junto com a câmera — Eu vou tirar foto.
— Isso é um lembrete - cruzou os braços parado na calçada - A velha Raven sempre acompanhada da sua câmera.
— Meu Deus. Tem vagalumes - abri a mão tentando pegar um - Que lindo.
— A coruja continua no telhado - ela tirou a foto de algo — Sabem qual o significado?
— Não sei. Só lembro da sua casa nas montanhas — sua voz saiu abafada por causa do vento forte — Aquele lugar é cheio de coruja.
— Bem pensado. Onde sua amiga mora?
— Não importa agora — me ignorou e Oliver e Ravena se entreolharam — Os mais antigos tinham uma superstição de que se a coruja piava a noite era sinal de coisa ruim. Principalmente se ela piasse próximo a casa de alguém. Diziam que podia indicar morte de um parente.
— Acredita nessa superstição? — nós falamos em uníssono.
— Não. Acho a coruja fascinante e meio incompreendida, sabe? Além disso, todo mundo tem medo do que se esconde, do mistério, do suspense e para mim isso é muito...
— Mistério e suspense? Tem a ver com a coruja? — ele se aproximou a passos lentos.
— Um pouco. Porém, sou acostumada a dizer Viva os noivos quando uma passa - explicou — Já pararam para pensar o quanto tememos as corujas?
Ficamos calados.
— Um dia eu vi uma — contou olhando as nuvens passando — Estava no chão bem quietinha. Eu cheguei perto, me abaixei, ela continuou calma e virou a cabeça querendo me ver. Foi mágico.
Ravena começou a girar com os braços abertos.
Girava enquanto segurava a câmera. Encarou um ponto fixo no céu.
O vento bagunçou seus cabelos e fez o seu vestido voar.
Era como uma bailarina só girando, girando e girando sem parar.
Dava até para ouvir Starman do David Bowie tocar.
— Não é possível a vida ser só isso aqui. Existem muito mais do que os nossos olhos podem ver — gritou parando de girar — Ei, perceberam como a rua tá silenciosa?
— Claro. É noite e o ônibus já parou de funcionar — Oliver puxou ela — Vamos entrar antes da chuva. Eu não aguento outra tempestade.
— Precisa enfrentar a água — disse simplesmente — Esse seu medo começa a me assustar, novo melhor amigo.
— Nem vem, Raven. Eu sei o que você quer — continuou puxando ela — Estou calmo e não vou ligar para provocações.
— Vou fingir que acredito — se afastou dele — Todo mundo devia tá aqui vendo esse espetáculo, Oliver, mas não. Estão todos trancados.
— Porque essa é a regra - sentou no chão da calçada — Não podemos sair de noite e você sabe disso.
— Eu sei, mas nunca segui essa regra — disse séria — Dançar em noites assim é libertador... a lua cheia deixa um clima perfeito para gente sonhar.
— É como um véu negro cobrindo a cidade - eu comentei — Só vemos luzes acessas nas casas.
— Os vagalumes também iluminam - ele assoprou o inseto que passou voando do seu lado.
— Sabiam que os vagalumes brilham para se comunicar? — perguntou de repente — Os machos brilham primeiro no cair da noite e isso atrai as fêmeas. Então eles conseguem se comunicar e as fêmeas emitem luzes para chamar os machos que voam perto delas.
— Nossa. Eu nunca ouvi falar — sorri — Onde você aprendeu essa curiosidade?
— Em um programa da televisão sobre insetos e nos livros — respondeu todo orgulhoso — Eu posso procurar mais curiosidade. Quer saber outras?
— Terminei a pipoca, crianças — Joel gritou e entramos na mesma hora.
Nós três fizemos suco de acerola. Cada um pegou sua bacia de pipoca e fomos sentar nos colchonetes.
As folhas voavam por causa do vento forte.
Peguei a fita do filme O Jardim Secreto e virei para trás.
— Estão prontos para assistir o melhor filme do mundo? — mostrei a capa — É a história da Mary...
— Passou na Sessão da Tarde, garota — ela colocou uma pipoca na boca — Esse é um clássico.
— Não assisto Sessão da Tarde. Essa vai ser a primeira vez que vou assistir o filme — ele se animou e bebeu o suco.
— Boa noite - meu pai beijou a minha testa — Vão dormir cedo, ok? Depois do filme eu quero todos vocês dormindo. Combinado, filha?
— Tenha bons sonhos, seu Joel - Oliver desejou — Pode deixar que eu cuido da sua filha.
— Por qual motivo vai fazer isso? Minha filha sabe se cuidar sozinha - papai o repreendeu — Podem conversar, mas conversem baixo e não façam barulho.
— Tudo bem, pai. Já entendemos - dei abença a ele e coloquei o filme.
— Seu pai não foi muito com a minha cara — ele sussurrou.
O Jardim Secreto começou e a cada cena eu ficava mais ansiosa para comentar.
Sabia de cor todo aquele filme e sempre achava bom assistir novamente.
Era igual ler o livro Anne de Green Gables. Podia ler inúmeras vezes até perder as contas e nunca cansava.
Com o filme da Mary também era assim.
( 19h25 )
A chuva havia começado. O cheiro de terra molhada estava por toda parte.
A gata permanecia deitada dormindo.
Não tinha trovão ou relâmpago.
— Essa é a melhor cena.
Encarei o colchonete do lado direito. Oliver fechava os olhos, roía as unhas, rezava baixinho. No colchonete do lado esquerdo, Ravena assistia a cena sem mostrar desinteresse.
— E se a gente fosse tomar banho de chuva?
— Ficou maluca, Raven? Eu não saio nem se você me der 100 reais.
— Eu prometo te ajudar com seu medo — ela propôs decidida — O dinheiro vai acabar e se você perder o medo... com certeza sairá ganhando muito mais.
— Obrigada, nova melhor amiga - ele agradeceu — Porém, recuso sua oferta.
— É perigoso. Papai foi bem claro e precisamos dormir cedo — eu intervi — Vamos ficar gripados se fizemos uma loucura dessa.
— Com a proteção não pegamos gripe nenhuma — me virei a observando e ela tinha um sorriso maroto nos lábios — Aqui tem quantos guarda chuvas?
— Só dois. O que tá querendo fazer? — perguntei com receio — Não me diga...
— É isso aí, Jade Luisa — confirmou — Eu e você dividimos um guarda chuva e Oliver fica com o outro.
— Prefiro continuar protegido — bateu o pé no chão — O seu Joel pode acordar e brigar se nos ver lá fora.
— Sem problemas. Eu vou sozinha - se levantou — E irei sem proteção de nada.
— Espera. Podemos ir juntos — peguei no seu braço para me levantar — Vou pausar o filme.
— Esqueçam de mim, por favor — ele choramimgou — Hoje nem teve missa por conta da tempestade e a rua deve tá totalmente escura.
— A gente te protege, bebê — revirou os olhos e pegou o guarda chuva grande — Quem tiver coragem pode me seguir.
Abriu a porta devagar.
— Ravena é doida — avisou — Ela quer nos levar para o mal caminho.
— Que exagero — gargalhei — Você vem também?
— Eu vou. Contanto que se o seu pai descobrir a culpa não caia em cima de mim — suspirou — Pegar a "proteção" indispensável. Nossos sapatos ficarão sujos e molhados mesmo usando isso.
Saímos andando meio apreensivos.
Eu nunca desobedecia as ordens de papai
Fiquei preocupada
Abracei Raven me protegendo e senti seu coração acelerar um pouco. Oliver segurava o guarda chuva se tremendo.
— Anda direito — ela pediu — Não se desespera, ok?
Ele foi se afastando e percebi o quanto estava se tremendo.
— Sempre andei rápido — afirmou — Consigo sozinho.
— Fico muito feliz por você — bateu palmas — O primeiro passo é esse, novo melhor amigo. Precisa ter coragem.
— Podemos apostar corrida — sugeri — Até a esquina e depois voltamos.
— Passou seu cansaço? — falou baixo no meu ouvido.
Senti sua respiração calma.
— Descansei bastante enquanto assistia o filme — respondi sendo sincera — Fica despreocupada. Eu estou ótima.
— Corrida não. Pular em poça de lama.
Atendemos ao pedido dele e de mãos dadas pulamos em uma grande poça de lama.
Nossas roupas ficaram sujas e eu estava sem luvas.
— Seu nariz tá todo sujo — ela pegou no meu rosto rindo — Ei, tem um cílio aqui — tirou e virou o dedão para cima — Faz um pedido.
— Você acredita nisso? — Oliver limpou a lama que estava nos seus braços — Tá bom. Agora a gente entra e toma banho.
— Entrar agora? Foi o suficiente esse pequeno momento? — jogou água nele — Nem conseguimos brincar direito.
— Foi mais que o suficiente — gaguejou — Faz logo esse pedido, Jade. Eu estou morrendo de frio.
— É muito bebê mesmo - provocou ele.
Coloquei meu dedão no dela fechando os olhos.
O que eu ia pedir?
Só queria Diana, Ana Lucia, Luciana e Eunice participando das brincadeiras com meus novos amigos.
Queria ser a princesa Gabriela e viver livre.
Eu queria eternizar essa noite. Viver isso durante a eternidade inteira.
Essa noite mágica não podia acabar.
Oi :)
Como vocês estão?
Obrigada por estarem aqui comigo
Espero que estejam gostando.
Desculpa se teve algum erro
O Capítulo ficou um pouco grande.
Escrever esse livro me deixa feliz, emocionada, animada e acabo escrevendo muito...
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro