20 A REVOLUÇÃO WATTPADIANA (parte 1)
O CAMINHO PELAS RUAS DO BAIRRO FOI PERCORRIDO EM SILÊNCIO. Crianças correndo para cima e para baixo, pessoas sentadas nas portas de casa, os bares cheios de torcedores para acompanharem o jogo da tarde. Apesar da felicidade que emanava ao redor deles, Lucas e Otávio pareciam vindos de um velório. O sorvete e o pão de queijo na sacola ainda nas mãos do amigo nem pareciam fazer mais sentido. O que comemorariam?
Como se escutasse os anseios mentais do garoto, Otávio respondeu:
— A gente pelo menos pode comemorar um fato.
— Qual?
— O de termos nos livrado da suspeita.
Lucas parou, a mão a centímetros do portão.
— Como assim?
— Lucão, se o Isaú ainda achava que um de nós é que estava escrevendo esses textos, acho que agora ele não tem mais certeza. Como a gente ia conseguir essas fotos e documentos e todo o resto?
— É. Pelo menos isso ajuda — abriu o portão. — Eu acho...
Deram três passos em direção à porta quando quase foram derrubados por Jorim. Assim como um cachorro particularmente feliz, ele pulava ao redor dos garotos enquanto gritava de empolgação. Otávio se aproximou de Lucas
— Isso é só por que a gente chegou?
Lucas não precisou responder. Com um berro, o primo gritou para o mundo escutar.
— Ah, muleque! Eu vou pra São Paulo! — Jorim correu para o meio da rua e abraçou o vizinho do nada. O homem ficou paralisado. — Saiu minha passagem pra São Paulo, Seu Eduardo!
O homem assentiu, em choque, e colocou o filho para trás dele. Foi andando de costas até em casa e correu para dentro.
— Teu primo não é muito certo das ideias, né?
— Ele é emocionado, só isso — Lucas sorriu. ''Pelo menos, uma felicidade naquele dia estranho'', pensou. Saiu e puxou Jorim para dentro de casa. Falando baixinho para Otávio não escutar, resumiu a felicidade do rapaz a uma frase: — Tu vai aproveitar pra encontrar com o Ronnie.
Jorim ergueu uma sobrancelha, sorriu de lado e fingiu normalidade. Nada disse. Quando estavam para entrar, porém, o rapaz estancou na porta, inflou o peito e começou a cantar "Paula e Bebeto" do Milton Nascimento.
— Pena, que pena, que coisa bonita, diga/ Qual a palavra que nunca foi dita, diga/ Qualquer maneira de amor vale aquela/ Qualquer maneira de amor vale amar/ Qualquer maneira de amor vale à pena/ Qualquer maneira de amor valerá...
Como ficar triste quando Jorim está feliz? Aos sorrisos, Lucas e Otávio empurraram o rapaz para dentro de casa. Por breves minutos até esqueceram de escola, Divulgador e Wattpad. Sentaram-se à mesa da cozinha para ouvirem os devaneios de Jorim e os planos loucos para os dias no Sudeste. Comiam sorvete com pão de queijo, uma algazarra de dar gosto, quando Miridéia trouxe todos de volta aos fatos. Sacudiu o celular na mão.
— Vocês fazem ideia do que isso significa?
— A tela do seu celular rachou?
A tia deixou o aparelho sobre a mesa, pegou o chinelo e jogou no filho.
— Eu não tô brincando, Jorim. A quantidade de comentários — puxou uma cadeira com o pé e deixou-se despencar. — Eu não pensava que as coisas tomariam esse rumo. Que chegariam nesse ponto...
— Mas, tia — Otávio começou —, pelo menos agora o Isaú vai sentir as consequências do que ele faz. O Divulgador merece um prêmio por bons serviços prestados.
— Eu sei disso — esbaforiu-se. — Ele precisava disso. Mas... Mas quando vocês começaram era tão pouca gente que lia e agora... Seu Isaú nunca gostou da imprensa.
— Claro que ele nunca gostou da imprensa, mãe. Já viu gente autoritária gostar de ser confrontada? A senhora, inclusive, livrou seu adorado chefe de muita coisa que eu sei.
Miridéia balbuciou algo. Abanou-se com um pedaço de papel-toalha.
— Isso faz tempo, não vem ao caso. Essencial agora é ver o que vai acontecer com essas denúncias. Vocês acham que o Divulgador ainda deve publicar mais coisas assim?
Lucas ponderou.
— Bom, como a imprensa entrou no jogo, eu acho que agora seria mais seguro divulgar as coisas que a gente tem contra ele.
— A gente tem?
Lucas olhou para Otávio, sem palavras. Ato falho.
— A gente tinha. Ou teria. É uma suposição, apenas.
— Sei...
Jorim pegou uma maçã e brincou com a fruta.
— Se eu fosse o Divulgador, agora mesmo é que eu ia incomodar. Ia divulgar tudo o que eu tenho e ainda aumentava. O Isaú é tipo aqueles machões que falam grosso, batem na mesa e ameaçam todo mundo: na hora da verdade, ficam escondidinhos dentro de casa e ainda são capazes de inventar doença pra não serem incomodados. Quando não fogem pra outro país.
— Ele até pode ser assim, mas você acha que o Cléver vai ficar quieto vendo o pai nessa situação?
O rapaz mordeu a maçã e mastigou a pergunta de Otávio. Lucas entendia a demora para responder. Isaú tinha muito a perder se agisse de forma impulsiva. E não teria ninguém acima dele para lhe dar suporte. Já Cléver, protegido tanto pelo pai como pela mãe, teria a salvaguarda de acusar os colegas e ainda seria beneficiado pelo fato de ser menor de idade.
— Eu acho que o filho do diabo...
— Não chama o menino disso, Jorim. Coisa feia!
— Mas, mãe, se o diabo tem um filho o guri é o quê? Ora essa! Eu acho que o — olhou para Miridéia — "Pequeno ser trevoso" pode dar trabalho pra vocês. Gente mimada vive numa bolha perigosa. Quando uma agulha se aproxima, são capazes de tudo pra evitar o estouro.
— Ele devia é partir pra cima dos professores — Otávio argumentou. — Tá na cara que foi um deles quem fez isso.
— Um professor hacker ia roubar nossa senha? Eu acho difícil. Só se tivesse ajuda, sei lá, do pessoal de T.I. Ou daquele estagiário da sala de projeções. Eu já vi ele mexendo em códigos de programação.
— Ele é esquisito mesmo. Semana passada eu fui lá fazer pesquisa e ele tava com os óculos de cabeça pra baixo e com o cabelo cheio de teia de aranha. Disse que tava ajeitando os computadores.
— E ainda tem a dona Hermínia, não podemos esquecer.
Miridéia quase deixou o papel cair.
— A Hermínia?
— Sim, tia. Quem mais a senhora acha que teria acesso àquelas fotos? O Lucão sempre disse que as pastas ficam muito bem guardadas, em uma gaveta trancada. Só pode ter sido ela.
— Pois, eu colocaria ainda mais gente nessa lista de suspeitos — Jorim bateu os dedos pela mesa como se traçasse ligações em um quadro de detetive. — Tem o Setor de T.I, o carinha da tecnologia que vocês disseram e a dona Hermínia, né? Eu acrescentaria alguém de alguma das Coordenações e mais gente da Secretaria ou da Tesouraria.
— Mas isso tá parecendo uma conspiração — Otávio resumiu.
— Sim. E o que vocês quatro fizeram era o quê? Uma saudável e prazerosa reunião de amigos pra brincar de detetive? Escutem o que eu tô dizendo: alguém roubou o Divulgador de vocês e não fez isso sozinho. E agora tá botando água no feijão que é pra chegar mais gente. Muita coisa ainda vai sair desse angu.
Todos pegaram papel-toalha para se abanar. A temperatura havia aumentado de repente.
***
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