CRIAR UM EMAIL FOI RÁPIDO. Após quinze minutos de debate e conjecturas, optaram pelo mais simples: juntar as iniciais dos sobrenomes dos quatro. Desse modo, as pessoas que quisessem fazer denúncias poderiam enviar para o endereço "cetropove@cetropove.com". O primeiro passo estava concluído. Em seguida, partiram para a criação do nome de perfil.

Aqui, a confusão se instaurou.

De um lado, Evandro, Lucas e Domingas queriam algo mais classudo ("Poeta da Revolução", ''Justiceiro Maranhense''). Otávio, pelo contrário, sempre dado a partir para cima, sem meios termos, defendia um nome mais direto ("O Damariano"). Após mais uma rodada de rocambole doce com suco de graviola e outra sessão de discussões, apenas no comecinho da noite chegaram a um meio termo.

Surgiu "O Denunciador".

Depois, veio a senha. Por um lapso de inteligência, pensaram em usar o mesmo nome do e-mail, mas Lucas foi a voz da razão e impediu tamanho retrocesso. E foi ele mesmo quem sugeriu a melhor opção:

— "TyzaInobela".

— Tyza Inobela? Que diacho de nome é esse, Lucão?

— É uma personagem de um anime bem antigo que eu assistia quando era criança — explicou. — Tenho certeza de que ninguém vai pegar a referência porque nem falo sobre isso com ninguém.

— E ninguém assistiu a esse fracasso, né? — Evandro sorriu. — Eu nunca ouvi esse nome na vida.

Os outros dois apoiaram a ideia e assim ficou decidida a senha do perfil do Wattpad.

— Tá, ótimo — Domingas até enxugou o suor da testa. — Quarta etapa: o nome do livro.

A garota ainda teve de explicar para eles o conceito de como fazer as publicações no Wattpad e aproveitaram para estabelecer que os quatro teriam acesso tanto ao e-mail como ao perfil na plataforma. Porém, salvo em casos emergenciais, extraordinários, fizeram o acordo de só publicarem algo que tivesse o aval de todos. Com isso definido, partiram para a produção do livro e estabeleceram como título "Revelações & Podridões Escolares em São Luís".

E ainda tiveram mais uma discussão longa se o correto seria "em São Luís" ou "de São Luís"...

Quando terminaram a capa, apesar do cansaço, partiram para a sinopse e o texto de apresentação. Redigiram os objetivos do livro, terminaram e ficaram parados olhando para o botão "Publicar". Naquele silêncio, Domingas recebeu expressões de apoio de cada um dos amigos e clicou. A página atualizou, o texto surgiu junto a mensagem "Seu capítulo está publicado. Parabéns!".

Olharam para a tela do notebook como se esperassem que aquilo tudo fosse explodir. Não explodiu, estava feito. Lucas tomou a frente e leu em voz alta:

— "Manifesto pelo respeito. Senhoras, senhores e senhorxs, este é um livro de esperança. Diante do que vejo na minha escola, adultos incapazes de resolver as questões dos alunos, alunos esquecidos do significado da palavra 'respeito', eu decidi falar, e gritar, e denunciar, o que sei e o que muitos dos meus olhos veem. O objetivo deste livro é ser uma porta de diálogo e de reflexão sobre o descaso que professores, coordenadores, diretores, conselheiros e funcionários da minha escola têm com as denúncias de bullying que recebem. Não são poucas, mas, ou eles não resolvem, ou escondem no fundo de suas gavetas. A mudança começa com a coragem de falar; com a ousadia de receber um tapa e encontrar um meio de gritar para o mundo o que se sente. Em uma sociedade tão cega, muda e surda, eu, o Denunciador, pretendo ser olhos, voz e ouvidos de você que me lê e precisa desabafar. Conte comigo. De forma anônima, sem precisar citar nomes de ninguém (se você não quiser), eu contarei a sua história através de contos, microcontos, minicontos e poesias. O meu e-mail é "cetropove@cetropove.com". Sinta-se à vontade para me contar o que quiser e tenha certeza de que, juntos, nós faremos essas denúncias serem lidas. Sonhe alto, sonho comigo. Faremos de nossas escolas lugares melhores." E aí, o que vocês acharam?

— Eu gostei — Otávio se espreguiçou. — Parece chamativo para mim. Apesar de eu preferir algo mais tapa na cara, sabe?

Domingas recusou.

— Por enquanto, não. Começar assim seria atrair atenção das pessoas erradas. A gente primeiro precisa atrair a atenção dos alunos que sentem falta de um canal de diálogo como esse. Fazendo isso, logo esses textos vão ganhar mais visibilidade e serão notados pelos diretores.

— É, mas aí é que está: e se eles partirem pra cima da gente; quiserem abafar como sempre fizeram?

A garota sorriu, cheia de si.

— Ah, Vandro, meu amigo, quando isso acontecer, os textos já vão estar longe. Até nos jornais, quem sabe. Nesse ponto, isso eu garanto, eles não vão conseguir abafar nada. Nós só precisamos ter paciência.

Os outros assentiram. Estavam cansados, mas satisfeitos com o trabalho realizado. Acima disso, ansiosos para começarem um incêndio com o que Lucas intitulou de "a grande revolução".

* 

Guarde esse primeiro texto publicado. Muitos outros virão e será forte. Esses quatro explorarão um lado do Wattpad pouco usado: a denúncia social direta, em textos de não-ficção. É o grito em palavras, o tapa em texto. Não tema. Precisamos falar sobre muitos assuntos ignorados. Obrigado pela leitura. Abração. Até o próximo capítulo!