2. Pontos
Caroline... O nome soava até como o refrão de uma música do Capital Inicial. Ela sorriu, como se estivesse feliz em me conhecer. Ou por educação. Geralmente é por educação. Mas, por algum motivo desconhecido, eu esperava que ela estivesse feliz em me conhecer. Simples assim.
— Prazer. — Disse, esperando que ela começasse algum assunto. Não. Comecei a ficar nervoso, porque eu queria puxar assunto com ela, só não sabia como. Por ser muito tímido, nunca tive habilidade comunicativa nenhuma, principalmente com pessoas que acabei de conhecer. Só que eu queria falar com ela! Não faz o menor sentido, mas vamos fingir que sim! — Ah... — Eu ia cometer um erro irreparável e mencionar o tempo, mas algo milagroso me salvou: sua mochila. Ela estava em seu colo, com as alças viradas para nós. E eu notei os diversos bottons nela. Do lado esquerdo (que, na verdade, ficava do lado direito do corpo dela ao estar devidamente posicionada nas costas), víamos, de cima para baixo, a seguinte ordem: Sherlock Holmes; um botton com vários livros de contos de fada empilhados; A Abadia de Northanger (da Jane Austen); um botton daquela ONG Habitat; um escrito Viva a Leitura; um de O Fantasma da Ópera; e um de um livro chamado Sob a Luz da Escuridão. Do lado direito, tínhamos: um botton de A Escola do Bem e do Mal (só que em inglês); dois bottons do Acampamento Meio-Sangue do Percy Jackson (um branco e em português, outro laranja e em inglês); um botton estranho de um coelho sobre uma mesa, a qual está sobre um penhasco; mais um botton do livro Sob A Luz da Escuridão (dessa vez com o nome da autora, Ana Beatriz Brandão); um botton de "Os Heróis do Olimpo", continuação de Percy Jackson; um da Odisseia; e o último escrito "Todo poder feminino". Eu, na verdade, não conhecia boa parte dos livros e descobri depois, perguntando para ela. Mas vocês não precisam esperar o episódio em questão para saber dos livros. — Você gosta de ler?
— Para falar a verdade, gosto demais. E você?
— Uhum. — Era a resposta certa para não mentir descaradamente. Eu gosto de ler, mas não ter o menor hábito é... Não aceitável.
— Jura? Isso é incrível porque é raro achar alguém que goste de ler! — O sorriso dela era radiante e eu senti uma vontade imensa de começar a ler com mais afinco. — Já leu algum livro da Jane Austen?
— Uhum. — Assisti ao filme de Orgulho e Preconceito. Deve representar alguma coisa, né? Não deve diferir muito.
— Orgulho e Preconceito? — Ela sorriu quando eu fiz que sim com a cabeça. — Você sabia que vai ter uma adaptação brasileira de Orgulho e Preconceito? No Netflix?
— Sério? E como vai ser isso?
— Ainda não sei, os envolvidos não revelaram muito.
— Engraçado como o Brasil está crescendo lá fora, não é? — Tive um vislumbre da janela e do cenário lá fora. O ônibus estava passando pelo meu ponto. Eu tinha duas opções: entrar em pânico e sair correndo, ou continuar conversando com a garota mais bonita que eu já vira na face da Terra. — Você costuma ler muito? — E eu fiz minha escolha, vendo meu ponto de ônibus se afastar no Horizonte. E vendo meu precioso prédio ao meu lado. Valeria a pena, eu sabia disso.
— Antes de começar a faculdade esse ano, eu tinha uma média de um livro completo por dia. Hoje eu tenho uma média de 4 livros por semana. — Ao ver minha cara de espanto, ela suspirou. — Tá, você não acredita nisso. Ninguém acredita!
— Não, não! Eu acredito! — E ainda consegui registrar que ela também estava em seu primeiro semestre na faculdade. Mas qual universidade? E qual curso? — Você costuma ler o quê?
— Romance. — As bochechas dela coraram, como se tivesse vergonha de falar isso. Como se a sociedade a julgasse por uma preferência. E eu revelei meu próprio segredo "vergonhoso".
— Eu só assisto comédias românticas, então te entendo.
— Um cara que tem coragem de revelar isso. Uau! — Enquanto ela sorria, vi mais um ponto de ônibus passar. Eu estava me afastando demais do meu prédio e não sabia mais se me preocupava ou não. — Você mora muito para cima no bairro? — Ela pareceu notar minhas olhadas para a janela.
— Hum... Na verdade eu vou no próximo ponto. — E levantei, porque sabia que iria até a casa dela se fosse possível. Tinha que ser forte e não sucumbir ao desejo de saber onde ela morava, para procurá-la mais vezes.
— Ah... Foi um prazer então. — Ela me deixou passar e tomou meu lugar na janela. Apertei o botão para avisar o motorista e fiquei observado-a, me perguntando quando poderia vê-la de novo. Havia muito a descobrir. — Tchau. — Caroline disse ao ver a porta abrir diante do meu corpo ansioso.
— Tchau! — Tentei demonstrar animação no tom de voz para não deixar claro que eu não queria deixá-la, só que precisava de um tempo para interpretar o que estava acontecendo comigo.
Desci as escadas e virei para observar o ônibus enquanto suas portas se fechavam e ele se movimentava. Caroline estava colocando fones no ouvido e me deu uma última olhada, um último sorriso. Provavelmente pensou que não iria me ver novamente, o que é plausível considerando o tamanho do nosso bairro e o número de ônibus que circulam.
Mas eu estava determinado a vê-la de novo. Enquanto descia a Azevedo Soares, fui criando meu plano infalível. E, diferente do que Cebolinha dizia, meu plano seria infalível mesmo!
— Prazer. — Lucas parecia desconfortável e eu segurei minha vontade de suspirar. Isso é muito mais comum do que deveria ser. Os caras sempre estão ansiosos para se verem livres de mim. Lucas era só mais um, pelo que tudo indicava. Não posso culpá-lo, ou culpar quem for... Exceto eu. Eu sou o grande problema das conversas, simplesmente por existir. Não sou nada do que deveria ser, não sou nada do que esperam de mim. — Ah... — Ele desviou o olhar dele para a minha mochila. Presumi que estivesse analisando meus bottons, principalmente por causa do que disse: — Você gosta de ler?
— Para falar a verdade, gosto demais. — Tive vontade de rir, porque era quase um eufemismo. — E você?
— Uhum. — Estava mais do que óbvio que ele estava tentando matar o assunto por ali, que queria sair de perto de mim, mas o ônibus em movimento não permitia.
— Jura? Isso é incrível porque é raro achar alguém que goste de ler! — É claro que eu não consegui parar de falar! Mas me dê um desconto! O cara estava dizendo que gostava de ler! É raro demais achar um cara que lê em São Paulo! Mesmo em meu curso. — Já leu algum livro da Jane Austen?
— Uhum.
— Orgulho e Preconceito? — Arrisquei, por ser meu livro favorito. Lucas concordou e eu tive que conter o sorriso idiota que queria me consumir por completo. Perguntar se a pessoa leu seu livro favorito é uma ótima forma de testar os gostos dela. — Você sabia que vai ter uma adaptação brasileira de Orgulho e Preconceito? No Netflix?
— Sério? E como vai ser isso?
— Ainda não sei, os envolvidos não revelaram muito. — Mas eu tinha certeza de que a combinação Mille da Silva, Fred Ribeiro e Netflix não poderia dar errado, ainda mais com a minha suspeita de que Nathanael* estivesse envolvido no processo.
— Engraçado como o Brasil está crescendo lá fora, não é? — Ele olhou rapidamente para a janela e eu só intensifiquei meu nervosismo com aquilo. Por que os caras me odeiam tanto? Qual o meu problema principal? Se alguém me dissesse, procuraria melhorar. — Você costuma ler muito? — Mas, por algum motivo, Lucas ainda estava tentando jogar conversa fora. Será que não queria deixar o clima estranho? Ou seria por outro motivo? Ah, provavelmente foi por causa do clima.
— Antes de começar a faculdade esse ano, eu tinha uma média de um livro completo por dia. Hoje eu tenho uma média de 4 livros por semana. — Vi a feição de incredulidade dele e me arrependi de ter dito isso. É coisa de gente que quer se mostrar... Pelo menos é o que me dizem. Ainda assim, não aprendo a ficar quieta quanto a realidade. — Tá, você não acredita nisso. Ninguém acredita!
— Não, não! Eu acredito! — Por que ele ficou tão exaltado ao dizer isso? Estava evidente que não estava gostando da minha companhia, então... Por quê? — Você costuma ler o quê?
— Romance. — Senti minhas bochechas esquentarem. Todo mundo tira sarro de mim quando digo isso. Aliás, tiram sarro quando eu falo "sarro". "Que palavra de gente velha" dizem, mas eu não me envergonho disso. "Velho" nunca deveria ser usado como um insulto, principalmente porque as pessoas mais velhas apresentam muito mais experiência e ensinamentos.
— Eu só assisto comédias românticas, então te entendo. — Esse foi o momento em que Lucas ganhou uns pontinhos comigo, mesmo que eu suspeitasse que tudo não passasse de uma mentira.
— Um cara que tem coragem de revelar isso. Uau! — Sorri, mas meu sorriso foi assassinado quando Lucas olhou para a janela novamente. Ele poderia só parar de falar comigo se parecia tão torturante! — Você mora muito para cima no bairro?
— Hum... Na verdade eu vou no próximo ponto. — Levantou, finalmente deixando evidente como não estava mais aguentando aquela situação.
— Ah... Foi um prazer então. — Deixei ele passar e tomei seu lugar na janela. — Tchau. — Disse quando a porta abriu.
— Tchau! — Desceu as escadas e virou para observar o ônibus enquanto suas portas se fechavam e ele se movimentava. Peguei os fones de ouvido em meu bolso e comecei a colocá-los enquanto sorria para Lucas uma última vez, novamente pensando que nunca o veria novamente.
*Mille da Silva, Fred Ribeiro e Nathanael são personagens dos meus livros "Como Não Acabar Com Seu Ídolo" e "Como Em Uma Série"
No dia seguinte, terça-feira, tentei não me esconder eu meu moletom de universidade. Não por causa de frio, porque março ainda é um mês muito quente nessa selva de concreto. Não que eu reclame, mas... Não custava nada vir um ventinho semelhante ao de um congelador. Mas, como eu disse, não era por um frio hipotético que eu quase me escondia em meu moletom. O capuz não era suficiente para abafar meus temores. Eu estava tentando não entrar em pânico com a matéria de Linguística. Por causa do ProUni, cheguei quase um mês depois do resto da sala, e estava atrasada com as matérias. Por isso corri atrás do que precisava. Entretanto, ainda estava muito preocupada com a prova de Linguística. E se eu tivesse os conceitos errados na cabeça? E se não tivesse entendido as dicotomias? E se não tivesse entendido Langue e Parole? Sabe de uma coisa? A faculdade é assustadora no primeiro semestre, mesmo para pessoas que iam muito bem na escola. É um pouco desesperador, se quer saber. No começo você não sabe o que esperar das provas, ou dos professores, ou dos métodos de avaliação.
Mas eu daria um jeito. Sempre dou!
Pode ser da forma mais inusitada, mas dá certo. Pelo menos eu esperava que sim!
Zanzei um pouco pelo campus até achar o prédio da biblioteca, lembrando do meu primeiro dia lá. Demorei demais para encontrar esse prédio! Sorri para a beleza dele, sentindo-me um pouco imbecil por não conseguir encontrar um número. Ou seguir um mapa. Pouco depois, descobri que todos os bixos tinham dificuldade de encontrar os prédios em suas primeiras semanas. Ainda assim, não consegui me sentir mais inteligente. Tive que me cadastrar na biblioteca, criar uma senha e guardar a mochila em um armário.
No entanto, já estava acostumada. Principalmente por tentar encontrar o cara da poesia. É óbvio que ainda não consegui encontrar nada! Aliás, provavelmente o universo não queria que eu o encontrasse, só que nada pode barrar meus desejos românticos. Talvez vivêssemos uma história de amor e tanto. Ninguém podia prever!
Mas vamos nos contentar com os livros, por ora.
Fiquei um tempinho na biblioteca procurando os mais diversos livros, então peguei-os emprestado e me encaminhei para a saída da faculdade. Estava uns 20 minutinhos atrasada se considerássemos meu horário normal de saída, mas eu sabia que não mudaria muito. No máximo, o almoço estaria pronto. Ainda assim, não mudava muito. Atravessei a Consolação, ficando no meio dela para pegar meu ônibus habitual. Cerca de 50 minutos depois, estava no metrô Tatuapé. E o ônibus rumo ao Terminal Vila Carrão já estava posicionado em seu ponto, como sempre. Nada fora do comum.
Exceto pelo garoto de cabelo roxo que sorriu ao me ver.
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