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Há cinco anos, sete meses e três semanas...
O Concurso de seleção para o CECOP 1 (a equipe alfa)
ELA NÃO VAI CONSEGUIR... Ele ouviu a respiração difícil e hesitante que fazia os seios da garota subirem e descerem de maneira dolorosa, por trás do sutiã... Que, por sinal, estava visível sob a camiseta branca de algodão, ensopada de suor. Pelo menos foi prevenida - ele refletiu. Colocou um daqueles sutiãs inteiros e recatados. (Aliás, como a maioria das candidatas mulheres... Gênero, do qual, ela agora era a única representante, em meio a um "mar" de homens).
Mas, estava quase entregando a toalha...
Ele sabia disso porque mesmo em uma pessoa cansada - mas disposta a vencer - independente das consequências, a respiração deveria soar constante e puxada, como se o candidato inspirasse e expirasse por meio de sua força de vontade. A garota não tinha isto dentro de si - a força necessária. No entanto, os olhos dela revelavam descrença. Ainda estava duelando com o próprio organismo... Provavelmente, tinha acreditado até então que o seu treinamento prévio seria suficiente. Esse é um erro cometido pela maioria dos candidatos. Ele bem o sabia, porque passou pela seleção dos caveiras.
O BOPE do Rio. Uma das seleções mais difíceis do mundo.
Em comparação, não diria que as provas dos atobás eram do tipo: "mamão com açúcar". Ele também estava penando... Mas pelo menos sabia o que os instrutores estavam procurando, quando levavam os candidatos ao limite. E sabia muito bem o que ele queria. Uma vez tomada a decisão, teriam que matá-lo para tirá-lo daquele curso.
A garota ao seu lado, em breve, iria seguir um caminho diferente. E teria todo o seu respeito apenas pela tentativa. Não era digno de um guerreiro debochar dos mais fracos, daqueles que falham, ou desistem. Para quem não sabe disso, ele teria prazer em indicar a Arte da Guerra, de Sun Tzu, e o poema nórdico Edda. Leituras obrigatórias de um guerreiro.
Há muita coisa envolvida na forja de um guerreiro... E nem tudo depende da vontade pessoal, mas de sua natureza. Ou, de descobrir sua real natureza. Há aqueles que, apesar de não passarem em provas (como a seleção dos atobás), tornam-se guerreiros de respeito em outras áreas da vida.
JJ suspeitava que este iria ser o caso daquela mulher.
Ela chamou a sua atenção desde que chegou à base, na garupa de uma moto, meia-hora antes dos portões serem abertos. Leona... Ele ouviu o nome dela, quando o namorado "boyzinho" se despediu. "Quem dirige uma moto usando um terno e mocassins?", ele depreciou o cara, em pensamento. Na opinião de JJ, o namoro não iria durar muito. Aquela garota tinha os olhos de tigresa. "E para ser parceiro de uma tigresa, tem que ser tigre".
Não um gatinho doméstico de apartamento.
O instrutor berrou: - Paga mais cem!
Então, ele viu a batalha se definir no olhar da tigresa. A decepção, a dor, tudo se irradiou das íris verdes. E JJ se moveu... Não devia, não era da sua conta, não solucionaria o problema dela... Apenas adiaria o inevitável... E talvez ela o detestasse por intervir. Dane-se! Ele foi até ela...
-Não seja frouxa! - disse em seu ouvido, antes de voltar a sua posição, ao lado, com a agilidade de um felino.
Ela o encarou com ferocidade, fazendo uma careta de dor. O suor pingava de seu rosto, formando uma poça no asfalto. Acima de suas cabeças, o sol do meio dia os fustigava. O cabelo caramelo, que tanto chamou atenção de JJ, soltou-se do rabo de cavalo, e ela estava quase comendo as pontas rebeldes.
Ele desviou o olhar e retomou o exercício - os bíceps poderosos se contraindo com aparente facilidade (para inveja de Leona). JJ subia e descia como se fizesse isso o tempo todo... Mas peraí, os candidatos ao programa faziam isso o tempo todo. Ela cuspiu uma mexa de cabelo irritante, prometendo a si mesma que se passasse no teste, iria fazer uma chapa bem lisa e acabar com as ondas rebeldes.
De repente, um dos instrutores passou pela coluna do meio e ficou entre os dois. JJ observou disfarçadamente as botas lustrosas se aproximando... Aquele era um militar da velha guarda, JJ avaliou, por causa das botas tradicionais. Resolveu jogar a isca. Quando as botas estavam perto o suficiente, ele externou o seu sofrimento, não muito alto, nem tão baixo que o homem não pudesse ouvir:
-Ainda bem que não é a prova de mar aberto... - JJ disse.
Para! Como se ele temesse o mar aberto... Claro que não! Quantas vezes fez aquela prova? Perdeu a conta. Mas, ele estava disposto a arriscar jogar os holofotes e a sanha dos instrutores sobre a sua pessoa, para dar uma chance à Leona.
Pelo jeito, funcionou.
-Descansar! - gritou o instrutor, parado ao seu lado como uma sentinela.
JJ teve que se controlar para manter a expressão neutra. O instrutor lhe lançou um olhar meio de lado e virou para frente, para que todos o vissem e ouvissem.
-Vamos testar os marujos com medo da água - gritou a plenos pulmões. - Todo mundo para o cais.
E lá foram eles. JJ já tinha executado aquela mesma prova outras duas vezes: para ingresso no BOPE e depois, na Marinha. Não era novidade. Mas a distância, sim, era... E as correntes marítimas eram outras.
Seus pensamentos foram atraídos para a garota, quando ele a viu desabar sentada ao seu lado, de pura exaustão. A expressão de alívio dela era algo perigoso. Significava que poderia não conseguir se levantar mais. Ele a puxou pelo braço com certa rudeza, colocando-a cambaleante, de pé. Leona lançou-lhe um olhar de raiva e fez força para soltar o braço. Ele só liberou, para que o instrutor não percebesse o clima entre os dois.
Se Leona tivesse caído antes de o instrutor dar por encerrado o exercício, ela teria que começar do zero. Não conseguiria, é claro, então, seria eliminada sem chance de participar nem da repescagem.
-Aguenta firme - ele disse baixinho, passando por ela. - Se você conseguir chegar às semifinais, terá a oportunidade de continuar nas equipes de apoio.
-Eu não quero fazer parte da equipe de apoio - ele a ouviu dizer, toda indignada. Alcançou-o na beira do cais, onde JJ começava a descalçar as botas.
-Ninguém está na praia para se divertir, marujo - gritou o instrutor, em seu ouvido. - Seu negócio é nadar com todo o aparato de soldado.
As botas pesavam uns cinco quilos... E molhadas deviam pesar o dobro... Ele teria que fazer um esforço extra. Tudo bem... Encolheu os ombros e saltou na água. Não viu se Leona o seguiu. No entanto, na metade do trajeto - quando a ilha do Tatu já estava visível, ele olhou ao redor discretamente para ver se ela estava por perto. Pensou ter visto o cabelo caramelo a cinco cabeças de distância. Avaliou que a garota nadava bem. Devia ser o seu forte. Leona estava tentando compensar o desempenho de flexão de peito com um nado exemplar.
Alcançaram a pequena enseada. JJ foi o primeiro a sair da água enquanto os instrutores que os aguardavam na ilha cronometravam e anotavam numa prancheta o desempenho de cada candidato. Ele se afastou para o canto que lhe indicaram e esperou, enquanto os instrutores aguardavam que todos chegassem. Aproveitou para recuperar o fôlego e descansar.
O cozinheiro foi o segundo colocado... Como era mesmo o nome dele? Nelson?
De repente, avistou Leona saindo da água, toda cambaleante. E mesmo assim, ela parecia uma deusa... JJ se lembrou daquele filme famoso do James Bond, quando Ursula Andress sai do mar num biquíni branco, deixando pouco espaço à imaginação. Detalhe para o facão preso à cintura da moça...
De repente, JJ sentiu-se culpado de reparar no corpo de outra mulher que não o da falecida esposa. A raiva foi tão intensa que, quando Leona sorriu, ele lhe deu as costas, sem se importar se a estava magoando, ou não. Era um cara quebrado. Não faria bem a ela se envolver com um sujeito assim. Leona era como um raio de sol que ele não queria em sua vida, não precisava (muito menos merecia).
O seu pequeno raio de sol estava esperando em casa. E na maior parte do tempo, ele tinha que se convencer de que a merecia. A garotinha mais linda do mundo - sua filha, Angélica - devia estar ansiosa para pular nele e perguntar: "Como foi, papai?" E JJ estava ansioso para lhe dizer: "Papai venceu!"
Angélica e seu olhar de devoção filial... Ela achava que o pai era um super-herói, mesmo tendo falhado miseravelmente, quando mataram a sua mãe.
Uma criança de cinco anos não merece as culpas e pecados que os adultos carregam.
Sacudindo a cabeça, JJ se concentrou na prova e tratou de esquecer que Leona existe.
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Leona percebeu a mudança de atitude... Ele ficou frio de repente. "Por que será?" Mas ela não conseguiu sentir mágoa, ou raiva. Ao contrário, sentia uma profunda gratidão. Porque se não fosse por ele, teria desistido mais cedo, no exercício de flexão. Nem teria a chance de entrar para a equipe de apoio, pois estava no limite de suas forças.
Quando chegou o momento de enfrentar a prova do bote, não conseguiu erguer a parte que lhe cabia. Além de ser mais baixa que os candidatos do sexo masculino, ela estava cansada das flexões e do nado prolongado. A única coisa que lhe deu alento foi saber que ela era a única mulher que restou na prova.
No entanto, por sua causa, o grupo todo se atrasou e os outros passaram na frente. No final, o instrutor anunciou que teriam que repetir. Todo mundo a olhou com rancor.
-A falha não é só dela - ralhou o instrutor, de cara feia. - É de todos vocês.
Ela se sentou na areia da praia, sem forças nem para chorar. Ainda bem, porque ficaria muito feio desabar no choro agora, na frente daqueles valentões. O calor do sol proporcionou uma sensação reconfortante, aquecendo sua roupa molhada e fria. Ela fechou os olhos e sentiu que não iria conseguir abri-los até o dia seguinte. Estavam naquela maratona há três dias. Faltavam quatro, ou seja, pouco mais da metade.
O novo instrutor se posicionou a sua frente. Ela percebeu, porque a sombra encobriu o abençoado sol e ela abriu um dos olhos para espiar. Sua vista estava irritada por causa da areia, de modo que tornou a fechá-lo. Não sem antes ver o sorrisinho se formando naqueles lábios bem desenhados. Ele tinha cara de surfista. Devia viver na praia, porque a pele estava curtida e os cabelos loiros descorados...
-Vai desistir, Vargas? - ele perguntou, num tom debochado. - Vamos lá, estou esperando ansioso por isso.
Ela sentiu a raiva subir pelas entranhas. E isso serviu como injeção de ânimo. Ela se levantou cambaleante e tonta. Notou, ou achou ter notado um olhar de preocupação cruzando o rosto do instrutor, antes que ele assumisse uma expressão neutra.
-Como vai ser, Vargas...? Você continua ou cai fora?
-Ninguém vai me tirar daqui sem luta - disse ela, entredentes.
Ele concordou com um aceno de cabeça, pareceu um pouco impressionado. Mas ambos sabiam que era mais fácil falar do que fazer. Quantos candidatos chegavam até ali cheios de marra e eram mandados embora com o rabo entre as pernas?
Ela não queria ser um deles.
-Está na hora de escolhermos os parceiros de nado para as próximas atividades de laser, na Atobalândia - gritou o instrutor, sorrindo de orelha a orelha para todos os pobres diabos que caíam esparramados pela praia. - Meu nome é sargento Rodrigues e serei o seu guia turístico nesta ilha paradisíaca - disse ele, num tom tão agradável que deixou Leona mais apavorada do que os instrutores que berravam com todo mundo, lá no continente. - Preparados?
Claro que ninguém estava preparado. Aparentemente, o único de pé do grupo era o cara que tentou ajudá-la e depois a esnobou. Ela nem sabia o nome dele... Estreitou os olhos ardidos e sonolentos, tentando enxergar o crachá no peito. Ureo... Uri... Urich.
Que raio de nome era aquele? Russo?
De repente, ela percebeu que estava se distraindo; ou melhor divagando, quase dormindo em pé. Precisava se concentrar na tarefa. As pessoas começaram a se juntar em duplas, e pelo jeito, ninguém a queria, porque ela falhou na prova do bote. As pessoas não gostam de estar entre os perdedores. Então, ela viu que muitos tentavam se aproximar de Urich, mas ele fazia que não com a cabeça, até que o Sargento Rodrigues começou a olhar torto para ele.
-Aqui não é bufê, homem - disse, quase encostando o nariz no dele.
Urich nem pestanejou, simplesmente saiu andando... na direção de Leona. Ela arregalou os olhos. Alguém soltou uma risadinha e disse "Ih, o cara vai se danar, escolhendo a perdedora". Antes que o instrutor recriminasse o candidato pelo comentário (pouco lisonjeiro e indigno de um cavalheiro), Urich o pegou pela gola e respondeu:
-Aquela mulher tem mais fibra que tu, malandro! - Ele o soltou tão rápido quanto agarrou, antes que também levasse uma bronca. Mas não se afastou de imediato. - Aposto que ela vai mais longe que tu.
Ele se posicionou ao lado de Leona, as narinas infladas e o corpo todo retesado. Ela teve que reunir sua coragem para olhar para cima. Ele estava olhando para baixo.
E assim, nasceu uma estranha amizade.
Ela conseguiu se classificar com pontuação suficiente para entrar no curso de treinamento e seleção da equipe de apoio. Os dois voltaram a se encontrar meses depois, na formatura. Foi quando ela descobriu que o nome correto dele era Ulrich, e não Urich. JJ para os amigos. Eles receberam seus respectivos diplomas. Leona o adicionou no facebook. Ele aceitou. E de lá para cá, enviaram cartões de bom dia, boa tarde, feliz natal... Leona foi designada para estagiar com o contra-Almirante Costa Pinto. Subiu na carreira. Ela e Ulrich nunca tiveram um contato próximo, desde aquele período de treinamento... Mas as faíscas estavam lá... Até que ambos tiveram uma noite... Que bagunçou tudo. E nenhum deles queria bagunça em suas vidas bem estabelecidas...
Mas quem mandava nos assuntos do coração?
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