XVIII
Ao abrir os olhos, desejou profundamente que tudo o que estava em sua memória não passasse de um sonho, mas ao tentar se mover todo o seu corpo doeu. Ferraro foi o primeiro a se manifestar; ela olhou para ele, que se levantou ao primeiro movimento dela e então se moveu para mais perto da mulher. Suas primeiras palavras foram:
— Eu sinto muito, Mac.
Ela passou a mão sobre o rosto, repreendendo-se.
— É tudo culpa minha. — Balançava a cabeça em negação.
— Ela sabia dos riscos ao te trazer para cá. Como você se sente?
— O que você acha? — questionou, irônica. — Cadê Erny? — Sabia da resposta, mas não queria acreditar nela; seu coração estava acelerado, e seus olhos lacrimejaram ao ver o homem falar. Ela sabia o que estava fazendo. Fora escolha dela.
— Que riscos? Como ela poderia prever que seríamos atacadas por monstros?
— Era uma armadilha para atrair Maksimovich; era para outra equipe buscar o vampiro, e ela resolveu ir. Ela queria garantir a sua proteção no caso de um ataque inesperado, e outra equipe não faria isso.
— Então... — Sua voz falhou. — Ela morreu por nada, por um mero plano de vingança seu. — Seu tom de voz aumentava. — Ela morreu porque você queria se vingar dele, morreu porque queria pegá-lo.
A dor em seu peito era enorme; no pouco que conversara com Erny, ela tinha se tornado especial, tinha se tornado alguém que Mac desejaria manter por perto, ainda mais ao saber do desejo dela de proteção. Negava-se a acreditar naquilo, negava-se a acreditar nas palavras de Ferraro.
— Onde está o Guerra? — Tentava imaginar como o homem estava.
— Ele está lá fora.
— Então por que não foi chamá-lo? — Sua voz para com o homem era rude, e seus olhos eram ódio puro.
Instantaneamente o homem saiu de lá, e logo em seguida Guerra entrou; estava completamente armado, seus olhos estavam inchados e ele estava claramente perturbado com sua perda. Parecia pálido. Ela pensava em dizer algo, todavia o primeiro a falar foi ele.
— Eu não quero ouvir suas desculpas, não quero desculpas de você; eu quero que você lute, quero que fique bem, porque Erny morreu acreditando que você ficaria bem. — Ele se aproximou mais, sentando-se na poltrona de braços.
— Por que está armado aqui dentro? Como eu posso ficar bem sabendo disso? — Ergueu um pouco a cabeça para avaliar o homem.
— Você não tem escolha além de ficar bem; as raças estão lá fora brigando por sua cabeça para atingir Maksimovich, e você não pode se dar ao luxo de ficar mal ou se sentir mal agora, Mackensie, não quando muitos estão lá fora se sacrificando por você.
— Eu não quero que se sacrifiquem por mim. — Erguia para se sentar lentamente; passou a mão pelo abdome e pôde sentir um curativo.
— Ferraro não nos dá escolha; ele é filho da nossa líder, e tudo o que Heleonor mandar devemos fazer. — A dor da perda tomava conta do homem, pois pensava que sua vida ao lado de Erny seria imortal, pensava em convencê-la a se tornar uma vampira e ter a amada perto de si para sempre. Sua perda foi repentina e dolorosa, mais do que ele poderia suportar, todavia Erny queria a proteção da loira e por esse motivo Guerra garantiria isso.
— Eu não posso impedi-los. — Negou com a cabeça.
— Mas pode fugir daqui; a maior ameaça nesse lugar não são os vampiros, e sim Ferraro; ele desdenha de burocracia, faz o que quer, passando por cima de tudo e todos. Ele vai te afetar.
— Não sei onde quer chegar com isso.
— Estou dizendo que te entregarei a Maksimovich assim que se curar; ele é o único que pode te proteger. — Levantou-se, aproximando-se da mulher, e puxou o lençol dela devagar. — Se meu sangue tocar sua ferida, você pode se curar, a dor passará em segundos. — Mordeu o pulso, fazendo sangue pingar, e então, com a concordância da mulher, ele tirou o curativo maior e passou o seu sangue.
Primeiro, ela sentiu uma queimação, como se algo estivesse sendo passado na ferida; logo após não sentia nada, seu corpo estava leve como uma pena, e os machucados pequenos não eram nada se comparados ao alívio.
— Coloque uma roupa. — Ele se aproximou do armário, pegando roupas pretas e entregando-as a ela. Virou-se para não ver nada.
Ela levantou-se correndo, e ele estava apreensivo, como se temesse por algo de que ela não soubesse. Trocou-se o mais rápido que pôde e, quando finalizou, questionou:
— Eu mal conheço você... Por que faria isso? Você e Ferraro são amigos há anos... Isso seria uma traição.
— Porque... — Virou-se para a mulher. — Erny tinha um pressentimento, ela gostava de você e gostava de Maksimovich. Por isso vou ajudar Maksimovich.
— Por que me tirar daqui seria ajudá-lo? — questionou, aproximando-se da janela.
— Eu não sei, Mackensie. — Balançou a mão no ar de forma impaciente. — Eu realmente não sei de nada, eu apenas estou fazendo isso; talvez seja um surto, algo momentâneo, mas estou fazendo, estou te ajudando. — Passou-a sobre os fios de cabelo, buscando a calma que não havia. — Eu estou te ajudando e ponto final; se conforme com minha ajuda. — Respirou fundo, buscando melhorar na resposta. — Eu perdi minha humanidade por conta de Ferraro, perdi a mulher que amo porque ele quer o sangue de Maksimovich, eu perdi tudo o que me motivava a viver. Estou te ajudando porque não quero que Maksimovich sinta o que eu estou sentindo agora, porque não quero mais mortes. — falou, triste, como se seu coração estivesse sufocando. — Eu me perdi quando perdi a Erny; não quero que mais ninguém se perca.
O homem foi até a posição que a mulher estava, abriu a janela, e os vampiros estavam concentrados na porta da frente do instituto, o que na opinião dele era burrice; uma luta incansável estava se formando.
— Devemos esperar o pôr do sol. — Ela observava o mesmo sumir. — Por quanto tempo fiquei apagada? — falou, observando o local.
Guerra sabia que logo os vampiros estariam na janela da mulher; agora que havia aberto a janela, o cheiro dela era forte e chamativo. Ele tinha a convicção de que Mak viria salvar sua amada. Olhou para ela com aqueles olhos vermelhos de tanto chorar.
— Tudo aconteceu ontem à tarde — disse, monótono.
Maksimovich disse que a esperaria, que estaria aguardando a mulher hoje, que viria até ela, e essa promessa feita pelo homem trazia conforto ao seu coração. Ela permaneceu em silêncio enquanto a chama no céu se apagava, dando lugar à completa escuridão, tão profunda e silenciosa quanto a alma de Guerra. Sem mais delongas, o homem pegou a mulher no colo, e sem falar nada, pois sabia que ela entendia o que estava acontecendo e deveria ser rápido.
Ao pular da janela em alta velocidade, tocou o chão e já se postou entre algumas árvores. Correu rapidamente e não demorou para vultos de outros vampiros se formarem à sua volta. Tentava ignorar e corria, esperava por Mak; esperava que ele aparecesse a qualquer momento, mas nada do vampiro. Então um vampiro pulou nas costas do homem, e ele caiu, soltando Mackensie e deixando a mulher rolar no chão. Quando se levantou, estava cercado por dez vampiros. Rugiu ferozmente, mostrando as presas, porém nenhum deles foi intimidado.
O sangue da loira estava se formando no chão, pois tinha batido a cabeça quando caiu e um ferimento se formou. Passou a mão nele, e logo a abaixou, vendo a vermelhidão do seu sangue. Os vampiros ficavam cada vez mais agitados, e então Guerra rugiu mais uma vez, mas agora os vampiros se afastaram, pois a figura gélida e sombria de Maksimovich formou-se atrás do homem. Ele demorou para aparecer, pois pediu que Pixel reunisse um grupo de vampiros para ele; não seria capaz de lutar sozinho. Ele rugiu; era capaz de estremecer o chão com tamanha bravura. Guerra deu um passo para a frente e se virou. Maksimovich era digno de respeito; sua presença trazia a assombração da morte, a imponência de um rei. Os vampiros fugiram, todos temiam enfrentar Maksimovich — eram quase imortais, e Maksimovich representava a própria morte a eles. Ele se aproximou de Mac, ajudando-a a se levantar.
— Eu agradeço por tê-la trazido até mim.
Guerra apenas acenou com a cabeça; em si havia um ódio pelo vampiro à sua frente. Mais do que poderia falar em voz alta, ele podia ter salvado a sua Erny, e ele não o fez. Além do mais, com base na fúria de Heleonor e o resto dos vampiros, ele julgava ser suficiente.
— Vou levá-la para a minha casa — falou, pegando a mulher no colo. Apesar de estar aparentemente calmo, em seu interior o corpo gritava de medo pela amada, temia pela proteção dela. Será que ele seria o suficiente? Era suficiente para si, mas e para proteger a mulher, seria capaz?
Antes que ela pudesse dizer algo, o homem correu, e em questão de segundos ele parou em frente à enorme mansão branca e deixou a mulher no chão. Ela saiu zonza do colo do homem, a velocidade que ele corria era demais para ela, mas ao olhar a casa deixou tal palavreado baixo sair de seus lábios:
— Porra!
Olhou para o homem tirando fios loiros de cabelo que insistiam em grudar.
— Essa é sua casa?
O homem, com um sorriso, segurou na mão dela e a puxou para dentro. Ao entrar, tudo era mais encantador do que o lado de fora; os cômodos abertos e espaçosos, claros e cheios de detalhes minúsculos que faziam a mulher se sentir em um castelo.
— Imaginou que fosse diferente? — indagou, fechando a porta atrás de si e se aproximando de uma mesinha de sala, pegando uma maleta de primeiros-socorros. Apontou para o sofá para que a mulher se sentasse. — Imaginava que eu morava em uma caverna?
— Não em uma caverna — falou, balançando a cabeça negativamente. Logo sentou-se. — Imaginava um galpão escuro e fedorento. — Mordeu os lábios, observando o homem se aproximar e se abaixar em sua frente. — Como está se controlando perto do meu sangue?
Ele estava preocupado em colocar um curativo na cabeça da mulher, logo ignorou todas as perguntas dela, observando seu abdome.
— Ferraro usou o sangue dele para te curar? — questionou, limpando o novo machucado de Mackensie.
— Bem... você não respondeu minhas perguntas, mas sim... Ele usou. — Maksimovich era dono dos olhos mais encantadores que ela já havia visto; por trás da tristeza e dor profunda, havia um encanto que parecia que somente ela notava, um encanto que a fazia perder a direção.
— É perigoso, estou feliz que esteja bem. — Colocou o curativo sobre a ferida. — Respondendo suas perguntas, eu estou me controlando bem, pois só de pensar na possibilidade de machucá-la agora é a mesma coisa que sentenciar minha morte. Não há mundo para mim sem você, Mackensie, e se você não quer se tornar uma de mim, respeitarei isso com prazer.
Ele se levantou, aproximando-se das grandes escadas. Ela logo o seguia; tinha medo de se perder em uma casa grande como a dele. Ele logo abriu a porta desenhada por rosas, e ao passar pelo quarto ela prendeu a respiração por segundos.
— Seu quarto é ao lado do meu. — Olhou em volta. — Vou pegar uma roupa minha para você usar; será mais confortável que isso. É, ou te espero na cozinha, deve estar com fome. — Engoliu em seco.
A mulher balançou a cabeça em concordância; não sabia bem onde era a cozinha, mas decidiu não perguntar. Assim que o homem fechou a porta, a primeira coisa que fez foi pular sobre a cama. Arrependeu-se mentalmente, pois o corpo ainda estava dolorido, depois enrolou-se no lençol, que tinha um leve perfume de rosas do campo, e então ela se levantou e foi até o banheiro. Boquiaberta com o local deslumbrante, ela ligou a água da banheira.
Ficou no banheiro por pelo menos uma hora e meia, sua mente agitada por Maksimovich. Finalmente, quando saiu, viu o conjunto de moletom cinza que Mak havia deixado; nunca pensou que o homem estiloso pudesse usar algo assim. Não demorou para se arrumar e, quando saiu do quarto, sentiu cheiro de comida; usaria isso para achar a cozinha. Passou por corredores enormes e bem-iluminados, até escutar barulho de panelas. Ao se aproximar, ela viu Mak concentrado no que estava cozinhando. Ficou alguns minutos ali parada, imaginando que se ele não fosse um vampiro, se fosse um cara normal, estaria completamente apaixonada por ele. Então, o homem colocou a massa no forno e voltou-se para ela, como se ela fosse sua joia mais preciosa, como se estivesse belíssima apesar de tudo.
— Estou fazendo torta de frango; espero que goste.
Ela avaliou o homem tirar o avental; a presença de Maksimovich era leve e boa, bem diferente da presença de Ferraro, que reinava a desconfiança e medo.
— Precisa de ajuda? — questionou, procurando pelo que fazer.
— Não, eu já fiz tudo... Pode se sentar à mesa ou dar uma volta pela casa.
Ela colocou as mãos nos bolsos da calça e permaneceu a andar. A cada cômodo ficava mais surpresa, e viu que a biblioteca, em especial, era inspiradora. Ela passou a mão por cada livro nas grandes prateleiras e pegou um de poesia qualquer; sentou-se no sofá vazio e leu em voz alta. Maksimovich escutava a voz da mulher ao longe e, ao se aproximar e ver sua amada lendo, não lhe restava dúvidas: só haveria de ser ela a pessoa do seu coração. Ele então sentou-se ao lado dela, e ela ergueu os olhos. Um oceano se formou em volta dos dois, e as ondas levaram um de encontro ao outro. Ela sorriu para ele, e aquilo poderia fazer seu coração parar. Então, ela se levantou.
— O que você faz?
Ele passou a língua pelos lábios, pensando em como a mulher havia quebrado o clima.
— Sou um investidor... Tudo o que eu tenho não é por dinheiro sujo, se é isso que a preocupa. — Logo, levantou-se também, indo até a cozinha e escutando o relógio apitar.
Ela foi direto para a mesa — não deixou de notar que havia sentido algo ao trocar olhares com Maksimovich, mas optou por se manter distante. O homem logo chegou com a torta, e o cheiro estava delicioso. Ele partiu um pedaço e colocou para ela.
— Não vai comer? — Observou-o beber algo na garrafa escura.
— Não tenho gosto para comida humanas; minha comida são humanos.
Ela, que já estava com um pedaço na boca, engoliu com esforço. O homem a olhava comer, o que era um tanto quanto desconfortável.
— Por que me olha assim? — questionou, olhando para a torta no prato.
Ele se inclinou levemente, e então decidiu falar algo.
— Não quero perder um minuto sequer, não quero perder tempo com outra coisa... — tentou se explicar. — Todo o tempo que não é gasto com você é desperdício.
As bochechas da mulher tomaram um tom levemente vermelho, e quanto mais o homem se inclinava e colocava um pedaço grande de torta no prato, mais ele soltava uma risada. Ele se afastou, afinal, deveria deixar a mulher no tempo dela. Dizia isso a si mesmo. Ela terminou de comer em silêncio, ajudou o homem a tirar a mesa e, por fim, quando não restava nada a fazer, foi para o quarto.
E agora tudo parecia mais sombrio e escuro; estava com medo de ser levada novamente ao instituto e ter que olhar para Ferraro, escutar que só sairia do instituto acompanhada. Voltou a sair do quarto e ficou no corredor; estava surtando internamente, com medo de Ferraro invadir o local. Ficou ali, chorando e apavorada até que Maksimovich apareceu e ela se jogou nos braços dele, abraçando-o e tremendo.
— Vai ficar tudo bem — falou, acariciando o cabelo da mulher.
Ele a segurou em seus braços até que as lágrimas secassem...
— Posso dormir com você? — quis saber, soluçando. — Estou com medo.
O homem apenas balançou a cabeça em concordância; não havia mais o que falar, então assim que a mulher dormiu na cama dele, levou-a para o seu quarto e deixou-a sobre a cama. Deitou-se ao lado dela com distância e ficou observando-a dormir. Ao longo das semanas, Mak e Mackensie se aproximaram cada vez mais; eles iam ao cinema, dançavam sob a chuva, cozinhavam juntos e até mesmo escutavam música um ao lado do outro. Aos poucos, uma amizade se formava...
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