XVI
Ela acordou, desta vez por vontade própria — não havia sirene ou barulho de pessoas fora do quarto —, demorou para se arrumar e aproveitou o momento de paz. Quando finalmente abriu a porta, ela esperava por Ferraro, todavia o homem não estava presente. Olhou para os lados, pois esperava que ele aparecesse, mas nada. Deu de ombros, caminhando até o salão principal, e viu que algumas pessoas estavam saindo do quarto, não tão agitadas quanto antes. Não viu Ferraro, mas pôde ver Erny e Guerra. aproximou-se dos dois com um sorriso nos lábios.
— Vocês viram o Ferraro? — questionou, olhando para os lados; já estava preocupada com o homem.
— Veja se não é a Mackensie preocupada com ele — Erny falou, se aproximando e abraçando a mulher. — Bom dia para você também, Mak.
— Eu estive com ele mais cedo, e ele informou que era para você ir para o refeitório e depois treinar com a Erny — Guerra interviu, despretensioso. — Depois disso não o vi. — Deu de ombros, e agora olhando para o grande monumento que estava pendurado na parede; havia nome de algumas equipes, provavelmente as que deveriam ir caçar.
— E a missão de hoje? — questionou, sem entender a calmaria.
— É de outro grupo, por isso a sirene não tocou no corredor norte. Pegamos pequenas missões hoje, nada que valha a pena se preocupar.
— Entendo — mentiu; não entendia era nada, tudo parecia confuso a ela. — Vou procurá-lo.
Retirou-se da presença do casal, passou no refeitório, comeu rapidamente um bolo e não viu Ferraro de forma alguma. Não havia nada em específico a falar com ele, mas queria vê-lo. Caminhou mais um pouco e passou por cada corredor até que finalmente encontrou o homem, que estava sério. Parou ao escutar a voz de Heleonor, mas sua presença logo foi notada pelo vampiro, que farejou o cheiro da mulher.
— O que faz aqui? — Heleonor perguntou quando o homem olhou para trás.
— Estava procurando por Ferraro. — Apesar da voz imponente de Heleonor, Mac permaneceu firme.
— Mackensie, eu pedi ao Guerra para te levar ao treino — Ferraro seguiu, se afastando da mulher.
— Ele me falou, eu só... — Fez uma pausa; não sabia por que estava procurando por Ferraro; talvez fosse a falta da presença dele, e por esse motivo usou a primeira desculpa que veio em sua mente: — Eu preciso falar com você.
Seu desconforto era tão real e intenso que Ferraro notou e, com um sorriso singelo, se despediu de Heleonor.
— Nos vemos outra hora. — Passou a mão sobre o ombro de Mac e guiou a mulher pelo corredor. — Estava preocupada comigo? — questionou, com um sorriso.
— Heleonor não gosta de mim por eu ser a protegida do Maksimovich? — desconversou.
— Por anos todos desejamos tirar algo de Maksimovich, como ele tirou algo de muitas pessoas, mas ele nunca teve nada, então você apareceu e todos querem se aproveitar disso para atingir aquele vampiro. Até mesmo Heleonor.
A afirmação de Ferraro era um tanto quanto revoltante. Ela ficou em silêncio; pensava em responder que não era um objeto, que não podia e nem queria ser usada para atingir Mak, mas o que adiantaria? Ferraro e todos os que já foram atingidos pelo vampiro carregavam um ódio tão grande pelo vampiro que chegava a ser assombroso. Antes que ela pudesse responder algo, ele voltou a falar:
— Você não me disse o que aconteceu ontem... Ainda voltou com um presente.
Ferraro era curioso; mais do que isso, havia uma desconfiança no homem sobre ela, uma desconfiança que não era da conta dele.
— Eu já falei, ele me levou em um parque, jogamos e conversamos. — Sua voz carregava um tom um tanto quanto feroz. — Não tenho que lhe falar o que faço.
Ele então segurou no braço da mulher e a puxou para o canto; Ferraro tinha um temor nos olhos, uma bravura.
— Escute, Mac. — Ele ergueu o dedo indicador no ar. — Todos aqui estão tentando te proteger; eu estou tentando te proteger, então não aja como se não devesse nada. — Ele se afastou dela ao ver o olhar de desentendimento e medo. — Conversei com a Heleonor, e decidimos que você só sai do instituto acompanhada.
— Você não poderia fazer isso — ela falou, aproximando-se do homem desesperada. — Não pode me prender aqui.
— Por que não? Por que não fazer? — falou, praticamente cuspindo as palavras de ódio. — Você fede a Maksimovich, você não sabe se defender sozinha, então espera que eu faça o quê? Assista você morrer?
— Não faça nada, porque mesmo que eu morra foi escolha minha sair; não tem que intervir.
— Como eu poderia deixar a mulher que gosto morrer? Diga-me, Mackensie; como poderia deixar morrer a mulher a quem estou condenado a me lembrar do cheiro? Como eu poderia te perder? — A cada questionamento, o tom de voz do homem aumentava.
Ela ficou em silêncio, tão quieta que era possível escutar as próprias batidas do seu coração.
— Já que permaneceu em silêncio, eu lhe respondo com todas as letras: não posso deixar nada acontecer a você; eu te protegerei, custe o que custar. — Ergueu o dedo indicador no ar. — Então, você ficará presa no instituto até que ele morra — falou, soltando a mulher. — Você deveria praticar agora.
Ela pensou em dizer algo a ele, responder com o ódio que sentia, com o nojo que se impregnava nela, todavia, ela ficou em silêncio, afinal, ele era um vampiro e ela, apenas uma humana. Com os olhos sobre ele, transmitindo seus sentimentos, ela passou ao lado dele, passou devagar, saindo da sua presença.
Caminhou até o salão de treinos, e Erny estava à espera da mulher. Seu semblante estava denso, e ela se manteve calada. Mas Erny sabia o que havia acontecido, Ferraro comentara algo sobre prender Mac no instituto. Elas treinaram em silêncio. Mackensie, caindo a cada golpe da morena, a cada batida, estava se irritando e mais uma vez estava no chão. Não se moveu quando Erny estendeu a mão para ajudá-la.
— Às vezes a vida te derruba, e quando você cai ela insiste em te socar — falou, olhando para Erny; — Eu estou assim, caindo e apanhando, estou me perguntado quando isso vai acabar... Será que um dia isso acaba?
A dama permanecia com compaixão pela mulher deitada, então se ajeitou ao lado dela, escolhendo as melhores palavras de conforto.
— Eu não faço ideia de como é ser perseguida pelo vampiro mais mortal de todos os tempos, mas posso lhe dizer que em dias difíceis você deve se esforçar para se lembrar de coisas boas, lembrar que você tem uma vida pela qual vale a pena lutar. Você não é qualquer pessoa, Mackensie, eu vi seu histórico; você é uma lutadora, e como uma lutadora deve lutar bravamente contra a vida e mostrar a ela quem é quem manda.
— Acha que tudo acontece por um motivo? — questionou, ainda cheia de dúvidas.
— Eu creio que sim. Quando eu era criança — falou, sonhadora —, eu fui salva por Maksimovich. Minha família teria sido morta se ele não tivesse aparecido na hora. — Passou a língua pelos lábios. — Eu não julgo que ele seja um monstro, afinal ele me salvou, mas ele também precisa ser salvo, ele precisa lembrar que não é um monstro. — Ela se sentou. — Acredito que você vai lembrá-lo que ele não é um monstro.
— É grata a ele, mesmo com as mortes que ele causou?
— Todos os vampiros matam, Mackensie, ele não é mais pecador do que os outros, só não esconde o que faz — ela falou em um desabafo. — Guerra me contou que às vezes é irresistível, como se fosse morrer, toda a dor que ele sente por precisar do sangue humano, é tudo o que ele quer e precisa. Não é diferente com os outros; às vezes não dá para resistir...
Estava desabafando; sabia o que seu companheiro fazia e não apoiava. Carregava um fardo por estar ao lado de um vampiro sem escrúpulos e ajudá-lo com coisas ilegais pela lei dos vampiros, mas Ferraro era seu amigo e só podia viver com aquilo.
— Então você acha que as perdas e dores de alguém justificam no futuro? Tudo o que ele passou e sente agora? — questionou, indignada, afinal, ela passou por muita coisa ruim em sua vida antes de chegar onde chegou.
— Não estou dizendo isso, Mac, estou dizendo que nossas experiências pessoais formam o que somos... Guerra e Ferraro fingem ser corretos por tudo o que viveram. E quanto a Maksimovich?
— Eu não sei o que pensar — falou, sincera. Tudo dentro dela era um misto de confusão. Sua primeira impressão sobre Mak era que ele era horrível; sua segunda visão era de um homem amargurado buscando salvação, uma alma solitária buscando por companhia, um pássaro cantando sobre sua própria prisão. Ele estava pedindo por socorro.
Ela se levantou após escutar Erny; precisava de tempo para degustar todas aquelas informações. Andou para sair do local, e não demorou para achar um relógio de parede e conferir as horas. O sol já havia se posto, então correu para o quarto, aproximou-se da janela, esperando qualquer coisa, qualquer sinal de Maksimovich, e ficou ali por algumas horas, até desistir e entrar no banheiro. Tomou um banho rápido e não parou para pensar em tudo o que estava acontecendo. Saiu, ainda enrolada na toalha, quando escutou batidas no lado de fora. Correu, achando que fosse Mak, mas era apenas alguém na porta.
Aproximou-se, pois julgava que era Ferraro, todavia, ao abrir a porta se deparou com uma imagem que não esperava: era Ducan. Engoliu em seco. A cada vez sua caminhada se tornava mais difícil; já tinha percebido que ele era o vampiro mais forte do instituto, por isso substituiu a que Maksimovich matara. Permaneceu séria.
— O que faz aqui? — Segurou firme a toalha sobre o corpo, que ainda estava um pouco molhado.
— Vim falar com você. — Entrou no quarto sem um convite. — Mais especificamente sobre Ferraro, Heleonor e Maksimovich. Pode colocar uma roupa?
Ela pensou em resmungar e pestanejar, todavia pegou uma camisola preta e foi para o banheiro. Não demorou a vestir e saiu novamente, e o homem estava sentado sobre sua cama. Ele olhou para a mulher como se escondesse um pecado na alma, algo que ela deveria saber.
— Creio que já notou como Ferraro está alterado! — exclamou, se levantando. Seria breve em suas palavras. — Eu vim oferecer minha ajuda, vim oferecer meu braço a Maksimovich. — Suas palavras eram obstinadas.
— Por que faria isso? — perguntou, incrédula.
— Tenho uma dívida com ele e uma profunda admiração. Podemos ser considerados monstros, Mackensie, mas o que os humanos andam fazendo com o povo da minha raça... — Não completou; as palavras foram entendidas pela mulher.
Ela se aproximou da porta de saída, fazendo sinal para o homem partir.
— Mostre-me um jeito de provar sua fidelidade.
— Minha fidelidade é vir falar com você... Todos aqui te repudiam, têm medo de você! Veja, onde estou?! — questionou de forma retórica. — No quarto da mulher... — Aproximou dela, bem devagar. — Falando com a maior ameaça do instituto.
— Então é por isso? — Ergueu uma sobrancelha, mantendo-se bem próxima dele. — Você tem medo de perder? Não é sobre sua dívida, mas sim sobre trair a todos aqueles que confiam em você porque duvida que poderiam derrotar Maksimovich.
— O quê? — perguntou, desentendido. — Certo, se quiser uma prova darei a você. — Afastou-se dela, erguendo as mãos ao ar em forma de rendição.
Ele saiu em silêncio, compreendendo a mulher; ela não era do tipo de palavras, ele haveria de ir atrás de algo. Saiu do quarto com um sorriso e de cabeça erguida. Ela fechou a porta, rapidamente caindo na cama. Já que Mak não apareceria, tudo o que ela tinha a fazer era dormir.
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