XIII
Guerra, ao ver a confusão que se instalava na mulher, levantou-se e estendeu a mão para ela. Convidativo, ele falou:
— É exatamente assim, Ferraro.
Olhou de relance para o amigo, e depois para ela.
— Posso te ajudar na missão de amanhã, você pode treinar hoje e não sairá sem saber de nada; prometo fazer o possível para te proteger até você saber fazer isso por si mesma.
Pelo o que ela entendeu, tinha apenas duas opções: aprender a lutar para se defender e sobreviver no instituto até achar uma solução ou morrer em uma missão no futuro, caso outros vampiros aparecessem e buscassem a vida dela em perseguição a Maksimovich. Ela se levantou sem segurar a mão do homem e olhou para Ferraro, que fez o mesmo. Apesar de não o conhecer, levaria em consideração as observações dele, apesar de suas decisões serem apenas suas e de mais ninguém.
— Ok, devo treinar, preciso saber me defender.
Ferraro em questão de um piscar de olhos estava ao lado da mulher, sério como se soubesse de algo que deveria ser dito. Abriu a boca como se fosse falar algo, mas Guerra falou antes.
— Acredito que Ferraro tenha um assunto importante a resolver com Heleonor. — O homem aproximou-se do amigo, e a mão direita bateu sobre o ombro dele como se lhe passasse conforto. — Não se preocupe, vamos pegar leve com ela, e prometo devolvê-la sem nenhum arranhão.
— Eu a buscarei no final — ele falou como se fosse um aviso. Olhou para a mulher, passando a mão sobre o braço dela. — Tenha cuidado, prometo compensar esse dia.
Ferraro se retirou após dizer tais palavras, e Guerra então andou em silêncio para o Norte. Ela pegou o que estava comendo e seguiu o homem, colocando mais bolo na boca. Mastigou rápido, ainda com os olhos sobre ele.
— Sabe, eu pensei que Ferraro ficaria apaixonado por minha namorada para sempre. — O homem olhou rapidamente para ela e depois para o final do corredor. — Contudo, a senhorita chegou para mudar isso.
Ela olhou sem entender; pensou em perguntar algo, todavia manteve-se quieta, afinal, sua boca estava cheia. Jogou a vasilha em que estava o bolo na primeira lixeira que viu e não demorou para beber o suco. Ele a esperou.
— Quando ainda éramos jovens, conhecemos Erny, uma linda mulher, cheia de requisitos e encanto, e então crescemos. Não foi difícil me apaixonar por ela, e isso serviu para Ferraro. Erny e eu começamos a namorar, e desde então Ferraro vinha sendo persistente, e então você apareceu. Pelo que sei, Ferraro está condenado a te amar eternamente assim como Maksimovich.
— Eu... não entendo — falou pausadamente.
— É de se esperar que não entenda, mas já deve ter escutado que o sangue da pessoa amada é o mais doce dentre todos. Como vampiro você está condenado a ter o desejo por essa pessoa para todo o sempre, e isso só acontece uma vez na vida.
— O que isso quer dizer? — quis saber, acompanhando os passos dele, que iam se apressando.
— Isso quer dizer que os dois estão apaixonados por você, e como você é apenas uma... — ergueu o indicador no ar —... está destinada a escolher um enquanto o outro fica em sofrimento eterno.
— Eu não quero isso.
Ele então parou em frente à grande porta, abrindo para a mulher passar. Logo ela visualizou o palco de treino e uma mulher de pele em tom escuro, cabelo cacheado preso em um perfeito rabo de cavalo, olhos escuros e lábios carnudos. Estava batendo em um saco de pancada.
— Eu gosto de pensar que você não tem escolha, infelizmente o destino resolveu brincar com você.
Passou pela mulher, fechando a porta atrás de si. O local tinha cheiro de damasco com morango, o que era estranho. Ela observou a mulher abraçar o namorado e logo darem um beijo apaixonado. Guerra era um vampiro, e Erny uma humana. Em sua transformação, não houve sangue mais atraente do que o de Erny. Ele desejou transformá-la e ter uma vida infinita com ela, todavia acabou por preservar a humanidade dela. Ela, por sua vez, não se importava com a transformação desde que estivesse junta de seu amado, mas enquanto tinha guerra entre humanos e vampiros deveria apenas esperar, acatar o desejo do namorado, o desejo de preservar a humanidade. Ela desviou a atenção para Mac com um sorriso no rosto, afinal, entendia bem o que Mac estava passando, todavia acreditava ter sido mais fácil com ela; chegara no instituto quando ainda era uma criança, então não tinha muitas raízes que a prendiam no mundo lá fora. Foi fácil formar uma vida lá.
— Olha só o que temos aqui, finalmente vou conhecer a famosa Mackensie.
Ela afastou-se do namorado, voltando a atenção completamente para a loira ali presente. Tinha um largo e aconchegante sorriso. Aproximou-se de braços abertos e, quando chegou perto o bastante, envolveu-a em um rápido abraço. Afastou-se, avaliando.
— Guerra me falou sobre você. — Olhou para ele e para ela. — Você é muito bonita. Eu sou Erny.
A dama passou a mão sobre uma mecha de cabelo, ainda com os olhos sobre Erny. Suas bochechas ficaram vermelhas, e ela olhou para baixo e para a mulher.
— É um prazer.
A mulher se afastou até uma parede, deslizou a mão e logo apertou um botão em que Mac nem sequer havia reparado. Disso, um quadrado se ergueu, deixando visível todas as armas, arcos e flechas, estacas de madeira de todos os tipos. Ela se aproximou, observando aquilo, os olhos exuberantes pelo o que via.
— Escolha uma — falou, pegando uma das estacas.
Mac passou o dedo pelas armas, pensando em qual lhe daria vantagem. Teria escolhido uma estaca, mas pensou que haveria de chegar perto demais para atingir um vampiro. Já o arco com as flechas parecia-lhe perfeito; deveria apenas atirar, sem proximidade, e se tivesse sorte acertaria. Então o pegou e olhou bem para a mulher, que agora tinha um sorriso audacioso.
— Escolho esse — disse firme. Era um arco simples, de estrutura forte, o corpo preto e pontiagudo.
— Ótima escolha. — Ela pegou as flechas para a mulher.
Erny afastou-se mais, com passos apressados até os alvos, acreditando que primeiro teria que ensinar Mac a atirar. Aproximou-se de uma mesa vazia que estava ao lado esquerdo, pegando o controle e o apertando, agora fazendo o alvo se mover. Guerra, que esteve em silêncio o tempo todo, finalmente se manifestou.
— Não acha que é muito difícil para ela? — Não estava verdadeiramente fazendo uma indagação; queria apenas falar, de forma sutil, que a namorada não deveria pegar tão pesado com a novata.
As duas olharam para o homem. Erny foi até ele, colocando-se atrás dele, e logo passou as mãos sobre o ombro do homem, massageando.
— Não se preocupe, querido, sei o que estou fazendo.
Mac então pegou a primeira flecha, vendo os alvos se mexerem, colocou-a no lugar, alinhou o corpo e puxou. Seus olhos estavam apenas sobre um alvo. Ela controlava a respiração, observava os movimentos; deveria ter um padrão. Soltou. A flecha cortava o ar até o alvo que se mexia, e como ela previu acertou bem no meio. Não demorou para pegar outra flecha e mais outra, acertando os alvos sucessivamente. Olhou para o casal, que estava boquiaberto.
— Fui campeã de tiro ao alvo na minha escola no ensino médio. — Não mentia; além da vantagem que acreditava que teria sobre os monstros, ela sabia bem como usar a arma que escolhera.
Erny aproximou-se da mesa e desligou o alvo, enquanto Guerra conferia todos. Ele pegou todas as flechas, se aproximando.
— Você acertou em todos. — Ele conferia a ponta da flecha.
— Parece então que você não precisa treinar com ele; vamos apostar em um treino corpo a corpo. — Ela ergueu os punhos no ar.
— Não sou a favor da violência — exclamou, evasiva.
Logo, Erny a puxou pelo braço até os colchonetes. Ela respirou fundo, pois não sabia lutar. Observou Erny se alongar e fez o mesmo.
— Em uma guerra não tem a favor ou contra, existe apenas um lado: lutar por sua vida — pronunciou, colocando-se em posição de luta. Erguia os punhos ao ar, e seus olhos, que eram singelos, agora mostravam uma ferocidade. — Vamos logo com isso.
Mac assentiu com a cabeça ao ver que não havia outra opção além de concordar com a mulher. Ela se aproximou devagar, levantou as mãos e as fechou. Fechou os olhos e deu o primeiro golpe, mas com isso apenas sentiu a dor nos braços.
— Não feche os olhos e mantenha os braços firmes.
Após escutar a voz de Erny, ela abriu os olhos e tentou mais uma voz acertar a mulher, todavia falhou. Erny segurou os braços de Mac, derrubando-a no chão, em seguida fechando-a em uma chave de braços. Mac soltou um gritinho com a dor que sentia, e logo a morena a soltou. Levantou-se.
— Você ainda é fraca, Mackensie, mas eu vou transformar você em uma lutadora. — Estendeu a mão para a mulher, ajudando-a se levantar.
Assim se repetiu por uma hora: Erny tentando ensinar Mac a se defender, e Mac caindo a cada golpe. Mac estava no chão, presa pelos braços fortes de Erny, e Guerra se divertia observando as duas. Mais especificamente se divertia ao ver Mackensie apanhar e cair diversas vezes. Logo Erny a soltou, e Mac se levantou com as mãos ao ar.
— Desta vez vou me proteger melhor. — Engoliu em seco, esperando qualquer ataque, mas em vez disso ela colocou as mãos para trás e ajeitou a postura.
Ela olhou para trás, teve a visão de Ferraro e teve a impressão de que o homem doce e gentil que conhecera há alguns dias estava sumido. Nem mesmo viu um sorriso. Erny se colocou ao lado dela ao ver Ferraro ir conversar com o namorado dela.
— Ferraro está tendendo a piorar, digo. — Balançou a mão no ar entre o rosto. — Você o estava avaliando, e tenho certeza que notou que ele está mais sério que o normal. Isso acontece porque ele se segura muito para não te atacar, mas depois ele volta ao normal.
Ela se deixou levar pelo pensamento, que foi até Maksimovich, e olhou para a mulher, ajeitando a postura.
— E Maksimovich? — questionou, pensando na figura fria que ele era, cujos olhos somente mostravam dor.
— Ele? — Incrédula, olhou para a mulher e pensou um pouco. — Acredito que ele tenha sido endurecido pela vida; quando se torna um vampiro se perde muitas coisas, você vê pessoas que ama morrendo. Além da guerra entre os próprios vampiros, não sabemos pelo que ele passou. Gosto de pensar que ele é assim para a própria proteção.
— Isso é apenas uma desculpa; nada do que aconteceu a ele justifica tais ações — Ferraro falou, intervindo.
— Cada um tem sua forma de lidar com a dor — Erny respondeu, arisca, passando por Ferraro e se aproximando de Guerra. — Meu serviço por aqui acabou. Nos vemos amanhã, Mac.
Ela completou balançando a mão no ar e piscando para Ferraro. Já havia sido informada das condições dele, e por esse motivo sabia que ele estava completamente seduzido por Mackensie. Ele finalmente colocou um sorriso no rosto, encantado, e então passou a mão sobre o braço da mulher.
— Está roxo. — A feição de encanto logo dava lugar à preocupação.
— Não foi nada — disse, se afastando um pouco e passando a mão sobre o braço, percebendo que o corpo todo doía.
— Pensei que pudesse treinar um pouco com você, mas prefiro que descanse.
Logo, ele andou para a saída e ela o seguiu. Ficou em silêncio o percurso todo; ao se aproximar da porta do quarto da mulher, ele finalmente falou baixo:
— Me perdoe se em algum momento pareci invasivo.
— Está tudo bem. — Ergueu os olhos a ele com um singelo sorriso. Ela já havia entendido que aquela era a natureza dele e nada mudaria isso. — Faz parte de sua natureza ser completamente apaixonado por mim — falou, brincalhona, apontando para si.
O homem riu alto, balançando a cabeça negativamente.
— Não se aproveite disso, nem pense em tirar vantagem de mim — completou, passando a língua pelos lábios.
— Posso fazer uma pergunta ? — questionou, cortando o leve tom de brincadeira.
— Qualquer uma.
— O que te difere de Maksimovich? Tudo o que ele faz é por puro instinto de sua natureza por sua sobrevivência. Por que ele deve ser condenado à morte?
Ferraro soltou um longo suspiro, olhando para o alto, finalmente, da porta do quarto da mulher. Ele olhou para ela.
— O que nos difere? — perguntou, irônico. — Ele é um monstro, isso é o que nos difere; ele tinha uma escolha, podia ter poupado milhares de pessoas todos esses anos e ele nunca, nunca deixou alguém sair vivo. O que nos difere é que em vez de escolher matar eu escolhi ser diferente, eu escolhi salvar pessoas como você de gente como ele. Isso é o que mais nos difere.
Ela manteve os olhos sobre ele; Maksimovich teve escolha além de matar? Soltou um sorriso — não estava concordando verdadeiramente com ele, mas tudo o que fez foi dizer:
— Claro, tenha uma boa noite.
E então ela abriu a porta do quarto, entrando e fechando-a atrás de si antes que ele falasse mais alguma coisa. Olhou-se no espelho; seu corpo estava vermelho. Passou a mão pelo braço. Antes sua única preocupação era sobreviver a uma semana de provas, e agora sua preocupação era sobreviver de verdade. Não demorou para tomar um longo banho e posteriormente deitar-se na cama. Rolou de um lado para o outro até finalmente ser levada pelo sono.
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