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IX

Respirou fundo, aproximando-se da janela, podendo ver uma movimentação do lado de fora, sombras entre as sombras. O mundo parecia se mover em seu quintal. Foi para a cama, deitou-se e rolou entre os lençóis. E se ele voltasse? E se da próxima vez fosse morta? Qual seria o próximo plano do vampiro?

Acordou com a campainha tocando e demorou para levantar, pois tinha esperança que parasse e a pessoa fosse embora. Obrigou-se a sair da cama enquanto a campainha tocava, procurou no quarto o roupão azul, vestiu-o e, sonolenta, desceu as escadas. Passava a mão pelo rosto a fim de espantar o sono, e seus olhos claros iam das paredes até chegar na porta. Sem pensar muito ou ver quem era antes de abrir, deparou-se com Maksimovich. Seus olhos se arregalaram em virtude da surpresa.

— Achei que já estava acordada. — Ele olhou no relógio de pulso. — Nesse horário você gosta de correr pela manhã, presumi que...

O homem claramente tinha a empolgação na voz, enquanto ela tinha os olhos arregalados e a cor fugindo de seu rosto. Ela o interrompeu de mau-humor.

— Pois presumiu errado. — Colocou-se entre a porta. — O que faz aqui?

— Hoje é domingo, e nada mais justo do que te levar para sair.

— O que te faz pensar que sairia com você? — questionou, indignada.

— Por que não sairia ? — falou, olhando para os lados, conferindo e vendo que não havia nenhum homem dos D’ Angelo. — Sei que não faz nada em dia de domingo, então pode sair comigo e ter um dia espetacular ou ficar em casa o dia todo — falou, passando por ela, e então entrando na casa. — E se ficar aqui, podemos ver um filme, mas creio que não seja tão interessante — disse, sugestivo, mexendo deliberadamente os braços.

O homem não sorria, falava tão sério que fazia a mulher duvidar que era um pedido, e por medo apenas concordou com a cabeça, fechou a porta após a passagem do homem e se virou para ele, cruzando os braços, que de forma invasiva mexia na estante de livros dela.

— Me dê alguns minutos, preciso me arrumar — disse, se aproximando, tirando o livro da mão do homem e o colocando na estante. — Não gosto que toquem nos meus livros.

Ele levantou as mãos em forma de rendição, e então se sentou no sofá e fechou os olhos. Estava ansioso; sentia seu coração doer e pedir pressa em tudo o que queria mostrar a ela. Passou as mãos pelo rosto.

Ela ficou ali, observando o vampiro em seu sofá por segundos, os músculos por baixo da jaqueta de couro, as mãos, o rosto perfeitamente delineado. Seu ex-namorado era bonito, mas o vampiro em seu sofá era a perfeição em pessoa.

Afastou-se à medida que os pensamento caminhavam para a observação e exaltação da beleza do homem. Subiu as escadas devagar; tinha em mente que quanto mais demorasse menos tempo passaria com o homem. Olhou-se no espelho, perguntando-se como chamara a atenção do vampiro. Por muito tempo, carregava a ideia de que não era suficiente para chamar a atenção de muitos homens.

Respirou fundo, e uma curiosidade brotava em si — será que seu sangue era tão delicioso assim? Demorou pelo menos duas horas se arrumando, colocou a blusa de frio preta, com o cachecol vermelho, um jeans claro e botas de salto pretas para ficar da altura do homem. Logo após desceu a escada devagar, engoliu em seco e estava ligeiramente com receio. Quando estava próxima aos últimos três degraus, o homem, que estava deitado no sofá, se levantou e se aproximou dela lentamente. E ao trocar olhares com aquela mulher, um genuíno sorriso surgiu. Pela primeira vez em duzentos anos, teve que prender o fôlego, pois a mulher à sua frente tirava-lhe tudo, até mesmo o que ele não tinha. Estendeu a mão para ela e manteve o sorriso.

— Você está deslumbrante — falou, com um sorriso verdadeiro e sincero.

Ela, por sua vez, limitou-se a apenas sorrir para ele; não achava necessário gastar as palavras com o vampiro, tentou apenas um sorriso forçado. De mãos dadas, eles caminhavam lentamente até a porta. Ele a abriu para ela, pensou em pedir para pegar o carro, já que o clima frio era péssimo para uma caminhada, então ele tirou uma pequena chave de controle do bolso e apertou o botão para abrir a porta do carro de luxo preto que estava bem na porta. Ela olhou para ele, desconfiada.

— Você roubou de alguém? — questionou de forma ofensiva.

Maksimovich, com a paciência que adquiriu em duzentos anos de vida, continuou a caminhar e, quando se aproximou, abriu a porta do passageiro para a mulher.

— O que é? Por que um vampiro não deveria ter um carro? Pelo que eu sei o carro é um meio de transporte eficiente — falou com certo sarcasmo.

Ela entrou e colocou o cinto, e ele permaneceu por segundos observando a dama, fechou a porta indo até o banco do motorista e sentou-se, observando-a.

— Aonde vamos? — indagou, curiosa.

Ele ligou o carro e arrancou para se afastar dali. Ela manteve os olhos na paisagem, tão serena e profunda.

— Vai saber quando chegar.

Ele não tinha muitas pretensões em suas palavras; estava atento ao trânsito, não ligou o rádio e por isso o silêncio que reinou foi um tanto quanto desconfortável. Não sabia se deveria falar algo a ela e tinha medo de falar e a resposta ser rude; optou por ficar em silêncio ao lado da loira, dirigiu por algumas horas ao chegar no local, parou o carro a uma certa distância e desceu correndo para o outro lado, abrindo a porta para a mulher. Ela desceu devagar; perguntava-se por que ainda estava do lado do homem. Talvez porque tivesse curiosidade em saber o destino final; aprendeu a nunca deixar algo no meio do caminho ou incompleto, aprendeu que jamais deveria desistir, pois o final só se sabe vivendo, e não fazendo suposições. Acreditava essas serem convicções donas de seus motivos.

Os dois andaram até chegar em frente aos grandes portões de aço, torcidos de forma a moldar rosas abertas. Ele abriu para a mulher entrar, e logo ela foi tomada pela surpreendente visão das rosas vermelhas, um jardim repleto de rosas vermelhas. Boquiaberta, ela se aproximou do pequeno lago no centro de águas cristalinas.

— Por que todas as rosas são vermelhas? — Passou a mão sobre uma mecha de cabelo que insistia em cair no rosto.

— Rosas vermelhas carregam o significado de serem o ápice da paixão, simbolizam o sangue e a carne. — Olhou para ela. — O sangue que um vampiro tanto ama — falou, monótono, e então apontou para a mesa de piquenique que estava longe demais para ser notada.

— É lindo, não sabia da existência desse lugar.

O vento frio roçava em seu rosto, seus olhos passavam pelas formas em que as rosas tomavam, e ela tinha certeza que algumas eram figuras. Ele permanecia calmo e com um ar egocêntrico. Ao se aproximar, ele exclamou para se gabar:

— É um local particular.

Sentou-se quando chegou perto da mesa.

— O que tem na cesta? — Apontou para ela, sentando-se ao lado do homem.

Ele se levantou para abrir a cesta, tirando de dentro rosquinhas cobertas com chocolate. A mulher observou aquilo, olhando para o homem, e acabou por sorrir.

— Sabia que são as minhas favoritas? 

O homem tirou latinhas de refrigerante e torta salgada de camarão. Ela continuou a falar:

— Sabe que não tomo refrigerante.

Pegou uma rosquinha sobre a mesa, mordendo-a. Fechou os olhos como se com isso tivesse um sabor melhor.

— Eu sei que gosta, e fala sério, Mac, sua vida humana é tão curta, por que perder tempo?

— Não é perda de tempo tomar cuidado com a saúde — resmungou de boca cheia.

Olhou para o homem atentamente, avaliando cada curva daquele ser. Mordeu os lábios pensando se realmente abriria espaço para conhecer o homem, e pensou que talvez a melhor forma de conhecer o inimigo fosse conhecendo seu passado.

— Como era sua vida antes de ser um vampiro?

Ele, com os olhos que agora se desviavam da mulher e o levavam a outro mundo, suspirou. Juntou as mãos, sendo tomado por lembranças. Lutava para esquecê-las, mantê-las como lembranças esquecidas, mas elas o formavam.

— Eu tinha uma vida normal. — Deu de ombros, pensando em como formularia o resto das palavras. — Pode-se dizer que eu era o jovem da época, era filho único; acho que ainda sou, já que meus pais não tiveram outros filhos. Eu gostava da minha vida; eu era um atleta, acho que ganharia uma bolsa para ingressar na faculdade. — Ergueu os olhos a ela, e toda a vez que fazia isso se esquecia de quem era e somente sabia amá-la. — Você teria gostado de mim na época. — Ele colocou a mão direita sobre a mão livre dela. — E seria feliz ao meu lado, teríamos dois filhos, eu faria com eles como meus pais faziam comigo. Domingo seria o dia da família, o dia voltado para atividades... Teria sido incrível — disse, com os olhos deslumbrados com os próprios pensamentos.

— Está fazendo planos comigo em uma época em que eu nem existia?  — perguntou, com um sorriso meigo. — E os seus pais? O que aconteceu a eles?

— Eu já sonhava com você, e ouso dizer que o destino nos juntou. Por duzentos anos eu estive à sua procura, Mackensie. — Fez uma pausa e logo completou: — Eles morreram cinco anos depois da minha transformação. Julgo que morreram de desgosto.

O homem falava com total dificuldade, e ela podia ver isso. Se ele estivesse mentindo, seria um bom ator; ele falava a verdade, e aquilo atingiu o coração da mulher. Ela conhecia bem o sentimento de solidão e perda dos pais.

— Sinto muito por eles — falou, olhando para os pés. — Meu pais me abandonaram quando ainda era bebê e, quando fiz 7 anos, fui adotada. Passei muito tempo lamentando a perda deles, mesmo tendo meus pais adotivos. Quando completei 18 anos, fui atrás deles e descobri que estavam mortos; morreram de fome um ano após me abandonarem. — Era a primeira vez que falava sobre o assunto com alguém. — Passei anos da minha vida achando que eles não me queriam, quando na verdade salvaram minha vida.

— E o que fez depois de descobrir isso? — Ergueu a sobrancelha em questionamento.

— Me permiti sentir a dor, chorei por dias. Acho que às vezes é necessário chorar para se livrar do peso — falou, sugestiva.

O homem deu de ombros; se ela esperava choro e sentimentalismo, estava enganada. Ele nunca se permitiria fazer aquilo, então pegou uma rosquinha na mão e, quando a mulher abriu a boca para continuar a falar, ele presumiu que continuaria a falar sobre a família e colocou a rosquinha boca dela.

— Isso aconteceu há décadas, não tenho mais pelo que chorar — falou, se levantando e colocando as mãos no bolso. Seus olhos permaneciam firmes no sol, que saía devagar.

— Se pudesse voltar atrás... teria impedido a sua transformação? — questionou após tirar o pedaço de rosquinha da boca.

Ele voltou a olhar para a mulher, que colocou as mãos nos olhos em virtude da luz laranja que estava sobre ele. Pensou estar vendo o homem mais perfeito do mundo, a luz dando a ele um leve bronzeado, e as palavras que ele proferiu logo após fez com que a mulher perdesse até mesmo o equilíbrio:

— Não, se eu tivesse a oportunidade de impedir minha transformação, não teria te conhecido. Gosto de acreditar que todas as coisas cooperaram para o nosso encontro.

Ela prendeu a respiração por segundos após escutar as palavras dele. Estava se sentindo envolvida; como suas emoções podiam se bagunçar tanto? Soltou o ar, se levantando, e estendeu a mão.

— Me daria a honra dessa dança?

O homem pensou que não tinha escutado bem as palavras da mulher, mas mesmo assim segurou na mão dela e abaixou-se, depositando um beijo. Quando se ergueu, aproximou-se, escorregando as mãos pela cintura da mulher. Com maestria, girou-a junto do seu corpo; o coração dela batendo tão próximo ao dele o fazia perder o controle pouco a pouco, então tomou conta para não respirar. Estava tão acostumado a imitar um humano que às vezes era difícil. Ela, por sua vez, queria transmitir ao homem que estava tudo bem, que ele não estava sozinho e que ela o perdoava. Abaixo das estrelas que se formavam no céu, eles se moviam lentamente como pequenos seres tão próximos e distintos — o predador e a presa. Então, à voz desconhecida, o jovem casal parou de dançar. Mak colocou a loira atrás de si e olhou para os outros vampiros que logo se aproximavam.

— Veja quem achei aqui... Se não é a fraqueza de Maksimovich, o Cruel.

Ele esfregou as mãos uma na outra, lambendo os lábios.

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