Três encontros
• Na capa do capítulo: Nu Descendo Uma Escada, N° 2 - de Marcel Duchamp •
Mais um suspiro, mais uma pincelada.
Ele deslizou o pincel achatado pela tela, uma mancha azulada imitando a curva suave de um telhado a poucos metros dali. A luz do sol ainda batia de forma agradável sobre sua obra em andamento, iluminando toda a superfície quadrangular, a linha longilínea ou curvilínea de cada pincel, e o dorso da mão esguia de Emil Beauregard.
Iluminava o quadro, ao passo que também iluminava os pedregulhos das ruas, os deques das passagens, as roupas dos transeuntes, tanto turistas quanto locais, e a difusão suave dos raios solares através das nuvens naquele céu belíssimo de verão.
Mais um suspiro, mais uma pincelada.
Dessa vez, reproduzindo o brilho cristalino das águas. Aquela cidade portuária era um encanto. Se havia uma boa ideia que Emil tivera na vida, foi a de visitar o sudente e leste asiático para produzir suas novas paisagens. Nunca teve tanta vontade de reproduzir a paisagem urbana como teve ao visitar os centros históricos no Japão, na Tailândia, Coreia do Sul, Vietnã e, agora, China.
A ideia de aventurar-se afora recebeu alguns olhares estranhos de seus colegas artistas em casa, e certamente foi a empreitada mais cara que já aprontou. Obviamente ele não falava nenhuma daquelas línguas, então acabou ganhando algumas sombras nos diferentes países para onde foi, os muitos intérpretes que precisou contratar.
No mais, estava feliz. Acabou de ter um dos melhores e mais bem servidos almoços que já comeu, e sua pintura para aquele dia estava quase terminada.
Mais um suspiro, mais uma pincelada.
Um borrão?
É, sim, um borrão. Seguido pela gloriosa trilha sonora de vários berros e meia-dúzia de pombos voando para todos os lados.
— Mas que merda é essa...
O transe artístico de Emil foi interrompido, ele sacudiu a cabeça e viu, no meio da água, um barco balançando. O mesmo barco que pintou em sua tela. E em cima desse barco, um casal, agora muito aborrecido e xingando. O mesmo casal cujas silhuetas ele pintou em sua tela.
E no meio deles no barco, um homem que simplesmente saltou ali dentro com uma lanterna vermelha enorme nos braços. E, bem, não era esse homem que pintou no quadro, mas certamente fez uma grande mancha azul representando o momento em que saltou da margem para o barco.
O cara estranho se endireitou depois de sua aterrissagem. Olhou para os lados, para trás. Guardinhas da feira ali perto corriam no meio dos transeuntes, os sons de seus apitos perfurando os ouvidos de todos e assustando Emil, que sem querer meteu mais um borrão no canto da tela.
E então, observando mais um pouco em busca de sua escapada, o rapaz cruzou olhares com Emil. A expressão completamente abalada e confusa do pintor pareceu diverti-lo.
Ele levantou o queixo, ainda olhando-o, e disse um "oi!", logo em seguida berrando algo em mandarim.
— O-O-O que ele disse?! — Emil pediu socorro à sua intérprete, que estava logo atrás, assistindo toda a cena com uma expressão igualmente confusa.
— "Ei, artista, segura isso pra mim." — Ela traduziu para francês.
— Segurar o quê?!
Quando perguntou aquilo, de repente uma grande, pesada, brilhante e decorada lanterna vermelha caiu em seu colo.
Seu corpo ficou completamente congelado, suas mãos começaram a tremer descontroladamente, quase derrubou a lanterna na água!
E então, um par de coturnos azulados surgiu em seu campo de visão, saltando na mureta atrás de seu quadro.
Os olhos do pintor subiram por suas pernas esguias, as canelas torneadas e bronzeadas, músculos, patelas que pareciam esculpidas em pedra. Emil não admitiria nem se apontassem uma pistola em sua testa, mas poderia olhar aquelas canelas pelo resto de seu dia.
Ele vestia bermudas de uma cor verde tão viva, que só não gritavam mais "verão" do que sua camisa com desenhos de flamingos e picolés. E cascateando sobre seus ombros, cabelos negros da cor de nanquim. E emoldurado por aqueles cabelos, um rosto quadrangular de olhos puxados, lábios carnudos, e maçãs do rosto mais definidas do que qualquer traço ou pincelada Emil já desenhara na vida.
Aqueles lábios grandes então sorriram. E aquelas mãos esguias capturaram a lanterna de suas mãos, junto com sua atenção.
Divertindo-se ainda mais com a expressão embasbacada do homem, ele riu, sua voz grossa e macia pareceu acariciar suas orelhas no meio do barulho e da confusão:
— Merci beaucoup~
E como se nada, após sua zombaria, correu com o vento para longe dali, seguido por um grupo de guardinhas cruzando a ponte, a cor vermelha da lanterna sumindo no horizonte.
Um desses guardinhas, em vez de segui-lo, veio importunar Emil. Berrou um monte de coisas em mandarim. E o homem apenas conseguia negar com a cabeça e dizendo a única palavra que sabia falar naquela língua, "meiyou!" , que significava "não!".
— Monsieur Beauregard, ele está perguntando se você conhece aquele homem.
Emil franziu as sobrancelhas, uma expressão injuriada e confusa retorcendo cada vez mais seu rosto.
Piscando algumas vezes, ele negou novamente com a cabeça.
— Não... Não conheço.
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Segunda semana de Emil Beauregard na China, dessa vez sua parada era em Xangai e sua Feira Internacional de Arte.
Emil muito raramente se via do outro lado da compra de artes, se reservando a vender suas peças e fazendo seu suado dinheiro como pintor e fotógrafo. Mas agora que estava num período de apreciação e inspiração, e que tinha dinheiro para torrar, não lhe faria mal levar uma ou duas peças para casa. Esteve resistindo às obras de outros países, e se reservando aos artesanatos locais, desde que começou sua viagem pelo Japão. Agora, seu retiro artístico estava quase no fim.
Obviamente ele encontrou muitas coisas no evento. Outros artistas franceses com quem trocou uma palavra ou outra, apreciações indo e vindo, deparando-se com desde minúsculas telas conceituais até gigantescas esculturas que o faziam se sentir uma formiguinha.
A arte de Xangai tinha um je ne sais quoi. Ao mesmo tempo que tinha maneiras e formas tão parecidas com o que já viu na Europa, havia algo em cada peça lhe contava histórias, as quais era incapaz de compreender. Algo que o embarcava numa língua que não conhecia, mas que eram tão cativantes, chamativas e únicas, tal como a individualidade das folhas de uma árvore. Tudo era tão pop, era como uma viagem no tempo e um túnel pela mente naturalmente disruptiva dos artistas chineses.
Emil continuou caminhando pela galeria, apreciando as obras, ele ia cheio de sorrisos, até se deparar com uma inusitada.
Vermelha, brilhando na distância entre um grupo de telas escuras que a emolduravam. Seria melhor ainda se todo o local estivesse completamente escuro, mas as circunstâncias de uma galeria eram limitantes. Curioso, Emil caminhou apressadamente até o grupo de pessoas apreciando a obra.
Tratava-se de uma instalação. Telas pretas com projeções de lagos escuros eram dispostas em arco. Ao centro, uma plataforma giratória, que parecia interagir com as projeções. As pequenas ondas projetadas em vídeo se alteravam, aumentavam e diminuíam conforme a plataforma de sistema hidráulico girava e se movia languidamente, silenciosamente.
E a fonte da luz vermelha, posta em cima da plataforma: Uma lanterna chinesa com ornamentos de madeira. Caída, de lado.
A instalação era muito bonita e sensível. A sensação era observar uma lagoa ampla na solidão e silêncio do fim do Festival de Meio-Outono. Não havia nem mesmo luz da lua refletida nas águas, tudo que havia eram as marolas alaranjadas e douradas com aquela pequena, solitária e singela lanterna esquecida.
Emil estava hipnotizado. Grupos de pessoas vieram e foram para observá-la, saindo pouco depois ao perceber que a peça não estava à leilão, mas o francês ficou ali. Observando o boiar simulado daquela lanterna.
Algo se repuxou em seu coração quando a observou, mas não soube dizer muito bem o quê. A gentileza e conceito do resto da instalação distraíram seus pensamentos.
— O que te faz sentir?
— Um pouco de solidão... — ele respondeu automaticamente num murmúrio.
— E o que mais?
— Acho que só isso...
— Mesmo?
— É, eu acho que... ei, espera... — Emil franziu as sobrancelhas e olhou para o lado, encontrando um par de olhos negros, espirituosos e maquiados.
Agora sabia, ele era uma cabeça mais alto do que si. Os cabelos negros que antes caíam bagunçados sobre os ombros, agora estavam cuidadosamente presos num par de tranças. O torso que antes estava coberto por uma camisa de flamingos, agora se escondia numa blusa cor-de-mostarda com gola alta, tornando-o ainda mais magricelo e longo. As pernas, que antes estavam descobertas pela metade sob uma bermuda, agora eram totalmente ocultas por uma elegante saia de hanfu turquesa.
— Você! Erh, essa é a lanterna que você-
— Shh. — o misterioso homem descaradamente botou o dedo indicador sobre o lábio de Emil. — Não vai querer arrumar problema para um camarada artista, vai?
— N-Não. Pode deixar. — o francês franziu as sobrancelhas, e rapidamente observou a pequena mureta padronizada que estava à esquerda da instalação. — Luo Xingxing?
— Ha, é um pseudônimo.
— O que significa?
— "Estrelas que caem".
— Estrela cadente então?
— Não, isso é "Liuxing". Luo Xinxing são estrelas caindo.
— Então é uma chuva de estrelas.
— Isso seria "Xingxing Yu".
— Mandarim é complicado.
Aquela expressão de divertimento que já tinha antes visto se explodiu numa gargalhada aveludada.
— O mandarim que é complicado, ou você que é incompetente, Monsieur Biregard?
— Hipocrisia a sua, não é assim que pronun... como você sabe meu nome, seu psicopata?!
— Escutei sua intérprete falando no porto. Como é que pronuncia então?
— É Beauregard.
— Beauregard. Certo, peguei.
Emil arqueou as sobrancelhas, irritando-se com aquela estranha coisa que derreteu em seu peito, ouvindo-o falar seu nome de um jeitinho tão perfeito.
— Seu francês é muito bom.
— Obrigado, eu tento. — Luo Xingxing deu de ombros, e gesticulou para a instalação. — A la Duchamp, saber a língua-mãe do próprio é o mínimo que posso fazer.
Mais algo se derreteu no peito de Emil. Marcel Duchamp, um dos mais importantes artistas da França e conhecido por seu trabalho com Ready-Mades. Retirar um objeto já existente de seu contexto e apropriá-lo como uma obra de arte. A intenção é romper com o que se define como arte nas instituições tradicionais.
No caso, aquele jovem artista não se limitou a retirar o objeto, mas sim o roubou de uma feirinha portuária...
— Solidão ainda é tudo que sente com ela?
— É, ainda é.
— Mas que droga.
— O que mais você queria?
— Sei lá, qualquer coisa. Todo mundo só diz solidão, nostalgia, frieza.
— Se queria que dissessem mais, você podia ter feito mais. — Emil empinou o queixo, tentando sua sorte no jogo da zombaria que aquele homem parecia adorar tanto jogar.
— Ah, é? O que mais você sugere, Monsieur Beauregard?
O francês quase ficou sem fala, aquela pontada calorosa em seu coração quando ouviu seu nome outra vez. Mas ele respondeu:
— B-Bem, você tem o mesmo problema que Marcel Duchamp teve.
— E qual seria esse problema?
— Se você quer usar um Ready-Made como uma obra disruptiva, não faz muito sentido instalá-lo em uma galeria tradicional.
— Ora... a Feira de Artes de Xangai não é uma galeria tradicional.
— Galeria é galeria. — Emil virou a cabeça rapidamente para Luo Xingxing. — E essa aqui é uma galeria muito exclusiva, ainda por cima. Se passou por uma curadoria, não é mais revolucionária do que qualquer quadro, foto ou escultura aqui dentro. É uma instalação linda, mas é arte de galeria junto com todas as outras.
— Ni——!
— Heh, pensando assim, talvez ela não seja tão solitária. — Um sorriso brincalhão surgiu no rosto arredondado de Emil.
— Você não sabe nada sobre arte chinesa, imbecil. — o outro respondeu entredentes. — O meio artístico na França é muito diferente do daqui, você não pode aplicar a sua lógica quando eu só posso expor o meu trabalho sem ser preso se for num lugar como esse, ou fora do país.
E não houve mais calor em seu peito...
— M-Me...
— A segunda hipótese era a certa, você é um incompetente. Bom dia, Monsieur Beauregard.
— E-Espera, me desculpa! Eu não sabia do que eu estava falando! Qual é o seu nome?
— Eu não vou te contar! — o artista chinês cruzou os braços.
— Ora, vamos, isso não é justo, você tem meu sobrenome. Me diz o seu, pelo menos.
Ele, que já partia, deixou as tranças caírem em suas costas virando o rosto levemente para trás.
Olhou Emil de cima a baixo, e prestou uma boa atenção em seu rosto. Seus cabelos castanhos, seus olhos grandes, seu nariz curvado, suas covinhas penosas.
E então, num murmúrio, quase inaudível dentro daquela galeria movimentada, ele disse:
— Lu.
Sem mais nem menos, ele partiu, caminhando e sumindo numa curva de paredes brancas logo à frente.
Sem saber, ou talvez sabendo muito bem, a lanterna não era a única coisa roubada pelo Sr. Lu dentro daquela galeria.
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AVISO: Conteúdo sexual
Os passos cambaleantes se confundiram no corredor estreito. Uma sombra rosa se projetava sobre Emil enquanto seus braços envolviam os ombros do outro, seus dedos esguios apertando a blusa nude, o tecido amassando numa profusão bizarra e quase obscena debaixo de suas unhas. Como se seus dedos pudessem amarrotar a pele de outrem.
Sua boca? Trancada pelos lábios do Sr. Lu.
Ele o pressionou contra uma parede daquele canto escuro, seus braços magros e longos bloqueando-o nos dois lados. Uma doce, dulcíssima prisão. Aquele beijo inseparável se aprofundava cada vez mais, como se pudesse engoli-lo. As mãos do artista xangaiense saíram da parede e se enfiaram debaixo da blusa raglan do artista francês. O toque frio em sua pele quente o fez se arrepiar instantaneamente, gemendo contra a língua do outro e enterrando de vez as unhas na carne magra e firme das omoplatas.
Como é que chegaram naquela situação? Bem, foi relativamente simples.
Aquele era um pub gay badalado da Concessão Francesa de Xangai.
O Sr. Lu não podia dizer que resolveu ir àquele pub na esperança de encontrar o Sr. Beauregard. Mas também não podia dizer que não foi por isso.
Não era difícil para ele se inteirar ali e conseguir entradas especiais. Era muito envolvido com o cenário queer de Xangai. Ele apenas tinha que fazer uma entrada especial para aquele artista imbecil e certinho que o intrigou.
Já o Sr. Beauregard não podia dizer que foi àquele pub tentar achar algum rapaz gostoso e uma foda fácil naquela noite para esquecer o Sr. Lu, este que não podia ser descrito com simplórias palavras como "gostoso". Mas também não podia dizer que não foi por isso.
Emil chegou ao pub algumas horas mais cedo, ouviu que haveria um show interessante de Drag Queens e que a equipe de funcionários da noite também era de performers exóticos. Bastou levar sua câmera profissional para conseguir uma entrada de fotógrafo. Naquela hora da noite, ele já havia tirado todas as fotos de que precisava para seus relatórios, editoriais e publicações.
O ponto alto da noite, na verdade, veio do alto também.
Em certo momento, numa mudança dos shows das drags, Emil já bastante entretido, uma música destoante começou a tocar nos alto-falantes.
Edith Piaf.
Edith Piaf é, certamente, uma lenda da música francesa e a mais famosa de todas as artistas da língua franca. Mas ela é também a mais estereotipada. Não era muito comum ouvir músicas como as dela naquele pub, que era muito mais adepto à cena pop-rock e indie francesa. No entanto, de repente, os alto-falantes começaram as batidas antigas e clássicas de Milord.
Ao lado do palco, havia uma escada em espiral.
E no ritmo da música, ele desceu.
Casaco, camisa, shorts, botas, luvas. Tudo na cor da própria pele, ele desceu.
Ele tinha o balançar, o movimento, a confusão, o caos, a perdição e a saliência de Nu Descendo Uma Escada. De quem? É claro, Marcel Duchamp.
Foi proposital. Foi para ele. Aquilo era um desafio. O Lu Descendo Uma Escada era um desafio.
Ele foi ao centro do palco, seu rosto limpo, não precisava de maquiagem. O rosto do Sr. Lu era uma obra de arte esculpida por si só.
A multidão foi à loucura diante daquele corpo perfeito. Ele parecia tão proibido. Os tons e encaixes desavergonhados dos tecidos abraçando seu corpo. O casaco nude foi rapidamente descartado ao chão atrás de si, o que apenas atiçou mais o público. Apenas atiçou mais Emil.
Por que tinha que haver todo aquele mar de pessoas ao redor? Por que tinha que dividir a visão do corpo daquele homem com o resto do mundo? Por que não podia guardá-lo em suas mãos naquele momento?
Por que era um idiota, essa era a resposta. Sim, aquilo foi para ele.
E o Sr. Lu dublava a música. Dublava maravilhosamente, a letra tão conhecida para qualquer homem francês.
Chegue aqui, Milorde!
Venha sentar-se à minha mesa;
Aí fora está fazendo tanto frio,
Aqui está aconchegante.
Deixe-me cuidar de você, Milord e
E sinta-se em casa,
Suas angústias, ponha no meu coração
E os pés, numa cadeira
Eu já o conheço, Milorde,
Você nunca me viu
Sou apenas dessas moças do porto,
Uma mera sombra da rua...
Emil pensou com raiva ardendo em seu coração: "Você gostaria muito disso, não é?"
Ou talvez fosse outra coisa ardendo.
Talvez Lu gostaria muito disso. Mas uma hipótese mais precisa seria a de uma zombaria. Que Lu era o milord e Emil era a moça do porto. A mera sombra da rua. Na luz neon cor-de-rosa que era o Sr. Lu e as estrelas que caíam ao seu redor.
Mas Emil negaria aquilo até a morte.
A performance foi hipnótica aos seus olhos, se estendeu quase em câmera lenta. Tão lenta que não percebeu quando ela acabou e ainda sonhava com ela. Tão lenta que não percebeu quando ela acabou e seu performer já havia saído do palco. E caminhado até ele no bar.
— Ei. Ei. Milord.
E voltou à consciência.
— Oh. — Foi o único barulho que conseguiu fazer por alguns segundos.
— É só isso que vai dizer? — O Sr. Lu ergueu as sobrancelhas. — Eu faço toda aquela performance e você só fala "Oh."
— Oh... então você fez pra mim? — Ele finalmente achou um lugar em si mesmo para provocar. Ele se divertiu um pouco com a expressão incrédula do outro, e resolveu provocar mais. — E Piaf? Sério?
— Vá se ferrar, eu não sou francês. Não sou obrigado a conhecer nenhum outro francês além de você, Duchamp e Piaf.
— Você é obrigado a me conhecer?
— Você quer que eu vá embora? — Ele cruzou os braços.
— Non!
— Então pare de ser engraçadinho. — Deu um soquinho no ombro de Emil, finalmente se sentando na banqueta ao lado. — Saiba que eu fui convidado pra me apresentar aqui faz tempo. Só me senti inspirado depois da nossa conversa e resolvi aceitar, finalmente. Não tem nada a ver com você.
— Puxa vida, que coinci... não, não, eu vou parar, não levanta! — Emil riu, segurando com gentileza, mas firmeza, o pulso magro do outro. E Lu voltou a se sentar, o olhando com seriedade. Emil também tornou seu rosto sério, seu olhar agora um pouco vacilante após os ânimos se acalmarem. — Me desculpa.
O Sr. Lu arqueou levemente uma sobrancelha, mas nada disse. Apenas apoiou o queixo em uma mão, ainda observando Emil.
— Eu não devia ter falado aquele monte de merda, eu sou um imbecil e só olho para o meu próprio umbigo. Estudar belas artes na academia por tanto tempo me deixou esnobe. Eu vim aqui para corrigir isso, e falhei. Não queria ter te machucado. Você me perdoa?
Por alguns momentos, o Sr. Lu apenas continuou a observar o francês. Seus olhos passaram por sua testa, sobrancelhas, desviaram de seus olhos, desceram pelo nariz e bochechas, pararam em seus lábios, e depois suas mãos apoiadas nervosamente no balcão e segurando a câmera.
De repente, um sorrisinho brotou em seus lábios.
— Você ensaiou esse discurso? — seu olhar se voltou para os olhos de Emil, que se sentiu ultrajado. Ele tinha acabado de abrir seu coração!
— É claro que não! — se defendeu. — ... Certo, eu posso ter pensado vagamente no que dizer, mas não é como se eu tivesse vindo com um rotei-
— Eu só estou brincando com você, tonto. — ele riu, interrompendo-o. — Eu te perdoo. Você não é obrigado a saber de tudo.
— ... Maravilha. Tudo certo então. — ele suspirou, extremamente aliviado e sem fazer a menor tentativa de esconder. E Lu riu outra vez. Aquele francesinho tinha mesmo tanto medo de perdê-lo. — Sua performance foi incrível.
— Ora essa, muito obrigado, Milord Beauregard.
— Hah, não me chama assim...
— Como você prefere?
Emil o observou de volta.
Seus olhos grandes delinearam a forma alta, magra e longa do Sr. Lu.
A forma como as luzes coloridas do bar iluminavam suas costas, mesclavam-se como cristal líquido na superfície lisa de sua pele, que não se sabia onde começava e onde terminava nas roupas da mesma cor, quase da mesma textura. Seus cabelos da cor do nanquim, soltos, caídos e cascateando por suas costas, braços, pernas, o encosto da cadeira. Cada fio é delineado por um traço fino e quase imperceptível de luz. Encontravam-se nos pontos mais sedosos, nas curvas mais intrincadas, em um nozinho ou outro. E aquele rosto simétrico, aqueles traços fortes, seus lábios brilhantes e úmidos...
Emil não o respondeu. Ele apenas levantou a câmera com um sorriso.
— Posso tirar uma foto sua?
Lu piscou algumas vezes, genuinamente atordoado.
— Mn, claro.
— Fica aí mesmo, não se mexe.
Emil então se levantou, ajeitou sua câmera segurando a lente com uma das mãos, e tirou várias fotos. Ele se encaixou em diversos estilos. O abstrato com closes fechados, as belas artes com um pouco de distância. Ele tinha um quê de futurista com as roupas, o cabelo, as luzes, o estilo, a pose. O Sr. Lu era um ótimo modelo.
Emil logo se aproximou como se fosse tirar outra foto. Mas, em vez disso, o surpreendeu mais uma vez, tocando-o intimamente no braço.
— O que acha de mon cher?
O olhar que o Lu ergueu para ele era um tanto derretido, um tanto vulnerável, um tanto suave.
Sem olhar para o bar, ele berrou "Tan-zi!" e um rapaz bartender chegou de prontidão. E ainda sem olhar para o bar, ele estendeu uma mão com algumas notas de iuanes. Sem dizer nada, o rapaz, pegou as notas, entregou duas chaves na mão do artista, e foi embora tão rápido quanto veio.
A sucessão de acontecimentos foi rápida. Sem nada dizer, o Sr. Lu agarrou o pulso de Emil e foi puxando-o pelos cantos e recantos do pub. Quanto mais avançavam, mais escuro ficava, mais apertado ficava. Até que finalmente chegaram num vestiário onde havia uma ou duas Drag Queens se trocando.
Num canto vazio do vestiário, Lu pegou ambas as chaves e abriu dois armários. Em um deles, botou seu casaco e pegou alguma coisa de lá, enfiando de volta no bolso dos shorts (que surpreendentemente os tinha, mesmo sendo tão colados). No outro, ele colocou a câmera de Emil, descaradamente tirando-a de seu pescoço em meio aos seus protestos.
Os protestos logo pararam quando, após duas batidas fortes das portas dos armários, Lu segurou o rosto de Beauregard entre as mãos e o tomou em um beijo.
Mais alto ainda foi o som que Beauregard fez ao imediatamente corresponder ao beijo prensando Lu contra os armários de metal.
Sugando sua boca em retorno, saboreando sua língua e pressionando seus lábios finos contra os carnudos dele. Envolvendo sua cintura fina com as mãos grandes e esguias, deliciando-se com a respiração vindo para dentro de sua própria boca, os suspiros do artista xangaiense. Deliciando-se com o aroma delicioso que ele tinha, não sabia dizer exatamente se ele havia se perfumado ou se aquele devia ser realmente seu cheiro. Não importava. Só era bom. Muito bom.
Eles queimaram um ao outro com aquele beijo pelo que pareceram ser horas. Precisaram que as Drag Queens que estavam lá dentro se irritassem e os mandassem ir embora, para finalmente mudarem a abordagem.
E chegamos ao ponto em que estamos.
A mesa virou, e agora é o Sr. Lu quem tem o controle. Ele pressiona o Sr. Beauregard contra a parede, e na primeira quebra daquele beijo voraz, faminto, ele diz:
— Mon cher Beauregard... Eu vou devorar você.
Aquela era uma frase um tanto agressiva. Ele não pediu nada, apenas disse o que bem faria. Mas Emil só se sentiu a derreter. Aquele homem certamente era muito melhor naquilo do que ele. A dominância era toda dele, ele o conquistou. Mas não agora. Ele o conquistou muitos dias atrás. Naquela cidadezinha portuária, quando roubou uma lanterna para usar de Ready-Made.
Ao lado do corredor, ficava o banheiro unissex. Lá dentro, por onde entraram aos tropeços nos pés um do outro, estavam mais alguns rapazes e duas meninas. Todos franceses.
Aprisionando Emil mais uma vez contra a parede, Lu olhou para o grupo por cima do ombro. Havia fogo em seus olhos, havia a ambição de um caçador, de um leão. Ele parecia estar prestes a rugir. Mas ele apenas disse, no francês mais agressivo da face da Terra:
— Vão achar algum outro lugar pra mijar.
E nenhum deles questionou. Todos saíram porta afora, e bastou o último dar meio passo para fora, para que Lu retornasse a cuidar de sua nova propriedade como devia.
Suas mãos agarraram tudo, sua boca explorou tudo e o banheiro de azulejos vermelhos foi preenchido pela voz de Emil. Os dedos que antes agarravam com força a blusa do outro agora caíam fracamente em suas costas e braços, bem como suas pernas bambas, apenas obedecendo a cada comando do xangaiense.
Sem querer dar o luxo nem mesmo ao guarda da câmera de segurança, o artista chinês empurrou o artista francês para dentro de uma das cabines, imediatamente virando-o de costas para si, seu peito e rosto batendo rudemente contra uma das paredes. Lu teve que se esforçar para controlar a vontade de simplesmente rasgar aquela maldita calça jeans skinny horrorosa, e apenas empurrou bruscamente junto com a roupa de baixo do outro, já arruinada de pré-gozo. A resposta a todos os seus toques e performances naquela noite.
Lu se precaveu para trazer preservativos, mas não tinha lubrificante. Havia algo de primitivo e selvagem em ouvir outro cuspir nos próprios dedos atrás de si antes de enfiá-los em si com indelicadeza, abrindo-o para sua conquista final. De um jeito tão submisso e humilhante, Emil empinou o traseiro mais ainda para trás e levantou um pouco a coxa, deixando Lu encaixar o braço confortavelmente debaixo de seu joelho enquanto continuava seu trabalho.
O chinês conseguia sentir a vibração da respiração e gemidos quebrando para fora da garganta, no que pressionava seu rosto contra o pescoço do francês. Este pendia a cabeça completamente para trás, completamente inundado de prazer.
Se o encaixe já era tão íntimo nessa preparação, tão afundados um no outro, o que se diria de quando a coisa iria começar de vez?
O último traço de sanidade de Lu foi completamente varrido para longe quando ouviu uma voz trêmula implorar ao lado de seu ouvido:
— Senhor Lu... Senhor Lu, me come logo, por favor...
Ele ouviu um ganido de frustração quando puxou os próprios dedos para fora, depois mexendo e remexendo em alguma coisa por alguns segundos. Esse gemido frustrado foi logo coberto por um chiado partido quando, sem cerimônias, o Sr. Lu segurou sua coxa ainda mais alto e enfiou inteiro de uma só vez.
Aquilo doía, doía pra cacete.
Emil quis gritar, mas Lu usou a mão livre para tampar sua boca, por onde saiu um gemido abafado e fino, seus olhos arregalados revirando para o teto do banheiro e seu pau já dolorido de tão duro.
— Não grita. — o Sr. Lu ordenou, encaixando outra vez seu queixo na curva do pescoço de seu pescoço, de onde vinha um misto de grunhidos de prazer e soluços chorosos. Ele tentava ao máximo segurar aqueles na garganta.
Depois de alguns segundos se segurando dentro dele, o xangaiense meteu mais uma estocada dura, sentindo Emil segurar mais um gemido contra seus dedos, e vendo os olhos dele se fecharem em prazer e dor logo ao lado de seu rosto.
— Mon cher Beauregard... Você quer saber meu nome?
Ele levou alguns segundos para processar aquela pergunta, e nisso levou mais uma estocada profunda e sofrida. A dor e a excitação o entorpeciam, mas o trouxeram à consciência. Ele murmurou 'Mhm! Mhm!' repetidas vezes, cheio de necessidade. Nisso, Lu continuou:
— Eu vou te falar. Então eu vou soltar você. Eu vou foder você. E quero ouvir você gritar o meu nome. Tudo bem por você?
Ele respondeu ainda mais afoito. Fez 'Mhm! Mhm!' ainda mais impaciente, e empurrou o próprio traseiro para trás, gemendo ao sentir o pau do outro se afundando em seus cantos mais sensíveis.
Como se contasse o mais sujo dos segredos, murmurou seu nome no ouvido de Emil, que sentiu arrepios subirem por sua espinha imediatamente.
Seu coração disparado, uma língua de fogo em brasa em seu peito e seu sexo úmido. E essa sensação não melhorou quando o outro cumpriu sua promessa. O fodia em um ritmo imparável.
As mãos magras agarraram sua carne com força e o som rápido e seco da carne contra carne era tão obsceno que o rosto dos dois não pode evitar se avermelhar. E no que o outro aumentava ainda mais o ritmo, a força, Emil não conseguiu se segurar, sentindo seu corpo sendo invadido com tanta violência e ardor.
— Hao... Lu Hao...... Lu Hao!!! AAAHHH!
— Isso...
— Ahhhh... ahhhhhh... Hao... Hao, isso, AH!
Ele não dava sinal de parar de jeito nenhum. Ouvir o próprio nome gemido daquele jeito era o pior afrodisíaco que um homem poderia tomar. Ele agarrou a coxa do outro com o braço inteiro, se colou mais intimamente em suas costas, pele e poucos tecidos restantes se misturando, e seguiu os movimentos com lentidão, mas com muita força.
Ele parecia querer minar os interiores do francês, nenhum canto ficava sem atenção e ele já havia batido aquele ponto gostoso várias vezes. Sentindo o outro se apertar ainda mais ao seu redor sempre que o fazia. Ouvindo o outro gemer seu nome sempre que o fazia. E querendo ir com mais força sempre que ouvia e sentia. O ciclo se repetia.
— Hah... Lu Hao... eu... ahhh... ahhh... Emil... — O francês murmurou em meio aos seus gemidos partidos.
— O quê...? — O xangaiense suspirou, pensando ter ouvido errado. Ele já ficaria com raiva, pensando que fosse o nome de outro homem. E puniria seu novo brinquedinho devidamente. Mas então viu o rosto orgásmico e submisso do francês, que ainda tentava formar palavras em sua cabeça bagunçada mesmo sendo fodido até quase ser atravessado.
— Meu nome... meu nome... é Emil...
— Emil...
O suspiro que veio do outro foi quase tão, senão mais, obsceno e vulgar do que os outros. Ouvir seu nome naquele sotaque sensual, não precisou de muitas outras estocadas nos próximos segundos para que se desfizesse terrivelmente na parede e chão do banheiro.
— Hah... Emil... Emil... você é uma delícia, Emil Beauregard, saiba disso...
Lu Hao pontuava cada sílaba com uma metida, e sentia o corpo fraco do outro se contrair em seus toques agressivos, mas que acertavam apenas os lugares certos. Hipersensível e mole pelo próprio orgasmo, Emil apenas se entregava ainda mais, seus gemidos humilhantes contra a parede da cabine, suas mãos inutilmente tentando achar algum lugar para se apoiar e se sustentar, hora ou outra segurando na parte de cima do cubículo, mas era fútil. A única coisa que o segurava em pé eram os braços de Lu Hao e a força que ele tinha ao afundá-lo mais e mais contra a parede.
Em certo momento, ele apoiou um pé na privada, indo ainda mais fundo para cima, o corpo de Emil cambaleando para trás e quase convulsionando de tanto prazer. Seu pescoço, orelha, ombros, eram mordidos, chupados e lambidos pelo outro. Todas as marcas do mundo eram distribuídas por sua pele.
Até que Lu Hao estivesse completamente satisfeito e se desfizesse no que foi o melhor orgasmo de sua vida, ele já tinha feito a Emil muito, muito, muito. O francês já tinha gozado pela segunda vez, havia uma pequena poça de sêmen acumulada no chão ao lado dos pés dos dois.
O braço de Lu Hao estava dolorido e seus joelhos falhando, ele quase teria derrubado os dois naquela bagunça se não tivesse se segurado na parte de cima da porta. Deitou seu rosto angular no ombro de Emil, aos poucos recuperando sua respiração. Só depois, então, ele finalmente saiu de dentro do outro.
— Emil... Emil, você está bem? — Lu Hao perguntou, preocupado. O homem não reagia, estava totalmente extasiado e mole em seus braços, feito uma boneca em suas mãos.
O francês remexeu os lábios, tentando lambê-los, mas sua boca estava totalmente seca. Ele pendeu a cabeça para trás, apoiando-a confortavelmente no peito do xangaiense. Seus olhos, desfocados, se ergueram um pouco, mirando os do outro. Um pequeno sorrisinho surgiu em seu rosto, o que involuntariamente puxou um sorriso no outro também.
— Obrigado, Hao. — Emil murmurou, quase ininteligivelmente.
Lu Hao soltou um riso abafado, mordendo o lábio inferior, e preguiçosamente se inclinando para beijar o outro. Um beijo muito mais calmo e gentil dessa vez.
E os dois ficaram nisso, naquela cabine, naquele beijo, por sabe-se lá quanto tempo. Um abraço tenro, quente, cheio de carinho nos cabelos. Hora ou outra dizendo o nome um do outro, suas novas palavras favoritas.
A noite seguiu.
Francês e xangaiense vinham de mundos muito diferentes, mas suas visões eventualmente se completavam. As conversas seguiram, os beijos seguiram, as mãos dadas seguiram. E talvez umas coisas mais.
Talvez Emil tivesse vindo de ônibus, fazendo com que Lu Hao apenas tivesse que lhe oferecer uma carona. E talvez Emil tenha chupado Lu Hao dentro do carro. E Talvez o outro tenha retribuído na rua mesmo, prensando o outro contra a lataria e deixando ele sentir o arrepio de imaginar que, a qualquer momento, alguém poderia pegá-los. E talvez eles tenham entrado juntos no hotel. E talvez a noite tenha seguido até de madrugada. Talvez Emil tenha dado o troco e comido Lu Hao também, sentindo aquelas pernas longas enlaçadas ao redor de sua cintura. E talvez tenha ouvido aqueles gemidos maravilhosos no espaço muito mais restritivo do hotel.
Mas isso era só talvez.
O que era certeza, era que a viagem de Emil não durou para sempre. Dois dias depois, seu voo de volta para França veio, e com ele a angústia de deixar para trás seu amor das artes. Apaixonado pelo cheiro de Lu Hao e incapaz de simplesmente abandoná-lo, ele insistiu em levar consigo a camisa de flamingos.
A despedida foi amarga, os dois sem saber se algum dia se veriam de novo, mas trocando contatos, tendo pelo menos alguma esperança. Emil poderia fazer algum esforço para desvendar o WeChat e o Weibo, tudo por aquele homem.
O que era certeza, e que talvez o francês não soubesse tão bem, era que aquela camisa de flamingos não era a única coisa roubada pelo Sr. Beauregard naquela viagem.
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