𖤍𖡼↷ 𝐓𝐖𝐄𝐍𝐓𝐘 𝐓𝐖𝐎
CASOS DE FAMÍLIA
Eu queria brigar com alguém, mas quando cheguei em casa naquela noite, não tinha ninguém além de mim mesma. Minha cabeça doía como o inferno com as lembranças voltando e me atingindo em cheio, e era muita informação pra processar, muitos sentimentos que eu me odiava por ter esquecido. Tudo parecia tão óbvio, tão claro. Como eu podia ter esquecido de Tenko? Nossa amizade tinha sido algo tão significativo pra mim, e foi apagado em menos de um minuto pela minha maldita mãe. Eu lembro do como eu chorei e implorei para ela não tirar isso de mim. Lembro do como corri, tentabdo fugir, mas meu pai me segurou e me prendeu contra o chão enquanto ela entrava na minha mente. Eu mordi ele; cuspi na cara dela; tentei a manter longe da minha mente mas, naquela época, ela era bem, bem mais forte que eu. E então, como uma lavagem cerebral cruel, ela apagou tudo. Cada resquício de Tenko. E escondeu tudo o que achou que remetia a ele.
Passei a noite em claro e não fui para escola na manhã seguinte. Claro que vi as mensagens preocupadas de Poppy e de Kirishima, como também vi as mensagens no grupo da sala onde eles me avisaram que todos iriam para o acampamento, até quem tinha reprovado na prova prática. Eles estavam marcando de sair na manhã seguinte, mas tudo o que eu conseguia pensar era no como eu queria desesperadamente destruir algo.
Aquele tempo que fiquei sozinha, esperando meus malditos pais chegarem, tinha separado coisas minhas e socado em um grande mochila. O necessário para dar o fora daquele inferno, porque eu me recusava a ficar aqui mais um segundo que fosse. Mas antes, eu precisava saber o porque. O motivo para eles serem tão desgraçados comigo. Eles me odiavam; podiam ter me deixado fugir com Tenko, onde eu seria bem, bem mais feliz do que sou agora.
Ele não teria se tornado Shigaraki Tomura. E eu não teria virado alguém com uma parte faltando dentro do coração, sem saber preencher aquele vazio que parecia me consumir mais e mais a cada dia que passava. Nós estaríamos juntos, e isso era o que importava! Quatro anos; foram quatro anos sem saber quem era meu melhor amigo, e tanta coisa tinha se encaixado voltando a lembrar dele. Como o fato de eu não ter tido amigos, era porque eu sempre tive Tenko. Ou o como eu tinha aprendido a gostar de vídeo game, isso foi porque ele me ensinou a jogar. Foram cinco anos de amizade que minha maldita mãe tirou de mim e eu jamais a perdoaria pelo que fez comigo. Pelo que ela tirou da Aoi de onze anos, a oportunidade de ser feliz em outro lugar.
O que doía mais do que tudo, era que todo o caos atual podia ter sido evitado. Se ela tivesse só me deixado fugir com Tenko em paz... Shigaraki Tomura jamais existiria. Porque só teria restado Tenko, o garoto estranho que conheci na rua em um dos muitos dias em que fugia de casa. O garoto que me viu chorando e ainda assim se aproximou, me garantindo que ia ficar tudo bem. Que viu minha pior versão e não teve medo. Que eu vi a pior versão e também não tive medo, porque ele era meu amigo.
Ele era a coisa que mais importava para mim. Era tudo o que eu tinha! Meu melhor amigo, minha família e a pessoa com quem eu iria passar o resto da minha vida. Nós deveríamos ter ido embora juntos, deixando lares abusivos e tóxicos para trás, e poderíamos ter até virado moradores de rua, isso já bastava! Porque estaríamos juntos!
Mas eu não apareci. Eu nunca apareci, porque ela me fez esquecer. Ela me fez esquecer de quem eu era.
A Aoi rebelde de onze anos teria me achado patética. Ela diria que já tínhamos feito coisas muito piores e que ficar chorando por causa de alma gêmea, família e memórias perdidas era uma idiotice sem igual. Ela teria queimado essa casa até restar nada. A Aoi de onze anos teria ido atrás do que queria sem se importar com mais absolutamente nada e nem ninguém. Bem, claro, exceto por Tenko.
Tenko, Tenko, Tenko. Agora que tudo tinha voltado ao lugar, parecia que nunca tinha saído daqui. Cada lembrança boa, ruim e sentimento.
Mas tudo tinha mudado. Porque ele não era mais o garoto gentil que tinha tirado as lágrimas do meu rosto e dito quenia ficar tudo bem. Ele não era mais a pessoa com quem eu brigava quando perdia no mario kart. Ele não era mais a pessoa com quem eu fazia planos para o futuro onde nós dois comprariamos uma casa gigante na praia e desenvolveriamos nosso próprio jogo e ficariamos muito ricos. Ele não era mais a pessoa com quem eu queria fugir.
Ele era Shigaraki Tomura, líder da Liga dos Vilões, motivo pelo qual meus amigos e eu nos machucamos e meu sensei ficou em estado crítico. Ele era a porra de um vilão.
E eu não conseguia deixar de pensar que aquilo era culpa minha. Porque eu nunca apareci.
Eu deveria ter estado lá, nós deveríamos ter ido embora juntos. Mas aquela maldita desgraçada, aquela infeliz do caralho... Não podia viver sem sua fonte de renda, né? Então porque não me manipular para que eu ficasse quietinha mais uma vez sobre suas ordens?
Por que não foder com minha mente e me quebrar tanto que eu já nem sabia como era ser inteira? Por que não mexer tanto com a porra da minha mente que agora eu já nem sabia mais quem era Aoi Kobayashi? E quem eu deveria der? Eu era uma super herói ou deveria ter sido uma vilão? Eu deveria estar na U.A ou agora em qualquer outro lugar do país, do mundo, ao lado de Tenko, vivendo minha vida como se nada além disso tivesse valor? Quem eu era? Eu não sabia a resposta, e não saber estava me matando.
Já eram seis horas da tarde quando escutei vozes na sala. Ótimo, eles estavam brigando. Então eu daria ainda mais motivos para uma briga, principalmente depois que achei a caixa que Poppy e Bakugo tinham visto outro dia. E o que tinha ali eram milhares e milhares de cartas de Tenko e fotos de nós dois. Eu tinha escondido aquilo muito bem para meus pais não acharem. Até ela descobrir e tudo sumir para sempre.
Parei no ato da escada, observando minha mãe gritar. Uma histérica do caralho. Sempre um drama, drama, drama. Eu estava tão de saco cheio dessa casa maldita.
-Por que vocês são pessoas tão, tão ruins? - falei, cessando a discussão entre eles. Vi quando lentamente meu pai e minha mãe se viraram para me fitar, a raiva que brilhou em seus olhos.
-Com quem você acha que tá falando, garota? - minha mãe disse, agarrando meu braço com força e me puxando para perto. Eu apenas ri.
-Com uma desgraçada que deveria estar na porra da cadeia! - gritei, esfregando a foto onde eu estava com Tenko bem no seu rosto. -Quem você acha que é para tirar minhas memórias de mim, porra? Isso é crime! Usar a individualidade desse jeito!
-Ela lembrou. - meu pai suspirou, como se estivesse de saco cheio disso. -Apaga mais uma vez e vê se faz direito.
-Mas que merda, Aoi! Por que não pode ser uma boa menina pelo menos uma vez? - minha mãe gritou, me balançando com força, seus olhos brilhando em prateado enquanto ela tentava usar seu controle mental em mim.
Não; não dessa vez. Eu não era mais uma criança de onze anos, eu era uma super heroína de quinze que não deixaria ela entrar na minha mente. Poppy tinha me ensinado o suficiente. Por isso, apenas empurrei e bloqueei, a impedindo de entrar e a lançando para fora.
-Sua merdinha! - ela grunhiu, apertando com cada vez mais força o meu braço. -Por que não pode colaborar? Te fiz um favor apagando aquele garoto! Era isso ou o líder dele ia matar você!
-Eu preferia isso! - berrei, a empurrando com tanta força que ela caiu de bunda no chão, arregalando os olhos. Agarrei o vaso de planta ao meu lado, atirando com tudo na parede atrás dela, a deixando ainda mais em choque.
-Aoi, já chega, sua merdinha! - meu pai gritou, mas antes que pudesse chegar perto de mim, estava completamente sobre o meu controle mental.
-Você vai sair dessa casa e só vai voltar amanhã. - falei com um sorriso maldoso que ele retribuiu com um carinho que jamais teve por mim.
-Claro, minha filha querida. - ele cantarolou, se virando para sair. Minha mãe gritou e empurrou, tentando o livrar de meu comando. Mas eu tinha algo que ela não tinha: a força do sentimento. O dela era só manipulação mental; manipulação de sentimentos era ainda mais forte. E eu percebia isso agora.
Ela não podia mais me impedir de ser quem eu queria ser.
-Agora vamos acertar a merda das nossas contas. - grunhi, agarrando minha mão pelos braços e a fazendo se levantar.
-Com quem acha que você tá falando?!- ela gritou.
-Cala a boca! - mandei com um grito. Ela abriu a boca e fechou, mas nada saiu. -Você é uma merda na minha vida e eu te odeio pra caralho! Mas você vai pagar pelo que fez comigo. Porque vou ir na porra da polícia e vou te colocar na porra da prisão.
-Espera! - ela gritou, arregalando os olhos, alarmada. -Eu fiz isso pro seu bem, Aoi!
-Meu bem! Que piada! Você fez isso por si mesma! - gritei de volta.
Minha raiva me consumiu por completo e algo dentro de mim se desprendeu. Eu não sei direito o que aconteceu, nem mesmo sei explicar. De repente os sentimentos dela sairam totalmente do controle. Desespero começou a transbordar da minha mãe e ela não conseguia respirar. Suas emoções intensas e sem controle...
Foi quando me dei conta de que quem estava mexendo com as emoções dela era eu. Quem estava manipulando o ataque de pânico dela era eu.
Assustada, pois eu nunca tinha feito isso antes, cambaleei para trás e cai de bunda no chão, meus olhos se arregalando. Minha individualidade afrouxou e ela voltou a respirar, me olhando com horror.
-A individualidade do seu pai. - ela sussurrou, mais para ela do que para mim. -Você não controla só o amor, mas todas as emoções. Igual ele.
-A individualidade do meu pai é controlar a água! Que porra você tá falando? - eu disse horrorizada, olhando minhas próprias mãos tremendo.
-Tô falando do seu pai verdadeiro.
Mais um pouco do meu mundo começou a desabar.
Quem eu era?
Quem eu era?
Não esperei por mais nada antes de agarrar minha mochila e disparar em direção a porta.
-Volta aqui agora, Aoi! - ela gritou. -Onde você pensa que vai?!
Corri como se minha vida dependesse disso, lágrimas caindo nos meus olhos.
Seu pai verdadeiro.
Meu coração batia forte dentro do peito, meu estômago estava embrulhado. E quando estava longe o suficiente, cai de joelhos no chão. E coloquei tudo pra fora.
Eu não lembrava de muita coisa depois que fugi de casa. Me lembrava de ter mandado mensagem para Kirishima e que em pouco tempo depois ele tinha me achado. Depois disso, parei de processar qualquer outra coisa e deixei ele me levar onde quisesse, porque se eu estava com Kirishima, significava que estava segura, então nada mais importava.
Ele me levou até sua casa, me fez comer, me obrigou a tomar banho e depois que fiz tudo isso, Kirishima me fez deitar em sua cama debaixo dos cobertores confortáveis. Não conseguia falar nada, mas estava grata por Kirishima ter, como sempre, me ajudado. A preocupação em seu olhar estava me matando, mas eu sabia que Kirishima não me pediria para falar, para contar o que estava acontecendo. Eu sabia que tudo o que ele mais queria era me ajudar, mas sua companhia já era confortável o suficiente pra mim.
-Eu avisei a Poppy e o Bakugo que você tá aqui. - Kirishima disse e eu assenti em agradecimento. -Você saiu de casa, né, Aoi? Você não vai mais voltar, né?
Eu sentia o desespero na voz de Kirishima, porque claro que ele sabia que meu estado agora tinha tudo relacionado aos meus pais. Eu apenas abaixei a cabeça, sentindo meu cérebro doer.
-Não sei o que vou fazer, Kiri. - sussurrei. -Eu não tenho pra onde ir.
-Aoi, você pode ficar aqui o tempo que precisar! E tem a Poppy e até mesmo o Bakugo. Você não tá sozinha, sabia? - Kirishima disse seriamente e eu apenas estiquei a mão e apertei a dele com força.
-Eu não mereço você, sabia? - falei com sinceridade e Kirishima me olhou com indignação.
-Não diz isso, Aoi! - ele reclamou e eu aoenas fechei os olhos com força, me inclinando para apoiar a testa contra seu ombros.
-Eu descobri tudo. A verdade, no caso. Eu me lembrei, Kirishima. Shigaraki Tomura era meu melhor amigo. E é por que eu nunca apareci pra fugir com ele que ele se tornou um vilão. Eu não mereço ninguém, porque só trago desgraça por onde eu passo. - falei, minha voz completamente chorosa.
Kirishima segurou meus ombros, me forçando a olhar para deus olhos escarlate. Nunca tinha visto Kirishima tão sério quanto naquele momento.
-Você tá muito errada, Aoi. - ele disse, levando as mãos até meu rosto e o segurando com carinho. -Você não é nada disso, e é uma heroína muito incrível! Por que não enxerga que você é maravilhosa? Se eu precisar te dizer isso todo dia, o tempo todo, vou fazer, não importa. Até você aprender.
Senti uma lágrima escorrer pela minha bochecha e Kirishima a limpou com carinho. Ele estava errado, eu não merecia. Mas talvez... Pelo menos por um dia, eu podia fingir que sim.
-Eu menti pra você. - admiti, fazendo Kirishima franzir um pouco as sobrancelhas. -Você não entendeu nada errado. Eu sinto o mesmo por você, mas entende que eu não posso fazer isso? Ainda mais agora, você ficar comigo só vai te fazer ser um alvo. Não quero isso.
-Mas Aoi... - ele começou, dividido entre a confusão, preocupação e felicidade por eu ter admitido que também gostava dele.
-Não tem "mas", Kirishima. Não dá... Não quero te magoar, e é só isso que sei fazer com as pessoas. - eu disse num sussurro, apoiando a testa na dele. Respirei fundo. -Mas pelo menos hoje a gente pode fingir que dá?
-Eu não entendi nada. - Kirishima admitiu, me fazendo rir. Meu Deus, como era burro. E ainda assim, eu gostava tanto, tanto dele que meu coração parecia capaz de explodir a qualquer instante.
-Só hoje, Kirishima. Por favor, esquece disso depois. - murmurei e senti a confusão dele.
Não dei tempo para Kirishima fazed perguntas ou protestar, porque tenho certeza que ele viria com um discurso que definitivamente seria capaz de me convencer do contrário. Então, antes que Kirishima pudesse dizer ou fazer algo, eu me inclinei para frente e cortei todo o espaço que existia entre nós dois.
Fazia tempo que eu queria fazer isso. Fazia tempo que queria saber qual era a sensação da boca de Kirishima contra a minha. Eu me segurei e me neguei a sentir aquilo, mas por que? Pelo menos naquela noite, onde tudo já tinha saído completamente do meu controle, eu poderia fingir que era uma pessoa normal gostando de alguém. Pelo menos por uma noite eu poderia fingir que aquilo entre nós podia acontecer. E talvez fosse egoísta, mas eu precisava desesperadamente me agarrar a algo. E Kirishima estava bem ali. Com seu sorriso idiota que fazia meu coração disparar e cabelo estúpido que fazia eu ter vontade de afundar meus dedos ali. Eu queria tão desesperadamente poder ficar com Kirishima e, pelo menos hoje, naquela noite, eu me permitiria quebrar minhas próprias regras e fazer exatamente isso.
Kirishima hesitou por um instante, parecendo chocado demais para reagir. Mas quando percebeu que eu não iria me afastar dessa vez ou sair correndo, fugir e fingir que nada disso tinha acontecido, ele pareceu relaxar. Tinha muita coisa que ainda precisava ser dita entre nós mas Kirishima se apegou a mesma coisa que eu: pelo menos naquela noite podíamos fingir ser algo que não éramos. E podíamos ser sinceros em relação ao que sentíamos um pelo outro.
Os lábios de Kirishima eram carinhosos contra os meus enquanto tentava entender o como prosseguir. Era como se eu tivesse feito Kirishima entrar em curto-circuito ao o beijar tão de surpresa assim, o que quase me fez rir. Então, tomei as rédeas da situação, abrindo um pouco mais a boca e deslizando minha língua pela dele. Kirishima segurou minha cintura com cuidado, me puxando delicadamente para mais perto de si.
Afundei os dedos no cabelo de Kirishima do jeito que queria fazer há um bom tempo, o trazendo para mais perto. Era como se eu não conseguisse ter o suficiente dele; meu coração batia tão forte dentro do peito que eu sentia como se fosse acabar saindo pra fora.
Poppy vai me matar se souber disso. Na verdade, ela vai me matar se souber o que vou fazer depois que esse dia acabar.
-Kirishima. - murmurei, baixinho, me afastando apenas o suficiente para olhar seus olhos vermelhos. Mas não consegui dizer nada vendo a felicidade que tinha ali dentro. Na verdade, só me deu vontade de chorar, porque eu não merecia alguém tão bom quanto ele, que ficava genuinamente feliz só por me beijar. Eu soltei um suspiro, escondendo o rosto entre minhas mãos.
-Eu fiz alguma coisa errada? - ele perguntou alarmado e eu ri, tombando a cabeça para o lado e o fitando, abrindo um sorriso de leve para ele.
-Não, Kiri. A questão é o que você fez de certo. - suspirei, segurando o rosto dele em minhas mãos. -Você torna tão mais difícil te deixar ir embora.
-Eu não entendo. Eu não quero ir embora. - Kirishima disse e eu suspirei mais uma vez, tentando me afastar. Mas ele não deixou, segurando minha mão e me puxando para mais perto de si. -Mas você disse que hoje a gente pode fingir, né?
Eu assenti, engolindo em seco com o olhar de Kirishima sobre mim. Ele apenas assentiu também.
E quando Kirishima me beijou de novo e de novo, tirando todo o ar dos meus pulmões, e até depois quando se deitou do meu lado e me apertou com força dentro de seus braços e fez eu me sentir muito mais segura, deixou dez mil vezes mais difícil o esquecer.
cadê meus leitores fiéis que comentavam aqui? :')
~Ana
Data: 09/09/23
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