𖤍𖡼↷ 𝐓𝐖𝐄𝐍𝐓𝐘 𝐅𝐈𝐕𝐄
SAIR DE CASA
Apesar de terem se passado apenas alguns dias, eu já me sentia bem mais em casa morando com Aizawa e Violet do que jamais me senti com minha mãe. Ver o como uma família de verdade deveria ser apenas me fez desejar ter tido isso. Mas eu também sabia que agora eu meio que tinha isso e eu estava feliz pela primeira vez em muito tempo. Apesar de ainda estar sendo atormentada por todos os anos de abuso e por Tenko ter se tornado Shigaraki Tomura, pelo menos uma parte de mim estava mais em paz graças a Aizawa e Violet. E rápido assim, eles tinham se tornado a família que sempre desejei ter.
Naquela tarde, Poppy tinha me mandado mensagem perguntando se eu iria sair com ela. E bem que eu estava precisando fazer isso depois de tudo que tinha acontecido. Minha vida era pior do que a dos personagens dos mangás que eu lia, parecia uma puta piada! Só que nesse caso não tava fazendo ninguém rir, só tava me fazendo chorar mesmo. Foda né. Pois é, e eu ainda tinha escolhido ser super heroína, o que todos sabiam que era um caminho onde só tinha dor e sofrimento. Mas tá tudo bem!
Eu me arrastei para fora da cama antes de responder a mensagem de Poppy. Tinha decidido que iria arrumar o quarto naquele dia, tentar deixar ele mais com a minha cara, mas tinha ficado um pouco desanimada de fazer isso, apesar de Aizawa ter me ajudado a trazer tudo o que pertencia a mim que tinha ficado para trás na minha antiga casa. De uma certa forma, muita coisa dentro daquelas caixas empilhadas no canto do quarto já não faziam mais parte de quem eu era agora. Principalmente as coisas que continham na pequena caixa que tínhamos achado escondida no fundo do guarda roupa, onde estavam todas as memórias que eu tinha de Tenko e minha mãe tinha arrancado e escondido de mim por quatro anos.
Eu ainda não conseguia ver o conteúdo lá dentro sem sentir o ar faltar dos meus pulmões, apesar de eu ter voltado a usar o colar com o sol, onde eu deixava escodido dentro da camiseta. Eu precisava de um tempo para me desapegar de tudo aquilo, para colocar na minha cabeça que o amigo que eu tinha amado com todo meu coração estava morto. E o que tinha restado dele não era algo que eu gostava.
Vi Violet se arrumando para ir trabalhar assim que cheguei na sala. Ela estava terminando de tomar o café da manhã. A ausência de Florence deixava claro que ela tinha aproveitado pra ficar jogando videogame a madrugada toda e agora estava cansada demais para acordar mais cedo. Já eu nunca conseguia dormir tanto, acostumada demais em acordar cedo para treinar e me exercitar para conseguir ficar até tarde deitada na cama. Me sentia uma inútil improdutiva e não gostava de ficar com meus membros parados por muito tempo. E de qualquer forma, eu precisava me manter em forma, principalmente quando eu dependia bastante de luta corpo a corpo. Em uma das minhas conversas com Aizawa durante as noites onde ficávamos horas depois de terminar de jantar falando aleatoriedades, ele tinha sugerido que eu usasse algo para me ajudar, como por exemplo as faixas que ele usa nas lutas. Ainda estava pensando a respeito disso, mas não nego que seria interessante. Eu não podia depender somente e apenas da minha individualidade.
-Bom dia. - falei para Violet e ela estendeu os braços para que eu fosse a abraçar, o que me fez dar risada, mas abracei mesmo assim. Eu gostava de quando ela fazia isso, não que eu fosse admitir isso, claro. Ela me apertava com carinho em seus braços, como uma mãe superprotetora. E eu nunca soube o que isso significava até esse momento. -Você já tá indo?
-Sim. Eu deixei o almoço para você e para Florence já que o papai ainda está na clínica. - ela avisou e eu assenti. Pelo que eu tinha entendido, pai delas estava participando de um estudo sobre o alzheimer, então tinha passado o dia anterior e passaria hoje fora sendo cuidado por profissionais. Ainda assim, eu via o como Violet tinha esperanças de que tivesse resutados positivos, pelo menos uma melhora no quadro do pai delas. O problema não era só o alzheimer, mas também a depressão.
-Obrigada. - falei e ela apenas deu de ombros, como se não fosse nada demais cozinhar para nós. Mas eu não estava acostumada com aquele tipo de zelo já que minha mãe nunca moveu uma palha por mim e eu tuve que aprender a cozinhar por mim mesma para não passar fome. Ter alguém para demonstrar afeto em gestos simples fazia meu coração se encher de um sentimento que jamais tinha de enchido antes. -Hm, antes de você ir, tenho uma pergunta.
Violet estava na metade do caminho, mas se virou e me olhou atentamente.
-Posso sair com minha melhor amiga? Prometo que não vou voltar tão tarde e que vou mandar mensagens. - falei juntando as mãos em uma espécie de súplica. Eu nunca tinha pedido autorização para minha mãe quando queria fazer algo, pois ela não merecia ter o direito de opinar do que eu faria ou não, e ela nunca ligou o suficiente. Mas eu respeitava muito Aizawa e Violet e as regras dentro da casa deles. Além disso, Violet cuidava de mim pra valer, então no mínimo merecia que eu avisasse e a respeitasse.
Percebi que minha pergunta a pegou de surpresa. Sua boca tremeu um pouco enquanto ela tentava conter um sorriso, pois claro que Violet entendia a importância que tinha para mim.
-Claro, Aoi. Mas avisa o Shota também, tá bom? E se precisar que alguém vá te buscar, avisa. - ela disse, se aproximando de mim e beijando minha testa com carinho antes de se virar para sair mais uma vez. -E vê se almoça direito pra não passar mal depois! Ah! E se divirta!
Quando a porta de fechou atrás de Violet, dei um imenso e sincero sorriso. Apesar de saber que ela não iria conseguir ver.
Não sabia que iria mais gente da nossa classe, mas não me importei muito com isso enquanto me sentava ao lado de Poppy na grama. Tinha sido ideia das meninas sairmos juntas depois que Mineta e Kaminari estragaram o momento delas na piscina da U.A no dia anterior, evento ao qual eu não tinha participado já que estava ocupada demais jogando (e perdendo) com Florence o dia inteiro. Era até injusto que ela fosse tão boa em bater nos outros virtualmente.
-Você parece bem melhor. - Poppy comentou abrindo um sorriso sincero para mim e eu apenas dei de ombros enquanto arrancava um punhado de grama e brincava com as folhas em minha mão.
-Eu tô, não se preocupa. Quer dizer, ando tendo uns pesadelos, mas nada que não dê pra lidar. - falei com um suspiro. Poppy assentiu e engoliu em seco, como se entendesse muito bem.
-Que bom que você decidiu vir, Aoi. - Yao-Momo disse dando um sorriso para mim que eu retribui. Nem se eu tivesse braba conseguiria negar um sorriso para Momo, ela era bonita demais pra fazer algo do tipo. -Ficamos preocupadas com você.
-Aquele dia no shopping, nossa! Você tava tão péssima que até eu fiquei com medo. - Mina disse e eu torci o nariz para ela antes de revirar os olhos. Ela e Kaminari eram mesmo uma boa dupla, ambos certamente dividiam o mesmo maldito neurônio.
-Acho que é isso que acontece quando um vilão quebra seu pulso, né? - falei e ela fez uma careta.
-Deku disse que o Shigaraki te conhece. E que você chamou ele por outro nome. - Ochako disse baixinho, dava para sentir o medo em sua voz, sem saber se aquele era um assunto que deveria trazer a tona ou não. As costas de Poppy ficaram tensas e ela abriu a boca, provavelmente preparada para me tirar daquela conversa. Mas eu sabia que viria uma hora ou outra, e não dava para fugir para sempre.
-Conheci o Shigaraki quando eu tinha seis anos. - admiti, arrancando um pouco mais de grama e de terra tentando fazer minha ansiedade ficar mais controlada. Precisava manter as mãos ocupadas enquanto contava aquela história. Percebi os olhos de todas as meninas em mim, até mesmo Jiro e Tsuyu cessaram a conversa para me olhar, a curiosidade sendo maior. -Não o conheci por esse nome na época, ele me disse que chamava Tenko, e ele tinha onze anos. Nós dois estávamos fugindo de casa, da pressão que vivíamos lá dentro. Passamos a tarde inteira juntos e ele me deu um sorvete de chocolate quando eu comecei a chorar porque odiava minha mãe. No final do dia, eu já estava me sentindo bem melhor.
"Achei que nunca mais ia ver ele, mas todas às vezes que eu fugia de casa, o encontrava no mesmo lugar de sempre. E nós conversávamos muito, brincávamos juntos e fugiamos da nossa realidade horrível. Por cinco anos fizemos isso, até que ele teve a ideia de apenas abandonarmos tudo e irmos embora. Tenko já estava mais velho, então poderia dar um jeito de cuidar de nós. Pelo menos foi o que ele me disse naquela época."
Respirei fundo e me joguei para trás, deixando minhas costas afundarem na grama enquanto eu fitava as nuvens no céu por um momento.
-Estava tudo certo para fazermos isso. Mas eu nunca apareci. - suspirei, querendo dar um gritinho frustrado. -Minha maldita mãe descobriu tudo e usou sua individualidade em mim. Me fez esquecer de quem Tenko era, então eu nunca apareci para fugir com ele. Isso foi quatro anos atrás e eu só recuperei minhas memórias fazem alguns dias. Ainda é bem confuso. - admiti. -Mas algo Shigaraki deixou claro pra mim: a culpa é minha dele ter virado vilão. E eu só contribui pra fazer aquela raiva que sempre existiu dentro dele crescer mais e mais.
Não tinha me dado conta do como era bom desabafar com as meninas até ter feito isso, tirado tudo do peito. Voltei a me sentar para poder as fitar. Esperava por tudo em seus olhos, pena, julgamento, tristeza. Mas encontrei compreensão, e era por isso que gostava tanto delas.
Senti a mão de Poppy apertando de leve na minha e ela sorriu para mim, como se tivesse orgulhosa por eu finalmente ser sincera em relação aos meus próprios sentimentos. E eu sorri de volta para ela.
-Ele não merece você. - Mina resmungou e eu dei risada.
-Não mesmo! - concordei e as meninas sorriram para mim. -Mas fiz uma promessa que vou cumprir nem que custe minha vida: vou fazer ele parar. Tenko, Shigaraki, seja quem ele for, vai pagar pelos seus crimes na prisão. Não importa o que um dia ele significou pra mim.
-Você não tá sozinha. - Poppy disse e elas começaram a concordar.
-Vocês querem jogar uno? - Hakagure disse de forma animada enquanto estendia a caixa em nossa direção e eu fiquei grata por ela ter mudado de assunto. Tudo o que eu menos queria era que o clima ficasse péssimo depois que eu terminei de contar minha história para elas.
Eu apenas dei risada e assenti. Pelo menos por um dia, poderíamos fugir da nossa péssima realidade e agir como um bando de adolescentes normais fofocando, zoando uma com a outra e brigando poe causa de uno (esse último eu admito que foi mais eu do que qualquer outra pessoa, mas o que eu podia fazer se Ochako estava roubando na maior cara de pau?).
Logo iríamos para o acampamento, e eu não tinha dúvidas de que Aizawa ia fazer da nossa vida um inferno. Apesar de ele tentar esconder, o sorriso que dava toda vez que eu perguntava algo, já me dizia o suficiente. Então, durante aquela tarde, eu aproveitei. E deixei para depois todos os outros problemas que não paravam de rondar minha mente. Eles poderiam esperar. E ficar para outro dia.
Data: 07/11/23
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