Capítulo Único
O barulho da chuva, em contraste com os trovões, me transportava para o passado, para aquela época em que tudo era diferente da minha realidade — um tempo que eu, sem dúvida, poderia chamar de anos dourados, pois foram os mais felizes da minha vida. Não apenas por ter você ao meu lado, mas porque éramos inocentes, e nada parecia capaz de nos impedir de aproveitar ao máximo aqueles momentos.
Quando somos crianças, não temos noção da vida que nos aguarda. Talvez essa seja a beleza da infância: a capacidade de sentir tudo com uma intensidade pura, sem a preocupação de saber se o amanhã realmente chegará. É duro admitir, mas esse é, de fato, o único momento em que somos verdadeiramente livres, capazes de viver em qualquer mundo que imaginarmos. Porque, quando crescemos, tudo se torna imprevisível e doloroso.
Lembro-me bem do som dos trovões lá fora, igual ao de agora. Naquele dia, eu estava apavorado, e você fingiu ter medo também. Nos escondemos debaixo de uma coberta gigante, com lanternas nas mãos, esperando que a tempestade passasse. Recordo-me da sua promessa: "Eu te protejo, Jiminie. Espero que nossos lobos se escolham, assim eu vou poder te proteger para sempre." Aquele momento marcou minha infância. Se eu soubesse que, anos depois, tudo mudaria, teria vencido o medo das tempestades, porque não teria você para sempre, como havia prometido. Não porque você não pôde cumprir sua promessa, mas porque a vida, de forma cruel, nos afastou. E eu nunca imaginei que um dia teria que enfrentar tudo isso sem você ao meu lado.
Nos conhecemos no jardim de infância, com apenas dois anos. Certa vez, minha mãe me contou que, no seu primeiro dia de aula, eu te dei um band-aid do Pororo por causa da cicatriz na sua bochecha. Você tinha aqueles olhos doces de cervo, dentinhos de coelho, e chorava por qualquer coisa. Vi esse menininho crescer e se transformar em um alfa forte e lindo. Crescemos juntos, e eu acreditava que poderíamos conquistar o mundo. Eu, um pequeno ômega, gordinho demais, bochechudo, e com mãos fofinhas que sempre secavam suas lágrimas.
Naquela época, não fazíamos ideia, mas nossos pais sabiam. Seu instinto protetor comigo não era apenas porque eu era um ômega, considerado mais frágil pela sociedade — até porque você nunca ligou para essas bobagens. Era algo maior, como se estivéssemos destinados um ao outro, perfeitos na nossa união. Enquanto desbravávamos máquinas de sorvete e enfrentávamos resfriados, fomos vivendo os anos dourados das nossas vidas. Aproveitávamos para ser nós mesmos, com a certeza de que, não importava o que acontecesse, estaríamos sempre juntos, pelo menos enquanto fosse possível.
Aos poucos, fomos crescendo, e, à medida que nos descobríamos, fomos arrebatados por uma paixão juvenil. No nosso primeiro encontro, você me deu uma jaqueta verde, com a desculpa de que eu não tinha pretendentes e que meu destino era ficar ao seu lado. Mal sabia você que eu já sabia que você espantava qualquer alfa que tentasse se aproximar de mim. Mesmo não acreditando muito na sua justificativa, vesti a jaqueta, porque, no fundo, eu sabia que meu destino era você. Naquele dia, demos o nosso primeiro beijo, e, naquele momento, eu desejei que o tempo parasse. E, mais uma vez, se eu soubesse o que sei hoje, teria te pedido em namoro muito antes. Teria realizado cada promessa que fizemos um ao outro, todas aquelas coisas que sonhamos viver juntos, mas que nunca tivemos a chance de cumprir.
Dois anos se passaram desde o nosso primeiro encontro, e tivemos nossa primeira grande briga. Aos dezoito anos, tudo muda. Descobrimos que queríamos coisas diferentes, vivências diferentes, mas nenhum de nós queria ceder, porque éramos orgulhosos demais. Lembro-me de como foi intenso. Nossas famílias tentavam entender o que estava acontecendo, e eu só conseguia chorar e gritar. Você me segurou contra a parede, tentando evitar que eu jogasse fora nossa aliança de namoro, mas, nem mesmo aquele beijo que arrebatou minha alma foi suficiente. Joguei a aliança em você do mesmo jeito, e nosso namoro acabou ali.
Claro que o término não durou muito, mas tomamos o tempo que precisávamos. Um ano e meio depois, fui até a sua porta. Ainda estava magoado com a forma como tudo havia terminado, mas, mesmo que não ficássemos juntos como casal, eu ainda te queria na minha vida. Você era o meu melhor amigo. Sentamos e conversamos como dois jovens adultos. E, naturalmente, tudo se resolveu, porque sabíamos que nos amávamos e, mais que isso, tínhamos certeza de que pertencíamos um ao outro. Meu lobo te escolheu, e eu sabia, com todo o meu ser, que aquilo era para sempre.
A vida adulta chegou para nós como chega para todos: com as responsabilidades, as pressões de nossos pais e a necessidade de amadurecer. Posso dizer com certeza que passamos por muitas fases juntos, e acreditava que estávamos prontos para o próximo passo. O momento parecia perfeito. Você me pediu em casamento após aquele encontro, com a ponte de Seul, o rio e as estrelas como testemunhas. Havíamos acabado de alcançar nossas metas profissionais: eu, como chefe do departamento de Genética, e você, que escolheu o caminho mais árduo, finalmente se tornando sargento do seu pelotão no exército. Naquele dia, fizemos uma videochamada com nossos pais para contar que íamos nos casar. Estávamos tão felizes que nem nos importamos quando nossos olhares se cruzaram e nos beijamos apaixonadamente.
Foi tudo perfeito. Mas, agora, a palavra "perfeito" parece não caber mais, porque todas essas lembranças, que já foram minha fonte de coragem, se tornaram também uma fonte inesgotável de tristeza. O mundo em que vivemos hoje não é mais o mesmo de antes, e, se eu soubesse, teria feito tudo diferente.
Agora, ouvindo os trovões e sentindo o peso da sua ausência, percebo o quanto o "para sempre" pode ser apenas uma ilusão cruel.
Cinco anos se passaram desde a última vez que te vi, desde que a guerra entre alfas e ômegas começou. Cinco anos desde que fomos forçados a deixar nossas casas, nossos parceiros, nossos filhos. Cinco anos, e tudo o que os malditos alfas que comandavam o governo fizeram foi se esconder atrás de suas mesas e ordens, enquanto nos matávamos, um por um.
O mundo mudou, e tudo o que um dia você, eu, e nossa sociedade lutamos tanto para preservar foi destruído como uma bomba nuclear detonada aos nossos pés. Ainda lembro claramente do dia em que a ordem foi dada: "Matem todos os ômegas." Lembro perfeitamente dos lados sendo tomados, das vidas sendo viradas do avesso, e das tragédias que nos cercaram.
Aquele deveria ter sido um dia feliz. Era o casamento da sua irmã, e eu sabia o quanto aquele momento era importante para ela. So-mi passou anos lutando para sair de um relacionamento abusivo e, quando finalmente se livrou daquele desgraçado, encontrou o amor nos braços de um alfa gentil, Kim Taehyung, um dos meus melhores amigos. Eu estava tão orgulhoso dela, de você, por nunca ter desistido dela, e de nós, por termos chegado tão longe. Era o nosso melhor momento. Quando vi seu sorriso enquanto a levava ao altar, foi o mais lindo que já vi. Mas a primeira lágrima que caiu dos meus olhos não foi de felicidade, foi de medo, desespero.
Eu lembro de olhar para você, e, enquanto todos ao nosso redor entravam em pânico, eu soube que aquele seria o último momento em que estaríamos juntos. Quando precisei dizer aquele adeus doloroso e partir sem olhar para trás, foi porque sabia que, se eu ficasse, você morreria por mim. E eu nunca poderia deixar isso acontecer. Foi ali que tomei meu lugar na resistência, e o fim do nosso mundo começou. O fim de nossas memórias, de tudo o que representava algo para nós dois.
Minha atenção foi arrancada de meus devaneios pelo presente, e eu respirei fundo ao ouvir o rangido alto da porta. Estávamos escondidos em um bunker, nosso refúgio há seis meses. Havíamos estocado comida suficiente para sobreviver por todo esse tempo, e até então, o lugar era seguro. Mas a tranquilidade começou a ruir quando notamos uma movimentação nos andares acima — não deveria haver alfas por ali.
Olhei para trás e fiz um sinal de silêncio, a tensão no ar era palpável. Já estávamos acostumados a esse pânico constante; treinados para sobreviver. À minha esquerda, Hoseok; à direita, Seokjin. Com um simples olhar, indiquei para que seguissem em direções opostas. Tudo era um reflexo do desespero que tínhamos aperfeiçoado com o tempo.
Me virei para os menores, tentando oferecer um sorriso reconfortante antes de me afastar. No entanto, fui interrompido por uma pequena mão que segurava meu colete com força. Olhei para aqueles olhinhos grandes, brilhantes como jabuticabas, e sorri suavemente. Ele sabia que eu voltaria. Sempre voltaria, porque jamais o abandonaria.
— Papai já volta — movi meus lábios sem emitir som. A audição de um alfa era extremamente aguçada, e em um ambiente onde o eco reverberava, qualquer vibração poderia ser capturada facilmente.
Desde que a guerra havia começado, nós, ômegas e alfas, tínhamos aprendido a viver de acordo com todas as regras que garantissem nossa sobrevivência. Isso incluía suprimir nossos cheiros, evitar qualquer ruído e até inibir nossos cios. O cheiro podia revelar nossa localização no campo de batalha em questão de segundos. E o cio, ah, o cio... era um risco enorme. Ele atraía nossos parceiros, que estavam proibidos de nos encontrar, proibidos de ceder ao chamado primal que nos unia. O cenário de guerra tornava tudo isso impossível.
Eu já não me comunicava com meu lobo há muito tempo. Ele hibernou, silenciado pela distância que nos separava do nosso alfa. Nossas marcas... elas eram algo sagrado, algo que antes representava nossa conexão eterna. Mas, descobrimos que, se um ômega lúpus morder sobre a marca do alfa, ela desaparece. E, junto com a marca, vem a possibilidade de formar uma nova alcateia. Era um processo arriscado, perigoso, e carregado de dor. Sofremos com isso, com o rompimento dessa ligação que um dia juramos ser inquebrável. Mas no caos da guerra, faríamos qualquer coisa para sobreviver.
E assim, escondidos, sem cheiro, sem voz, sem o calor de nossos cios ou a segurança de nossas marcas, continuávamos lutando. Porque, apesar de tudo, a vontade de viver ainda ardia em nós. E, por mais que o mundo nos tivesse levado tudo, ainda tínhamos uns aos outros, ainda tínhamos algo pelo que lutar.
Com delicadeza, soltei sua mão e dei um beijo leve em sua testa, tocando seu nariz como sempre fazia, arrancando-lhe um sorriso com aqueles dentinhos salientes, tão parecidos com os do pai. Engoli o nó que se formava em minha garganta e, então, comecei a seguir o som dos passos, sabendo que cada movimento poderia ser o último, mas prometendo a mim mesmo que retornaria. Eu tinha que voltar.
Me escondi entre uma prateleira caída e algumas caixas de papelão, observando os coturnos pretos se aproximarem. Os outros ômegas provavelmente estavam por perto, mas aquele homem — um alfa, com certeza — não estava sozinho. Quando ele ficou ao meu alcance, ataquei com a adaga em direção aos seus pés. Ele foi rápido, recuando e chutando uma caixa que desabou sobre mim. Rolei para o lado, tentando me recompor. A escuridão não escondia o quanto ele era mais alto e forte, e eu sabia que, se não usasse todas as minhas habilidades de combate; adquiridas nos anos de guerra, seria facilmente derrotado. E eu não podia me permitir morrer — meu filho dependia de mim.
Assim que me firmei no chão, avancei contra ele com toda a força, a adaga em punho, mirando diretamente em seu rosto. O alfa, ágil, esquivou-se com precisão e tentou me chutar, mas eu fui mais rápido. Abaixei-me, guardando a adaga. Eu precisava de algo mais eficaz, algo que me garantisse a execução do plano. Mas a oportunidade não veio.
Num piscar de olhos, ele contra-atacou, e nos engajamos em uma luta corporal feroz. Seus golpes eram precisos, metódicos, e logo percebi que ele não era um alfa qualquer. Seus movimentos indicavam treinamento, talvez nas forças especiais, ou pior ainda, pela ACA, aquela maldita agência de combate dos alfas. Senti um misto de frustração e raiva crescer dentro de mim. Eu sabia o quanto seria difícil derrotá-lo.
— Ridículo, eu sei — pensei. Como um simples ômega poderia vencer alguém assim? Mas não havia espaço para hesitação. Minha sobrevivência — e a dele, o pequeno com os olhinhos de jabuticaba, que dependia de mim — estava em jogo.
A luta continuava, os golpes trocados, o som abafado de coturnos e socos ecoando pelo espaço apertado. Eu sabia que não podia perder. Não agora.
Meu chute em seu peito foi o suficiente para afastá-lo, criando uma brecha. Eu precisava afastá-lo daquele bunker, e então corri. A vantagem era mínima, mas a oportunidade única. Porém, ele se lançou sobre mim, e rolamos pelo chão, parando agachados, as armas apontadas um para o outro.
Lá estava eu, lutando pela sobrevivência em um mundo que havia perdido seu rumo. Um mundo em que tudo o que eu amava havia sido arrancado de mim. Minha respiração ficou presa na garganta e lágrimas encheram meus olhos. A dor era insuportável, machucava meu lobo, aquele que eu não sentia há tanto tempo. Mas eu não podia fraquejar — não em plena guerra. Contudo, os olhos à minha frente, tão familiares, trouxeram à tona tudo o que eu lutava para esquecer.
A infância feliz, os destinos entrelaçados, as descobertas, o primeiro beijo com aquele maldito casaco verde, os segredos, os almoços de domingo, a juventude, as rebeldias, as brigas, os sentimentos que amadureceram de uma paixão adolescente para um amor profundo. A responsabilidade que assumimos quando você me pediu em casamento. Agora, tudo isso se transformava em mágoa, consequência das ordens insensatas de quem se escondeu enquanto nós queimávamos uns aos outros.
Era você ali, na minha frente. Mas tudo o que eu conseguia pensar era que, se precisasse matá-lo para sobreviver, então eu já deveria estar morto. O rádio chiou, quebrando o transe, e percebi que nossas armas ainda estavam apontadas.
— JK, na escuta? — reconheci a voz. Você apertou o botão e respondeu com um murmúrio. — Qual a sua localização?
— Porão do lado sul — você revelou sem emoção, e eu engoli em seco.
— Achou sobreviventes?
Sobreviventes? Do que ele estava falando?
— Estou olhando para um — sua voz saiu fraca, como se fosse incapaz de assimilar a minha imagem diante de si, algo que parecia quebrá-lo por inteiro. O peso do que estava acontecendo transbordava em cada palavra, como se a simples visão de mim trouxesse à tona uma dor insuportável, algo que o destruía de dentro para fora. Eu conseguia ver o conflito em seus olhos, a mistura de alívio e desespero que apenas intensificava a agonia do momento. Era como se tudo o que ele havia construído para suportar a guerra desmoronasse ali, ao se deparar com o passado que tentava enterrar.
Mas eu também estava quebrado. Porque, por mais que tivesse esperado por esse reencontro, nada no mundo poderia ter me preparado para a devastação que ele carregava nos olhos.
— Quem é? É o Jin?
— Não, mas acho que ele está aqui também — você suspirou. — Nam, eu achei o Jimin.
O rádio silenciou, e continuei te encarando, incapaz de dizer qualquer coisa, ainda com a arma apontada, embora soubesse que jamais teria coragem de usá-la. Eu não seria o responsável por tirar a vida do meu marido.
— O que... o que o Namjoon quis dizer com sobreviventes? — perguntei, atordoado.
— Ele quis dizer que a guerra acabou, Jimin — você abaixou a arma, exausto, e suspirou. — Podemos finalmente ir para casa. Juntos.
Aquilo era verdade? Não podia ser. Não queria acreditar. Meus braços cederam, e comecei a chorar, sentindo seus braços ao meu redor. Eu chorava compulsivamente, largando a arma ao meu lado e te segurando firme, temendo que aquilo não passasse de um sonho.
Olhei mais uma vez para seu rosto e tomei seus lábios em um beijo carregado de saudade. Seus braços pareciam ser meu mundo inteiro, e tudo o que eu precisava estava ali, naquele momento fugaz, envolto em uma melancolia que me lembrava o que perdemos.
— Papai — a vozinha chamou, e me afastei apenas o suficiente para ver meu filho, de mãos dadas com a filha de Seokjin. O ômega estava mais atrás, junto a Namjoon.
— Venha aqui, querido — estendi a mão, e ele correu para mim, me abraçando.
Você parecia surpreso, olhando para o garoto com confusão. Endireitei meu pequeno no colo para que pudesse te ver melhor.
— Jeon Yohan, este é Jeon Jungkook, seu pai alfa. Alfa como você, querido — eu disse com ternura, enquanto ele piscava para você com seus grandes olhos curiosos. Lágrimas já deslizavam pelo seu rosto.
— Você... por que... — você murmurava, perdido, mas eu sabia o que queria perguntar.
— Eu pretendia contar depois do casamento, seria uma surpresa — minha voz falhou. — Me perdoa, Jun. Eu não queria esconder, mas... eu não podia... — as lágrimas caíam sem controle. — Eu não podia criar nosso filho sabendo que o pai dele teve que tomar uma decisão tão difícil. Então, tomei essa por nós dois.
— Shh, está tudo bem — você me reconfortou, acolhendo-me mais uma vez, e logo em seguida abraçou nosso pequeno alfa.
Nossa família estava finalmente reunida. E naquele momento, enquanto te sentia ao meu lado e via o sorriso do nosso filho, o peso do passado começou a se dissipar. A partir dali, não importava o que viesse — faríamos de tudo para permanecer juntos.
Fim.
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