03 | jet lag e red bull
PASSAVA DAS ONZE E O SALÃO DO HOTEL ESTAVA VAZIO, o que me deixava com a sensação de estar no cenário de um filme de suspense. O Hilton era conhecido por ser luxuoso e o salão obviamente fazia jus a isso, mas nenhum tipo de luxo era capaz de deixar um lugar tão grande e vazio parecer menos sombrio. Aquele era um espaço de socialização e ficava aberto aos hóspedes vinte e quatro horas pelo que eu entendi, e saber disso foi o que me fez ir para lá quando percebi que nada no quarto me ajudaria a dormir.
E preciso confessar que quase dei meia volta quando saí do elevador e me deparei com o salão à meia luz e sem nenhuma pessoa, apenas com os móveis onde centenas de hóspedes se sentavam e escoravam ao longo do dia.
Minhas pantufas faziam um barulho engraçado à medida que eu andava sob o piso brilhante — e meio escorregadio — na direção da pequena mesa onde escolhi ficar. Avistei ela do começo do salão e gostei logo de cara, porque era grudada em uma parede de vidro gigante que tinha vista para um jardim de inverno tão grande quanto tudo no hotel.
Puxei uma das três banquetas altas ao redor da mesa e sentei. Não achava que ninguém ia aparecer ali tão tarde, portanto nem me importei de estar com uma roupa menos arrumada. Não era um pijama, mas parecia um pouco com um pijama.
Durante os primeiros minutos, meu celular e um aplicativo de edições furreca que eu tinha baixado nele foram minhas únicas companhias. Então uma porta automática não muito distante de onde eu estava se abriu. Arregalei os olhos, observando um grupinho de mais ou menos seis pessoas saindo de lá.
Absolutamente todos estavam usando a camisa laranja mais famosa do paddock e exalavam exaustão apenas pela forma como caminhavam — ou melhor dizendo, se arrastavam — até o elevador. Pensei que passaria despercebida, mas recebi algumas encaradas e até cumprimentos de boa noite.
Não fiquei surpresa quando reconheci Lando Norris como um dos integrantes do grupo, mas sim quando ele adentrou o elevador, ficou de frente para o salão e aparentemente olhou para mim. Tentei disfarçar e fingir que não estava vendo toda a movimentação, no entanto certamente vi o instante em que ele disse algo para alguém ao seu lado, uma mulher morena que eu tinha a impressão de já ter encontrado antes, deu tchau e saiu do elevador.
Beleza, o que ele estava fazendo?
Fixei os olhos na tela do celular e pela visão periférica acompanhei a única pessoa que havia ali além de mim, caminhar até a mesinha alta e redonda e puxar uma banqueta para sentar.
Encarei-o com os olhos espremidos. Se eu estava com cara de cansada, Lando Norris parecia três de mim; cheguei a sentir pena dos seus olhos verdes cansados e das pálpebras que poderiam se fechar a qualquer segundo. Ainda assim, o piloto apoiou os braços na superfície fria e virou-se para na minha direção.
Acabamos por nos encarar por mais ou menos meio minuto.
E foi como se, pela primeira vez, eu tivesse enxergado seu rosto de verdade. Porque horas atrás, quando estávamos ilhados esperando a chuva passar, eu estava tão atordoada de fome e de vontade de chegar ao hospitality que mal reparei nele embora estivéssemos mais próximos um do outro do que ali na mesa.
Precisei assumir para mim mesma — ainda que de forma tímida e vergonhosa — que Lando Norris era um cara muito atraente.
— Você por aqui também? — perguntei em tom brincalhão e ele exibiu um sorriso sorrateiro.
— Eu tô hospedado aqui. Mas e você, Pierce? O hotel da imprensa não é do outro lado da cidade? — riu.
— Aparentemente eu sou uma privilegiada — balancei os ombros. Desliguei o celular e então o salão se tornou ainda mais sombrio. Mas muito bonito e aconchegante também. — Ou não — erguendo as sobrancelhas, recostei no apoio da banqueta. — Vim de última hora e eles não acharam quarto pra mim por lá.
— Tem muitos fãs na cidade. É difícil conseguir uma reserva assim. — ele explicou e eu concordei; era uma verdade inegável. A maior parte da vida me hospedei nos hotéis da minha família, mas sempre via pessoas no saguão desesperadas porque precisavam de um quarto naquele momento e não havia como conseguir um tão rápido. — Mas por que você veio de última hora?
— Aconteceu alguma coisa com alguém da equipe e eles não podiam ficar desfalcados.
— E aí chamaram você?
— Sim. Comecei uma semana antes do combinado e isso me atrapalhou toda — dei uma coçadinha no cabelo e franzi o nariz. Nem queria lembrar da bagunça que tinha deixado em casa. — Mas não dava pra dizer não, né? Assinei um contrato e tudo mais.
No entanto, apesar da pressa, das coisas que deixei desorganizadas e do cansaço extremo, estava sendo uma experiência valiosa. A começar pelo fato de que eu não lembrava da última vez em que coloquei os pés no Canadá, então era bom que estivesse ali. Desde que saira do avião fiquei pensando na possibilidade de dar uma voltinha na cidade quando tivesse um tempo livre sobrando.
Poderia ser que isso nem rolasse, mas criar esperanças nunca me fez mal.
— Sua equipe inteira tá hospedada aqui? — questionei, curiosa. Eu ainda não entendia suficientemente bem daquele mundo para saber como as hospedagens das equipes e dos pilotos eram feitas.
— Só algumas pessoas. A maioria ficou no Sofitel.
— Ah, que legal. Eu achava que todo mundo precisava ficar junto. — ri.
Era o que fazia sentido para mim, pelo menos. Afinal de contas, qual o nexo de uma parte da equipe ficar em um lugar e a outra parte em um lugar totalmente diferente? Mas não era da minha conta, de qualquer forma.
— Não necessariamente… É bom que a equipe fique unida e tal, mas no fim das contas não tem muita pressão. E vai de onde a gente está, também. Certas corridas são em países onde muitos da equipe moram, então cada um vai pra casa. — o piloto explicou com paciência. Mesmo com a deficiência de luz, dava para ver seus olhos vermelhos de sono. — Como eu gosto do Hilton, venho pra cá. E minha equipe pessoal também.
Ah, então aquelas pessoas que chegaram com ele provavelmente eram da sua dita equipe pessoal. Agora fazia mais sentido.
— E os outros pilotos?
— Tem uns quatro aqui. Max, Charles, Daniel e… acho que o Sebastian também. Os outros estão espalhados por aí. — ele se endireitou na banqueta e se debruçou em cima da própria mochila, que estava jogada na mesa. — Ritz-Carlton, Cade-Pierce, Renaissance… Os únicos que tem casa aqui são o Lance e o Nicholas.
Me limitei a dar um murmúrio em resposta, porque minha mente travou no Cade-Pierce e meus ouvidos não escutaram mais nada depois disso. Eu constantemente esquecia que aonde quer que eu fosse, sempre encontraria uma parte da minha família para me assombrar. Mesmo que tentasse evitar, uma hora ou outra acabaria tombando com um Cade-Pierce Hotel em alguma esquina ou na boca de alguém.
Quando criança eu costumava gostar disso tudo, sabe, dessa coisa de sempre ter um pedaço de "casa" em qualquer canto do mundo, mas então fui crescendo e vendo como as coisas realmente eram e as idealizações da infância foram sumindo com o passar do tempo. Aos dezoito parei de fazer questão de me hospedar em qualquer hotel da minha família.
— O que você tá fazendo nesse salão? — sua voz me trouxe para a realidade outra vez. Observei-o e ele parecia estar em uma posição confortável, então também me debrucei na mesa. — Esse lugar parece o cenário de um filme de terror psicológico quando fica vazio.
Gargalhei alto e minha risada ecoou pelo salão inteiro, dando ainda mais força para a afirmação que o piloto tinha acabado de fazer.
— Eu fiquei pensando nisso quando saí do elevador, sabia? Quase dei meia volta — confessei baixinho e sua risada saiu no mesmo tom. — E tô aqui porque perdi o sono. Não aguentava mais ficar no quarto.
Lando Norris assentiu e não disse mais nada. Ele apenas manteve seus olhos em mim e em alguns momentos piscou tantas vezes seguidas que fiquei levemente assustada. Era melhor que fosse embora e descansasse, ainda que eu tivesse tantas perguntas a fazer — e achasse que um piloto era a melhor pessoa para responder — e estivesse com disposição suficiente para fazê-las naquele exato momento.
— E você? Não deveria ter ido dormir? Preciso confessar que sua cara tá meio ruinzinha, Lando. — ri nasalado ao passo que ele rolou os olhos.
— Nossa amizade tá evoluindo a passos rápidos, Holly — seu comentário foi bem sarcástico, mas não me chateou. Me fez rir, na verdade. — Eu ia subir e dormir, mas te vi aqui sentada.
— E…
— E quis vir falar com você. Não é sempre que eu encontro minha vizinha no mesmo hotel que eu tô em outro continente.
— Depois de encontrar ela no paddock, você esqueceu dessa parte. — acrescentei.
— Verdade! — ele estalou os dedos e riu. — Mas, sério, só passei pra dar um oi. E saber se estava tudo bem.
— Tirando a falta de sono e os problemas que isso vai me causar mais tarde, acho que tá tudo ótimo.
O piloto se afastou da mesa e puxou a cadeira. Eu esperava que ele não pensasse que eu estava o expulsando, não era nada disso, mas fiquei quieta para evitar que de alguma forma ele pensasse que era uma boa ideia ficar mais tempo ali. O coitado estava mesmo precisando de umas horas de sono e eu já o admirava — assim como admirava os demais pilotos — por aguentar tudo aquilo.
Sabe, o final de semana exaustivo e tudo o que vinha com ele. Não é preciso ser nenhum gênio ou formado em Fórmula 1 para saber que um final de semana de Grande Prêmio começa bem antes da quinta ou da sexta.
— Vou descansar. Amanhã é o dia. — um sorriso pequeno se formou nos seus lábios e ele se afastou. Acho que esperava que eu o acompanhasse, porque não andou muito e virou para mim outra vez. — Certeza que vai ficar aí e não vai subir?
Aquiesci.
— Tenho. Preciso de uns minutos fora do quarto e vou aproveitar um dos raros momentos em que isso aqui — apontei para o extenso salão luxuoso. — tá vazio.
— Tudo bem então — Lando Norris andou mais um pouco e agora eu mal conseguia vê-lo. — Toma cuidado. Tá meio escuro aqui e você sabe… tem bastante gente maluca e maldosa por aí.
Sorri com sua preocupação.
— Fica tranquilo, Lando. Só vou terminar de manipular umas fotos nesse aplicativo horrível aqui — desbloqueei o celular e ergui-o em sua direção, exibindo o que estava fazendo antes da sua chegada. — Quero saber se tenho superpoderes.
— Se descobrir que tem, me avisa. As coisas andam meio difíceis na McLaren.
— Ser uma super-heroína não é a mesma coisa que ser uma milagreira, Lando Norris. — alfinetei. Ele levou as mãos até o peito em um ato dramático.
— Como você é má, Holly Pierce — faltou pouco para que eu não conseguisse vê-lo balançar a cabeça. Então ele se direcionou ao elevador e entrou assim que as portas se abriram. E antes que fechassem, berrou: — Depois me mostra as fotos!
Concordei com a cabeça ainda que ele não pudesse ver. O elevador subiu e eu voltei a como estava há cerca de vinte minutos: sozinha.
Permaneci no salão por mais uma hora e me irritei com o maldito aplicativo mais do que consegui fazer alguma coisa útil. Quando me joguei na cama outra vez, senti o peso do dia finalmente pesar por completo nas minhas costas. Olhei o horário no relógio de cabeceira e apaguei.
✧✦✧
Na minha opinião, a corrida foi um caos. Apesar da largada sem muitos problemas, as horas seguintes foram um show de toques entre vários carros, bandeiras que eu ainda não conseguia entender o significado de forma específica mas sabia serem ruins, o que uma colega disse ser um safety car virtual, algumas punições e três carros abandonando.
Fiquei com dó dos pilotos, mas parecia que isso era algo comum de acontecer — embora não devesse.
Intercalar o trabalho com a conversa com o pessoal tornou tudo mais divertido e fácil. Mesmo sentindo que alguns me julgavam quando eu fazia perguntas bobas sobre a corrida, não me senti intimidada. Fui bem tagarela, na verdade.
E quando a corrida acabou e os donos do pódio foram para o parque fechado, eu e mais quatro fotógrafos estávamos lá. Consegui assistir e registrar bem de perto as equipes recebendo seus campeões, e ainda ganhei um sorriso de Lewis Hamilton, que ficou em terceiro lugar, no instante em que ele me notou tentando tirar uma foto sua no meio daquela confusão.
Eu até pensei que conseguiria manter o pique até o final da tarde, então os efeitos do jet lag e da curta noite de sono me mostraram a realidade — que era totalmente contrária. Não sairíamos do circuito tão cedo e eu teria que aceitar isso querendo ou não.
Cerca de uma hora depois do término da corrida, os pilotos da Red Bull chegaram para uma entrevista da Sky Sports. E eu fiquei lá no fundo, registrando tudo da forma mais discreta possível. A essa altura do campeonato já queria passar despercebida, uma vez que meu rosto provavelmente denunciava o cansaço que morava em mim e eu cheguei atrasada na sala de conferências. Saí do motorhome tão apressada que mal tive tempo de tirar do pescoço minha câmera pessoal.
Era uma linda Olympus Trip 35. Eu amava ela. Mas a maioria das pessoas dizia que era ultrapassada e que eu deveria trocar por uma melhor, então preferia que nem a vissem. Odiava que ofendessem minha câmera de graça.
Mais uma hora se passou e eu estava bebendo um pouco de água depois de ajudar a desmontar o pequeno estúdio e guardar tudo. Ainda tínhamos uma reunião com a equipe antes de ir embora. Caramba.
— Você não parece muito legal.
Uma voz me despertou e eu olhei para o lado. Max Verstappen estava lá, bem mais alto do que eu e também enchendo um copo com água. Me senti uma gatinha indefesa ao lado de um leão majestoso, porque não esperava que ele ainda estivesse por ali. Muito menos que fosse falar comigo.
Abri um sorriso torto.
— Ah, é. E eu não tô — assumi, dando mais um gole na água. — Sono e cansaço, sabe? Preciso descansar de verdade.
— Sei sim. A rotina daqui é puxada. Às vezes meio merda. — o holandês riu, o que também me surpreendeu. Ele parecia tão sério andando pelo paddock e parado no pódio. — E aposto que você não vai poder ir embora agora.
Neguei com a cabeça. Eu não via a hora de me habituar à loucura que trabalhar na Fórmula 1 demonstrava ser.
— A maioria de nós não. Enfim, boa sorte. — ele se distanciou um pouco da bancada, mas antes de ir embora colocou algo na superfície. Era uma lata de energético.
— O que é isso?
— Não vai te dar asas, mas vai te dar energia — o piloto balançou os ombros e foi se afastando mais. O vi baixar os olhos na minha direção e sorrir. — Câmera legal.
Sua interação comigo me surpreendeu tanto que mal consegui responder. Assim que Max Verstappen sumiu do meu campo de visão, encarei a lata de Red Bull; eu era mestre em tomar várias como aquela na época em que estudava e tinha que fazer provas.
Bebi o resto da água e abri a lata, o líquido gaseificado borbulhando lá dentro.
Meu celular vibrou sem parar no bolso da calça e eu o alcancei com a mão livre. Mãe.
Mantive os olhos no visor à medida que decidia se era melhor atender agora ou depois.
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se eu disser que achei que já tinha postado esse capítulo ninguém acredita, mas foi isso mesmo que aconteceu!
agora me digam... gostaram do capítulo? :)
e já adianto, não vamos ter um triângulo amoroso por aqui!! no mais, o max vai ser um personagem muito legal.
as intenções do lando e da holly são sempre uma graça, né? amo escrever essas cenasssss!!
e essa ligação da mãe dela? será que vai dar em algo?
não deixem de me dizer o que estão achando da história e o que acharam do capítulo.
muito obrigada por estarem lendo love lives next dor!
beijinhos, beijinhos, beijinhos e até mais! <3
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