Capítulo 4 - Elucidações
Os dias seguintes transcorrem com uma certa distância entre nós. O Paulo não entende as minhas 'complicações' e eu ainda busco o que não consigo perceber. Demorei uma vida para conquistar o cara e agora que estamos juntos, fico nessa? Ando irritada comigo mesma, então dou uma aliviada para o lado dele, porque se nem eu sou capaz de identificar a causa de toda essa inquietação como posso esperar ajuda?
É terça-feira. Tenho uma janela no horário e o professor da primeira aula faltou. Como estou cansada, não acompanho a galera à cafeteria. Fico sentada numa das cadeiras próximas à parede na entrada do bloco de Exatas, esperando a última aula que não vai dar para matar de jeito nenhum, devido às orientações que preciso para o trabalho do bimestre. Pego o romance que trouxe por conta do buraco no horário, ponho os fones de ouvido e fico tão concentrada que nem noto a chegada do Matheus.
— Oi menina, tudo bem?
Ele senta ao meu lado e constato como fica atraente de agasalho. Deve ir treinar após a aula, já que a semifinal é no próximo sábado.
— Tudo e aí? — Tiro um dos fones para continuar ouvindo música. — Está matando aula?
— Sim, senhorita. Estou superbem nessa matéria, então resolvi dar uma chegada na cafeteria. E você?
— O pessoal está lá, mas preferi ficar por aqui.
Estamos com a cabeça encostada na parede e nos olhamos. Já pressinto que vêm aqueles comentários que perfuram a alma.
— Sabe, fico me perguntando cadê aquela menina que tinha um sorriso largo quando chegou aqui. Hoje só te vejo com ar de preocupação, quieta e pensativa. A vida precisa ser vivida com mais leveza, garota. Permita-se viver com alegria.
Estou tão sensível, que essas palavras enchem meus olhos de lágrimas.
— Resolveu o lance com o namorado?
Respiro fundo.
— Não tem o que ser resolvido. Ele não fez nada, me trata bem, gosta de mim, mas o fato é que mesmo assim não consigo ficar legal. Está tudo uma merda. — Despejo nele e faço uma força enorme para evitar que as lágrimas desçam copiosamente pelo meu rosto.
Ele aguarda eu recuperar o controle.
— Está tudo uma merda, Matheus — repito. — Não consigo mais curtir o quanto curtia antes. O Paulo diz que está tudo bem e que eu sou complicada, porque invento problemas onde não têm.
— Mulher é complicada mesmo. — Lanço aquele olhar de 'qual é?', mas ele está rindo. — Essa é uma grande verdade, mas falei só pra brincar. — Dou um tapa de leve na perna dele, mas acho graça. — Então vamos lá. Já parou pra pensar que vocês podem ter maneiras diferentes de lidar com as coisas? Isso é comum, cada um ter um jeito de ver e de sentir. O que é importante pra você, pode não ser pro cara. Não tem que ter algo errado no sentido exato da palavra, mas talvez, incompatível. Com o quê está incomodada?
— Sinceramente? Acho que não sou boa o suficiente pra ele.
— Por quê?
— Sinto como se eu devesse agradecer aos céus por ele estar comigo.
— Ahhh. Só porque o infeliz tem grana? Grande coisa. Dinheiro não faz ele ser melhor do que ninguém.
— Faço de tudo pra agradá-lo, mas ele não nota. Tenho ciúme da ex que chama a atenção por onde passa, do passado que ele viveu fazendo coisas que nunca fiz e no fundo penso que acabou ficando comigo por causa dos problemas do irmão. Você sabe que o moleque se envolveu com drogas, né?
— Sei.
— Pois é. Como o meu cunhado teve o mesmo problema, acabamos confortando um ao outro.
— Monique, acho difícil um cara namorar só pra ter apoio. Isso ele poderia conseguir com a sua amizade. O ponto aqui é você. Não tem nada a ver com a ex.
— Aquela idiota é um ícone de beleza!
— Você tem espelho em casa? Enquanto não considerar as coisas como realmente são, vai ficar difícil. Você é um tesão de mulher. Ponto. A Letícia pode ser um ícone de beleza, mas pra mim, é uma chata. Pode desfilar e se abrir o quanto for, que não dá liga, já te disse isso.
— Não sei se o Paulo também pensa assim.
— Se é o que está te incomodando desse jeito, divide isso com ele. Enfrenta o problema, fala sobre ela ou sobre o que quer que te atormente do passado dele. Isso vai diminuir a sua insegurança.
— Esse tipo de diálogo não rola entre a gente.
— Por quê?
— Não sei, Matheus. Só sei que não rola. Quando tento entrar por esses caminhos, a coisa não vai. Ele diz que é besteira e não consigo levar o assunto adiante. Acho que nunca tivemos uma conversa assim como essa. Com você é tão mais fácil, consigo ser eu mesma, me abrir e ver as coisas com mais clareza.
— Um diálogo maduro traz segurança sim, mas os dois precisam estar a fim. Nesse caso, você precisa ter a determinação de se abrir, ele de ouvir sem prejulgamentos e ambos de discutir o assunto com respeito e equilíbrio. E, é claro, estarem preparados pra fazer concessões. Os dois. Quando um só cede, chega uma hora que explode e joga tudo pro alto.
— Esse é outro ponto, eu cedo o tempo todo. Fazemos os programas dele, do jeito dele, com os amigos dele, nos locais que ele gosta. Tudo bem, não estou dizendo que é ruim, mas cansa.
O Matheus me estuda pensativo.
— O que foi? Está vendo o quanto a sua amiga aqui é complicada? — Apoio os cotovelos sobre os joelhos e abaixo a cabeça nas mãos.
— Só vejo uma menina em busca da felicidade. Um relacionamento não é fácil, gata. — Olho para ele. — E nem tive tantos assim pra poder ter as respostas, se é que em algum momento se tem respostas pras coisas do coração. Mas o que posso dizer, é que quando a gente está com alguém é pra ser feliz e não pra sofrer. Quando as diferenças aparecem, porque vão aparecer, os dois precisam ter o anseio de enfrentar. Caso contrário, o vínculo não se sustenta e acaba se desfazendo. Não tem beijo e carinho que supra todas as necessidades de uma relação.
Puta merda.
Eu não desvio o olhar. É como se estivéssemos trocando as informações mais íntimas que um casal pode ter. Casal? Não... amigos, informações entre amigos. É, amigos. Observando seu rosto, percebo como seus olhos castanhos são bonitos, com cílios longos de fazer inveja a muitas meninas. O nariz bem definido e os lábios nem finos nem grossos me hipnotizam. Por um instante me vejo perdida nessa boca, desejando tocá-la com a minha.
Eu me assusto com a trilha que os meus pensamentos percorrem e procuro agarrar o fio de racionalidade que em algum momento se perdeu.
Ele também se apoia sobre os joelhos e ficamos com os rostos próximos.
— Não acho que tenha nada errado — ele prossegue e começo a raciocinar novamente. — Você está procurando preencher lacunas que fazem parte da vida. O ser humano precisa disso, mas cada um tem um tipo de necessidade e pode ou não preencher a lacuna do outro. Já ouviu aquela expressão que a minha avó dizia, de que 'cada panela tem a sua tampa'? Mas veja, não é jogar essa responsabilidade no outro. Tem pessoas que vivem superbem sozinhas, outras se completam com alguém, mas com o alguém certo, se posso falar assim. — Olha para cima e franze a testa — Bom, é o que eu penso.
— Quantos anos você tem? 40? 50?
Ele dá uma boa risada.
— Por quê? Só porque digo o que penso?
— Também, mas o que pega é o que você pensa.
— É mais simples do que parece, mas tem que ter coragem pra encarar. Entender o que angustia e fazer o que for preciso pra resolver.
Meu estômago se contrai. Sinto que vai ser o mais difícil pra mim.
— É complicado — respondo.
— Nada é fácil e você é uma pessoa especial, Monique. — Meu coração acelera. Não sei se quero ouvir o resto. — Acho que já percebeu que eu queria que fosse mais que uma amiga pra mim. — Aaii. — Você me atrai desde que começou aqui no ano passado. Só que cheguei atrasado. O formando de Direito te conquistou antes e então recuei.
— Matheus, eu...
— Relaxa. A gente está conversando como amigos. Não pense que eu estou me aproveitando da situação. Tudo que te disse, foi como amigo, sem nenhuma outra intenção. Não ia adiantar minar o seu namoro, se gosta mesmo do cara. Uma menina quando estiver comigo, tem que estar por inteiro.
Quando estiver comigo, tem que estar por inteiro...
Cada frase que ele fala, cai como uma bomba no meu emocional.
— Gatona, eu vou treinar. Desisti da cafeteria e acho que já tem muito em que pensar.
Demoro para articular uma resposta.
— Te espero no jogo no sábado. Vai ser às 11h.
— Se der, vou sim. — Minha voz quase não sai.
— Ah, não falei nada, mas você fica ótima de cabelo preso.
Ele me dá um beijo no rosto e me deixa no saguão enorme, dessa Faculdade imensa nesse mundo gigantesco. Estou só.
Estou só, mas me sinto bem. O que preciso agora é pôr as ideias em ordem.
Quando estiver comigo, tem que estar por inteiro.
Quando percebo a música que está tocando, Love is a Verb do John Mayer, ela se propaga pelos meus sentidos. A letra complementa o que o Matheus acabou de dizer e todas essas palavras bombardeiam a minha mente ao mesmo tempo.
Love is a verb ( Amor é um verbo)
It ain't a thing ( Não é uma coisa)
It's not something you own (Não é algo que você possui)
It's not something you scream ( Não é algo que você grita)
"Quando a gente está com alguém é pra ser feliz"
When you show me love (Quando você me mostra amor)
I don't need your words (Eu não preciso das suas palavras)
Yeah love ain't a thing ( É, amor não é uma coisa)
...
Love ain't a crutch (O amor não é uma muleta)
It ain't an excuse ( Não é uma desculpa)
No you can't get through love ( Não, você não consegue obter amor)
On just a pile of I-O-Us ( Apenas com uma pilha de "te devo essa")
"Os dois precisam ter o anseio de enfrentar"
Love ain't a drug (O amor não é uma droga)
Despite what you've heard (Apesar do que você ouviu)
Yeah love ain't a thing ( É, amor não é uma coisa)
...
So you gotta show, show, show me (Então você tem que me mostrar, mostrar, mostrar)
Show, show, show me ( Me Mostrar, mostrar, mostrar)
Show, show, show me ( Me Mostrar, mostrar, mostrar)
That love is a verb ( Que o amor é um verbo)
"Você está procurando preencher lacunas que fazem parte da vida"
Ai caramba!
Será que o mundo inteiro resolveu conspirar contra mim? Ou a meu favor? Ainda não sei, ou será que já sei?
Coragem pra encarar...
Vejo os meus amigos entrando no prédio e consulto as horas no celular. Hora de voltar para a sala de aula e me concentrar no trabalho. Assim, dou uma trégua à minha tensão.
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