Capítulo 4 - O início do jogo
Walter sentiu um frio estranho subir pelo seu corpo e se alojar exatamente no meio de suas costelas. Será que tinha ouvido direito? Gilbert queria se casar com Anne? Não era possível que além de perder todo o seu dinheiro e um pouco mais, ainda teria que lidar com aquela situação impossível? Anne era uma excelente filha, dedicada e estudiosa, mas dona de um temperamento terrível.
Ela não aceitava ser contrariada, fazia somente o que queria e ainda por cima defendia o feminismo com unhas e dentes. Nunca aceitaria um casamento como aquele, e nunca conseguiria persuadi-la a fazer aquilo por ele. Mas talvez conseguisse fazer o rapaz mudar de ideia se mostrasse os pontos negativos daquela união, por isso se encheu de coragem e disse:
-Por que não escolhe a Josie? Tenho certeza de que ela aceitaria esse casamento sem problemas. - Walter também conhecia sua outra filha e desde que o acordo envolvesse dinheiro e benefícios pessoais, ela não se importaria em se lançar em algo daquele tipo.
- Eu quero a Anne. - o rapaz respondeu de forma firme e sem pestanejar.
- Anne é uma garota difícil, Sr. Blythe. Ela ainda está na faculdade e é cheia de ideias progressivas. Não creio que alguém como ela seja a noiva ideal que procura. - Walter tentou mais uma vez, pois enquanto encontrasse argumentos, eles os usaria a seu favor.
- Quem decide se ela é ou não a noiva ideal para mim sou eu, e lhe digo que Anne é a garota perfeita para ser minha esposa. - ele já tinha tomado sua decisão, e ninguém o faria mudar de ideia. Nessa parte, Gilbert era como seu pai, inflexível e muito pouco aberto a discussões.
- Ela não é uma pessoa fácil de lidar. Eu que sou pai dela a vinte e dois anos não descobrir uma forma de dobrar aquela cabeça dura.
- Eu dou conta, fique tranquilo. Admiro muito uma mulher de ideias próprias. Não quero uma boneca pronta a me agradar vinte quatro horas por dia. Preciso de alguém que me estimule em uma boa conversa, e sua filha é exatamente o que eu quero.- Gilbert não tinha certeza quanto a parte de lidar com Anne, pois nunca conhecera uma mulher excessivamente pronta a uma discussão a cada cinco minutos como aquela, mas realmente gostava de mulheres que sabiam exatamente o que queriam e não viviam para servir um homem. Detestava ter que lidar com demonstrações de carinho extremas e detestava mais ainda quando tinha que retribuir tais atos, porque de sua parte nunca eram sinceros. Ele não aprendera a ser o tipo de cara que distribuía amor e ternura gratuitamente.
Gilbert crescera sem a mãe que morrera quando ele ainda era pequeno, e tudo o que tivera do pai fora disciplina rígida. Assim, ele não sabia como era se apaixonar ou mesmo pensar em alguém de forma especial. Todas as garotas com quem saíra se tornaram suas amigas, pois sempre as tratara com respeito e consideração, mas nunca pudera dar a nenhuma delas seu coração. Com Anne, ele imaginava que aconteceria o mesmo. Talvez no começo se estranhassem, mas com o tempo o rapaz esperava que desenvolvessem um tipo de amizade que facilitaria o rompimento do contrato quando o período de casamento estipulado expirasse.
- Não quer mesmo reconsiderar? Josie também é muito bonita, porém é mais maleável que Anne. - Walter estava entrando em desespero, ao olhar para Gilbert e sentir que ele estava irredutível. Estava em um pesadelo, e sem chances de sair dele tão cedo.
- Sr. Shirley, já disse o que eu quero, e nada do que disser vai me fazer mudar de ideia. Tenho certeza de que sua outra filha é bastante atraente e interessante, mas eu já fiz minha escolha, e espero que a aceite ou caso contrário terei que executar essas promissórias, e posso lhe garantir que sairá muito mais caro do que se Anne se casar comigo.- não lhe agradava fazer o tipo malvado ou sem coração. Gilbert nunca tivera que agir assim, mas em vistas das exigências de seu pai, ele tivera que deixar toda a diplomacia de lado para vestir a capa do insensível e egoísta,
- Posso apenas lhe fazer uma pergunta, meu rapaz?- Walter disse, sentindo-se completamente derrotado.
- Obviamente. - Gilbert respondeu, colocando as mãos no bolso de sua calça social preta.
- Está apaixonado por minha filha?- Walter perguntou, pois em sua cabeça se havia um bom motivo para tanta insistência era uma paixão jovem e inconsequente.
Ao ouvir aquilo, Gilbert deu uma sonora gargalhada, fazendo Walter olhá-lo confuso e sem saber o que pensar daquela reação estranha do rapaz, que lhe respondeu logo em seguida:
- Posso lhe garantir que paixão não faz parte da minha proposta de casamento.
- Então, por que quer tanto casar com minha filha? - Walter perguntou, chocado com a resposta de Gilbert.
- Eu tenho minhas razões, Sr. Shirley, mas não precisa se preocupar. Minhas intenções não colocam sua filha em risco. Na verdade, nosso acordo será bastante vantajoso para ela. Agora espero que estejamos entendidos, pois preciso ir para casa. Não posso mais perder meu tempo aqui. Mandarei meu advogado até sua casa para firmar o contrato de nosso acordo. - Gilbert explicou, pegando seu casaco e se preparando para ir embora.
- Como assim acordo? - Walter perguntou, enquanto imaginava como daria a Anne a notícia de que ela estava noiva de um desconhecido, porque ele perdera muito dinheiro em um jogo de azar, quando todo mundo pensara que ele já tinha total controle sobre seu vício.
- Tudo sobre o que conversamos será firmado em um contrato por escrito. Não sou um tolo para acreditar que o senhor cumprirá tudo o que foi combinado sem que eu tenha uma prova concreta disso. Sou um homem de negócios, Sr. Shirley. Não pensou que eu agiria como um amador, pensou? - na verdade, Walter sequer tinha conseguido pensar direito no que estava acontecendo, por isso nem passara por sua cabeça algo daquele tipo.
- Preciso falar com minha filha primeiro, Sr. Blythe. Como quer que eu jogue essa bomba em cima dela sem prepará-la primeiro? - Walter respondeu, sofrendo por antecipação pelo que estava por vir.
- Esse é um problema seu e não meu. Darei ao senhor, exatamente uma semana para falar com Anne, depois disso quero falar com ela também, e explicar melhor os termos de nosso acordo. - ele disse, se encaminhando para a porta. - Boa noite, Sr. Shirley. Nos vemos em breve .
Walter ficou parado no mesmo lugar por alguns minutos, pensando na burrada que tinha feito, e na encrenca na qual tinha se metido. Como levar aquela história toda para Anne era uma questão difícil de resolver. Sua filha ia odiá-lo, disso ele tinha certeza, e o pior que não podia dizer que ela estava errada, pois ele mesmo se odiava pela própria fraqueza em não saber lidar com seu vício. Ele arruinara a vida de sua família uma vez, e iria pelo mesmo caminho de novo se não fizesse exatamente o que Gilbert lhe dissera para fazer.
Como lágrimas nos olhos, ele caminhou pesadamente até seu carro, e logo estava a caminho de casa, mas levou o dobro do tempo para chegar lá, porque queria adiar o quanto antes o confronto com Anne. Ainda assim, foi ensaiando pelo caminho tudo o que diria, e nenhuma de suas palavras pareciam convincentes ou boas o bastante para explicar tudo o que tinha acontecido. Na verdade, ele queria fugir de uma discussão direta com Anne, mas não podia ser covarde e ignorar sua responsabilidade naquela situação. Pelo menos deveria agir como um homem para que o mínimo de respeito de sua filha para com ele restasse.
Nunca entrar em sua própria casa foi tão difícil. E quase respirou aliviada ao ver todas as luzes apagadas, pois assim poderia adiar aquele momento infeliz, mas sua ilusão terminou ao ver Anne deitada no sofá à sua espera. Ela estava assistindo algo em seu celular, e sorriu ao vê-lo entrar.
- Como foi a reunião? - ela perguntou, se sentando no sofá.
- Foi muito boa. - Walter respondeu sem graça, sentindo toda a sua coragem se evaporar ao olhar para a filha que o fitava com carinho e cheia de preocupação.
- O senhor parece cansado. Não quer tomar café? Acabei de passar.
- Obrigado, mas acho que só quero ir para a cama mesmo.- Walter respondeu, sabendo que não falaria com ela naquela noite. Talvez fosse melhor deixar para o dia seguinte, pois assim teria uma noite inteira para se preparar.
-Tem certeza de que está bem? O senhor está tão calado. - Walter quase confessou tudo ali mesmo ao ver a preocupação de Anne aumentar, mas não tinha coragem suficiente para deixar que realmente soubesse o que tinha feito naquele momento, por isso, ele respondeu:
- Como você mesmo disse, estou cansado filha. Vou me recolher. Boa-noite.
- Boa noite, papai. - Anne respondeu, e deste modo, Walter foi para seu quarto cheio de culpa e de remorso.
Naquele momento, Gilbert Blythe chegava em seu apartamento, sentindo-se de certa forma completamente estranho. Nunca tinha agido com tanta mesquinhez antes, e a sensação não era nada reconfortante, mas como consolo, ele pensou que Anne não sairia tão mal naquela situação, pois teria todo o conforto do mundo que almejasse.
Com as têmporas latejando um pouco, anunciando um princípio de dor de cabeça, Gilbert entrou em casa, e pela segunda vez deu de cara com seu pai lá dentro.
-Precisa perder essa mania de entrar em minha casa como um ladrão, papai. - o rapaz disse aborrecido. Não gostava que sua privacidade fosse invadida daquela maneira, especialmente por seu pai. Já tinha se recusado a viver na casa dele para ter sua liberdade preservada, e não aceitaria que ele ditasse suas regras ali também.
- Não seja malcriado, Gilbert. Eu não entrei aqui sem permissão. Pedi para o zelador que abrisse a porta para mim. - John disse com sua secura característica.
- Então, terei que conversar com o zelador sobre isso. - o rapaz respondeu no mesmo tom.
- Vai querer proibir seu pai de entrar em sua casa?- John perguntou, arqueando uma sobrancelha com incredulidade.
- Essa é minha casa, papai e se quer entrar aqui vai ter que fazer como todo mundo. Tem um motivo para eu preferir morar sozinho, e isso não inclui dar de cara com o senhor toda vez que eu chegar em casa. O senhor tem que entender que não vivo mais sob suas asas. - Gilbert foi extremamente direto, exatamente como seu pai era, e aprendera com ele a não fazer rodeios e ir ao ponto que lhe interessava.
- Tenha respeito, Gilbert. Eu sou seu pai. - John disse muito zangado. Gilbert nunca fora tão afrontoso como agora, e nunca o tinha desafiado daquela maneira. Talvez tivesse subestimado o rapaz daquela vez.
- Tenha respeito comigo também, pois sou seu filho. - Gilbert respondeu enfrentando o pai com apenas um olhar. Já estava abdicando de muita coisa para cumprir as exigências dele, e não ia deixar que a única coisa que ainda lhe restava que era sua dignidade fosse também destruída por seu pai.
- Muito bem, já que tem peito para me enfrentar, também vai ter peito para me responder como vai o nosso assunto em comum. - John disse ironicamente.
- O senhor quer saber se já encontrei uma noiva adequada? Já sim, em breve vai conhecê-la. - o rapaz disse com segurança, pois sabia que Anne não teria como recusar seu pedido de casamento. Era certo que estava se valendo de chantagem para conseguir aquilo. Não se orgulhava do que estava fazendo, mas não via saída, por isso abafou sua consciência e encarou seu pai novamente.
-Espero que esteja falando a verdade, Gil. Pois se estiver mentindo, sabe o que acontecerá. - John o alertou. Doía fazer aquilo com o filho. Se Gilbert soubesse como o amava, mas nunca soubera demonstrar porque vinha de uma geração de homens que consideravam demonstrações de afeto uma fraqueza, e nunca conseguira mudar seus pensamentos acerca daquilo. Sua esposa fora a única que conseguira amolecer seu coração, que tornara a endurecer quando ela morrera, e acabara criando o filho da mesma maneira na qual fora criado, embora soubesse admitir com certo orgulho quem em alguns aspectos Gilbert era bem diferente dele.
- Já disse que conhecerá minha noiva em breve. Agora se me der licença, preciso descansar. Não vou levá-lo até a porta, pois se soube entrar aqui sem minha permissão, também saberá sair sem minha ajuda. Boa noite, papai.
- Boa noite, filho. - John respondeu, observando o rapaz se afastar e só quando ele viu Gilbert entrar no próprio quarto foi que também se retirou do apartamento do filho.
Quase uma semana havia passado, e nada de Walter falar com Anne. O tempo estava se esgotando, e ele não conseguia encontrar o momento certo para falar com ela. Porém naquela manhã, quando estava somente ele e Anne em casa, Walter decidiu falar, pois Gilbert havia ligado no dia anterior e lhe dito que viria falar com Anne naquela noite, e que se Walter ainda não havia falado com ela, era imprescindível que resolvesse logo aquele assunto, pois nenhum tempo adicional seria lhe dado.
Assim, enquanto tomavam o café juntos, ele observou Anne checar suas mensagens no celular e então tomou coragem para iniciar a conversa.
-Como estão seus estudos, Anne? - era melhor começar com um assunto neutro e depois introduzir o assunto principal. - ele pensou.
- Muito bem, papai. Minhas notas estão todas altas. Fui muito elogiada por um artigo científico que escrevi sobre os direitos da mulher na sociedade. Minha professora me disse que vai colocar o trabalho no acervo da faculdade para o estudo de outros alunos. - Anne estava particularmente orgulhoso de si mesma. Dera duro naquele trabalho, tivera que aguentar o desdém de vários colegas por conta do tema escolhido, e depois a raiva de outros que acreditavam que conseguira nota máxima porque era a aluna preferida da professora, mas não deixava que a inveja alheia ofuscasse o prazer que tivera ao realizar aquele trabalho, pois não era nada diferente do que já enfrentara antes no ensino médio. Sempre fora uma garota de opinião própria, e por isso fizera algumas inimizades durante seu período acadêmico. Uma mulher que sabia se impor deixava alguns egos masculinos inflamados, mas ela também tinha amigos que sabiam valorizar seu ponto de vista e que a apoiavam nos momentos certos, por isso não ligava para a crítica daqueles que não tinham capacidade de fazer a mesma coisa, e se sentiam melhor criticando o esforço do outro.
- Isso é muito bom, filha. Tenho muito orgulho de você. - Walter disse com sinceridade, sentindo-se mal por ver Anne sorrir, pois sabia que teria que destruir aquele sorriso em poucos minutos.
-Obrigada, papai. Vamos ter uma passeata novamente daqui a um mês, para defender o direito da mulher em aumentar sua licença maternidade para mais tempo. O senhor não sabe a quantidade de mulheres que têm esse direito negado. Estou tão animada.
-Creio que isso não será possível, meu amor. - Walter disse e engoliu em seco ao ver o olhar que Anne lhe lançou.
- Por que, papai? Nós já conversamos sobre isso, e você disse que tinha entendido essa parte da minha vida, e que estava tudo bem desde que eu não me colocasse em perigo.
- Filha, eu preciso conversar com você sobre um assunto muito sério e importante, e espero que me perdoe desde já. - Walter disse, sentindo-se completamente desesperado.
- O que aconteceu, papai?- Anne começou a ficar tensa. Seu pai estava sério demais, e isso indicava problemas.
- Eu andei mentindo para vocês. - Walter clareou a garganta e olhou para sua xícara de café sem coragem de encarar Anne.
- Em que sentido?- ela começou a sentir um nó no estômago e colocou sua torrada de volta no prato, sentindo que não conseguiria engolir mais nada até que descobrisse o que estava acontecendo.
- Eu voltei a jogar. - ele disse de uma vez, pois não adiantava fugir mais do assunto.
- Desde quando? - Anne perguntou, sentindo o nó de seu estômago aumentar, sabendo por instinto que não iria gostar do que ouviria a seguir.
- Desde o mês passado. - Walter confessou, envergonhado por toda aquela situação.
- Então quando o senhor dizia que iria as reuniões de reabilitação, estava na verdade indo jogar. - Anne concluiu, já sabendo daquela história de cor e se sentindo terrivelmente decepcionada pela falta de compromisso de seu pai com sua família. Anne sabia que era uma doença, pois o médico da clínica havia lhe explicado, mas para que recaídas fossem evitadas o paciente tinha que sentir que era apoiado pela família, e aquilo era tudo o que ela e suas irmãs vinham fazendo, mas pelo jeito não fora suficiente para que o pai não caísse em tentação.
- Sim. Mas no começo eu não apostava quase nada e ficava satisfeito com o que ganhava, e parava quando percebia que a sorte não estava do meu lado, o que me fez acreditar que eu estava aprendendo a controlar minha compulsão.- ele parou de falar porque logo jogaria a bomba ali na mesa do café de manhã, e veria o estrago que aquilo faria na vida de sua família, e na relação que tinha com a filha mais nova.
-Tem mais, não é?- Anne perguntou, quando o pai parou de falar. Ele estava dando voltas demais para lhe contar aquela história, o que a fazia acreditar que ele estava lhe escondendo algo importante, por isso, esperou em um suspense que a estava matando por dentro.
- Infelizmente sim.- Walter respondeu, se preparando para contar a pior parte. Por isso, ele respirou fundo, tomou um gole de café e enfrentou o olhar de Anne que o encarava completamente séria. - Nessa última semana eu voltei ao cassino, e tornei a sentir aquela fissura por apostar grandes somas de dinheiro, porque a sorte parecia que estava me rondando.
- E o senhor ganhou?
- Não. - ele respondeu em um fio de voz.
-Quanto perdeu, papai? - ela perguntou a queima roupa.
- Anne..
- Quanto perdeu? Por favor, me diga. - Anne insistiu. Não ia deixá-lo enganá-la mais uma vez, pois tinha que saber de quanto era o prejuízo para tentar encontrar uma maneira de consertar o estrago.
- Quinhentos mil dólares. - Walter disse quase em um sussurro, mas Anne o ouviu, e levou a mão ao coração disparado por aquele absurdo.
- Papai, não temos esse dinheiro. Nem que trabalhássemos duro a vida toda, conseguiríamos juntar essa fortuna. - Anne disse, olhando desesperada para seu pai.
- Eu sei, mas tecnicamente a dívida foi paga.
- Como assim? - Anne não estava entendendo nada. Como a dívida tinha sido paga se não tinham nem metade daquele dinheiro?
-Uma pessoa a pagou para mim. - Walter respondeu, sentindo suas mãos tremerem, pois a pior parte ainda não tinha sido dita.
- Quem faria isso pelo senhor?
- Gilbert Blythe. - Walter respondeu.
- O dono das empresas de petróleo Blythe? - Walter confirmou com a cabeça e logo em seguida Anne perguntou:- Em troca do que ele fez isso? Pois não acredito que um homem como ele faria isso apenas por caridade. - Anne se lembrava bem do rapaz arrogante que quase a atropelara no outro dia.
- Ele quer que você se case com ele. - Walter disse de uma vez.
- O que? Ele está louco? Eu nunca me casaria com um homem como ele. - Aquilo era tão absurdo que Anne quase riu se não fosse algo totalmente desesperador.
- Essa foi a condição que ele impôs para não me cobrar a dívida que ele pagou.
-E o senhor aceitou isso? -Anne perguntou horrorizada. - Então o senhor me vendeu para ele?
- Que absurdo está dizendo? Jamais faria isso com você. Eu tentei argumentar, mas ele não aceitou cobrar a dívida de outra maneira. Se eu não quiser que ele me faça pagar cada centavo, terei que convencê-la a casar com ele. Eu disse que falaria com você e Gilbert me disse que virá vê-la hoje à noite. - por mais que estivesse sendo difícil de dizer tudo aquilo para Anne, Walter se sentiu aliviado por finalmente tê-lo feito, pois não sentia mais o peso em seu peito que o massacrara a semana inteira.
- Então, eu é que tenho que decidir se aceito esse absurdo para salvar sua pele?
- Está em suas mãos, minha querida. Porém, quero que saiba que não é obrigada a aceitar nada se não quiser. - Walter lhe revelou.
- Grande consolo, papai. - Anne disse, segurando a própria cabeça com as mãos. Walter, sentindo que ela precisava ficar sozinha para pensar lhe disse:
-Vou para a mercearia. Pense bem, minha filha, e aceitarei o que decidir. Gilbert virá aqui às sete horas para que tenhamos uma conversa definitiva. Até mais tarde. - ele disse, e saiu sem dar em Anne o beijo costumeiro que dava nela todos os dias antes de ir para o trabalho.
Quando estava na porta da sala, ele ouviu o barulho de cacos se espatifando na parede, e sabia que era Anne descontando sua frustração como sempre fazia quando alguma coisa a enfurecia profundamente. Normalmente, ele a reprenderia, pois já perdera as contas de quantas vezes tivera que substituir as louças da casa por conta da fúria de sua filha, mas dessa vez não disse nada, porque ele tinha responsabilidade naquele aborrecimento pelo qual ela estava passando, e o melhor que tinha a fazer era ir para o trabalho e deixar que a ruivinha decidisse o que queria fazer naquela situação, pois querendo ou não estava nas mãos dela.
Enquanto isso na cozinha, Anne observava o estrago que fizera sem sentir o alívio costumeiro que sentiria quando descontava sua raiva em alguma coisa que pudesse quebrar. Era como se ao olhar para os cacos do objeto, os seus pensamentos voltassem a fluir normalmente outra vez. Era um hábito bizarro, como diria Josie, mas que funcionava para ela perfeitamente. Exceto dessa vez, pois Anne sentia que mesmo que quebrasse toda a louça da casa, não faria a revolta que sentia por dentro passar. A sensação era horrível, e quanto mais pensava no que o pai tinha feito, mas ela percebia que sua raiva aumentava. Ele prometera e não cumprira. Mentira descaradamente para ela e suas irmãs como se não significassem nada para ele, deixando que o vício o vencesse outra vez.
E o pior de tudo era que ela teria que ser sacrificada dessa vez e não se conformava com isso, o que a fez pensar diretamente em Gilbert. Que ele era um canalha, ela não tinha dúvidas, pois para fazer uma proposta daquelas a seu pai em troca do dinheiro que ele pagara pela dívida de Walter mostrava bem qual era o caráter que ele tinha, e só de pensar em se unir aquele playboy barato lhe dava vontade de quebrar a casa inteira. O fato era que o destino de seu pai dependia dela, e será que estava disposta a salvar a pele dele depois da decepção que lhe causara.?
Tais pensamentos rondaram sua cabeça o dia todo, e embora tivesse ido à faculdade, não conseguira ter o cem por cento de aproveitamento que tinha diariamente, por isso voltara para casa mais cedo, se trancando no quarto e ficando totalmente incomunicável até as sete horas da noite quando ela ouviu Josie bater na sua porta, e dizer assim que ela a abriu:
- Anne, pode me dizer por que Gilbert Blythe está na nossa sala dizendo que precisa falar com você?
- Não é nada demais, Josie. Não se preocupe. - ela mentiu, pois ainda não queria revelar às irmãs o que o pai fizera. Precisava resolver aquele assunto primeiro para depois deixar que elas soubessem de tudo.
- Você por acaso está namorando o magnata do petróleo? - Anne viu os olhos da irmã brilharem de curiosidade e inveja e respondeu:
- Não seja ridícula. Esse homem não me interessa de forma nenhuma.
- Como não? Ficou louca? Ele tem uma conta bancária mais gorda do que a do presidente da República de nosso país. Como se rejeita um homem desses? - ela disse, olhando para Anne como se ela tivesse falado a maior asneira do mundo.
- Ele poderia ser o sheik mais rico do mundo, e ainda assim não me interessaria. - Anne respondeu, e logo cortou a conversa dizendo:- Por favor, peça a ele para esperar um instante que já irei falar com ele.
- E vai vestida assim? - Josie perguntou, passando os olhos cheios de desagrado pelo jeans desbotado, e a camiseta verde baby look que Anne estava usando, além de seu velho par de tênis Alstar preto do qual ela não se separava quase nunca.
- Não tem nada de errado com minha roupa. É assim que me visto sempre, e pouco me importa se não te agrada.- Anne disse de forma agressiva, que fez Josie levantar a mão em sinal de paz e responder:
- Tudo bem, não está mais aqui quem falou. - e logo foi fazer o que Anne lhe pedira.
A ruivinha por sua vez teve que respirar fundo por um minuto antes de sair do quarto, e ir encarar quem a esperava. Quando entrou na sala, Josie conversava animadamente com ele, mas pediu licença e saiu assim que viu que Anne tinha aparecido.
- Parece que nos encontramos de novo. Como vai Anne? - Gilbert estendeu a mão para apertar a dela, mas ela a ignorou e respondeu rispidamente:
- Podemos ir diretamente ao assunto que o traz aqui?
-Claro. Eu te trouxe essas flores. - ele disse, estendendo a ela um buquê de rosas amarelas.
- Obrigada. - ela disse, colocando o buquê em cima da mesa mais próxima, e depois continuou:- Meu pai me falou da sua proposta. Por que exatamente quer se casar comigo?
- Eu preciso de uma noiva. - foi tudo o que ele disse, enquanto os seus olhos a observavam com atenção. Ela era uma linda moça de traços completamente harmoniosos além dos cabelos incríveis. Era uma pena que agisse como uma fera enjaulada, pois do contrário aquele acordo seria muito mais agradável para ambos.
- E por que quer casar comigo quando pode ter qualquer outra moça nesse planeta que aceitaria seu pedido sem hesitar?- ela precisava de respostas, pois aquele assunto estava muito esquisito. Como ele soubera da dívida do pai dela, e fizera questão de pagá-la apenas para que ela não pudesse recusar aquele pedido de casamento descabido?
- Por motivos pessoais. - Gilbert respondeu. Não lhe daria detalhes a menos que ela aceitasse o que ele estava propondo.
- Então não vai me dizer. Como quer que eu concorde com isso, se quer que eu entre nesse casamento totalmente às cegas e sem saber os seus reais motivos? - ele a olhou intensamente, e depois sorriu, e ela teve que admitir que ele era realmente bonito, mas isso não modificava o fato de que ele não tinha caráter nenhum.
- Você terá todas as respostas que desejar, mas apenas se se dispor a aceitar o meu pedido. Caso se recuse, a dívida que seu pai tem comigo será executada de uma só vez. - ele viu o choque no rosto dela, mas se recusou a ter compaixão. Naquele momento, precisava agir com frieza, ou não conseguiria o que queria, e aquela garota seria sua esposa de qualquer maneira.
- Você não tem vergonha de se valer de uma chantagem para me fazer aceitar esse seu pedido absurdo? Sequer nos conhecemos, e não existe nenhum tipo de afeição entre nós. Como quer que esse casamento dê certo? - ela estava tão indignada que não quase não conseguia se controlar. Aquele rapaz era um cínico, e não adiantava nada tanta beleza e dinheiro se sua índole valia menos que um centavo.
- Senhorita, para seu governo, não estou interessado em um casamento de amor. O que teremos é estritamente uma relação de negócios, e também não pretendo que dure para sempre, e sim por apenas um período para que eu consiga o que eu quero, e depois você será livre como desejar.- ele deixou que ela soubesse parte de seus planos, porque todo o resto ela saberia quando assinasse o contrato que ele já tinha preparado na gaveta do escritório da empresa.
- Está querendo me dizer que esse casamento será por contrato? - Anne não poderia estar mais espantada. Em que tipo de embuste estava se metendo? O que aquele rapaz realmente desejava dela?
-Exatamente. Acho que começou a entender. - ele disse com um sorriso tão luminoso que seus dentes brancos e perfeitamente alinhados chamaram a atenção dela. Ele era bastante charmoso, pena que Gilbert Blythe era um completo cafajeste.
- Por quanto tempo eu teria que ficar casada com você?
- Cinco anos. - ele respondeu sem hesitar.
Cinco anos, ela pensou. Teria que dar cinco anos de sua vida para aquele rapaz e depois estaria livre. Mas ela estaria disposta a abrir mão de sua liberdade por cinco anos para viver com alguém que nitidamente não tinha nada em comum? Por outro lado tinha seu pai a considerar, e era isso que estava pesando demais dentro dela, pois por mais que ele tivesse mentido e enganado toda a família, ele era uma pessoa doente que não conseguia controlar o próprio vício, e o mais importante de tudo era que o amava demais e não sabia se conseguiria abandoná-lo naquela situação.
- Posso pensar? - ela perguntou.
- Claro. Te darei uma semana para pensar. Aqui está o meu cartão. Me ligue quando tiver pronta a me dar uma resposta. - Gilbert disse, lhe entregando um cartão de visitas com seu telefone do escritório.
- Está bem. - Anne respondeu. Vendo o rapaz se encaminhar para a porta.
- Boa noite, Anne e até breve. - então, ele foi embora, deixando Anne sem saber exatamente o que fazer.
Ela tinha consciência que não tinha como fugir daquela situação. Gilbert fora bem claro sobre o que faria caso ela não aceitasse se casar com ele, e Anne sabia que não tinha saída. Pedira mais alguns dias porque queria ganhar tempo, mas não havia outra resposta a dar a não ser dizer que aceitava suas condições. Ainda assim queria pensar melhor, tentar entender todas as mudanças que aquele casamento acarretaria em sua vida.
Anne se aproximou da mesa onde jazia o buquê de rosas que Gilbert lhe dera, e tirou dele uma flor, passando os dedos de forma distraída pelas pétalas aveludadas enquanto tentava acalmar o furacão de ressentimentos dentro de si. Odiava aquela situação, odiava sua impotência diante de tudo o que estava acontecendo, e odiava ainda mais Gilbert Blythe por estar fazendo aquilo com ela. Em sua raiva muda, seus dedos se fecharam na haste da flor onde um espinho feriu sua pele, fazendo-a gemer baixinho, e levar o dedo machucado aos lábios. Mas logo lhe ocorreu que aquela dor não era nada se comparada ao inferno que causaria na vida de Gilbert Blythe por ter ousado lhe perturbar a paz.
Com os pensamentos um pouco mais coerentes, ela se encaminhou para o quarto com o buquê de rosas nas mãos, e a firme determinação que aquele jogo ainda não estava perdido, na verdade, ele estava apenas começando.
Olá, pessoal. Comecei essa história a algum tempo. Fiquei na dúvida em postá-la, mas achei que a ideia era boa, e não quis perdê-la. Esses são os quatros capítulos que escrevi inicialmente, e dependendo do que vocês me disserem, eu vou continuar ou não. Obrigada por lerem. Beijos.
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