Capítulo 26- Voltando para casa
O sol naquela manhã tinha aparecido mais forte do que de costume, e assim que acordou, Anne amaldiçoou cada raio que passava pela fresta da janela, e aumentava sua dor de cabeça absurdamente.
Estava pagando o preço por ter bebido duas taças de champanhe que para qualquer outra pessoa não teria tido grande efeito, mas para ela que quase nunca provava bebida alcoólica, lhe causara uma imensa ressaca.
Se contasse para Lindy, a amiga com certeza riria da situação, e ainda lhe diria que ela deveria ter aproveitado o momento e fazer o que lhe desse na cabeça, o que certamente incluiria Gilbert Blythe nessa sugestão, já que ninguém poderia dizer que fizera tudo de sã consciência..
Contudo, Anne não confiava em si mesma quando o assunto era seu marido, e apaixonada como estava, acabaria quebrando a própria regra de não deixar que esse sentimento fosse maior que seu bom senso, embora ela estivesse com a nítida sensação de que passara um pouco dos limites na última noite, mas por mais que tentasse se lembrar não conseguia, e assim teria que sondar Gilbert para descobrir o que queria saber.
Ela estava sozinha na cama quando acordou, e logo imaginou que Gilbert tivesse saído e em companhia de Joy, pois o cachorrinho não estava em nenhum lugar do quarto. Sua cabeça latejava tanto que até piscar a incomodava a ponto de fechar os olhos e não querer abri-los mais. No entanto, a ruivinha fez um esforço para sair da cama e se colocar de pé, e quando vestiu suas sapatilhas foi que ela viu em cima da mesinha de canto um bilhete do marido que dizia:
"Bom dia, querida. Imagino que esteja se sentindo péssima por conta de ontem, por isso deixei uma medicação para você a fim de te ajudar com seu mal-estar. Voltaremos para casa assim que se sentir melhor, e creio que até o fim da tarde, você já esteja pronta para pegar a estrada. Saí para caminhar na praia com Joy pois ele parecia muito inquieto essa manhã para ficar trancado no quarto. Te vejo mais tarde. "
PS: Acabei de descobrir que dormir agarrado com você a noite toda é a minha segunda coisa favorita, pois te beijar sempre será a primeira.
Com Amor, seu Gilbert.
Anne engoliu em seco ao terminar de ler o bilhete, tentando entender o que rolara entre ela e Gilbert depois da festa. De repente, ela se deu conta de que estava vestindo um pijama, e que também não se lembrava de tê-lo colocado na noite anterior. O que significava que Gilbert a ajudara com isso, e não queria nem pensar em que condições isso acontecera.
Tentando não deixar que seus pensamentos a enlouquecessem com suposições, Anne tomou uma ducha quente, depois bebeu o remédio que Gilbert havia deixado para ela, e também o café da manhã que acabara encontrando na sala da suíte, onde ele deixara a bandeja com um botão de rosa.
Onde o rapaz encontrara tal flor era um bom questionamento a se fazer, pois Anne sequer tinha visto alguma floricultura por ali. Mas era óbvio que Gilbert Blythe com sua lábia charmosa conseguia qualquer coisa, e a ruivinha podia facilmente imaginar que ele convencera a recepcionista da pousada a lhe arranjar tal flor. Sem querer, ela viu sua expressão refletida no espelho que havia na parede por ali, e tratou de desfazê-la ao notar o inegável ciúme estampado em seu rosto.
Estava se tornando uma daquelas esposas que não conseguia pensar em seu marido perto de outra mulher, sem sentir sua alma toda inflamada. Precisava tomar cuidado com isso antes que acabasse como uma esposa possessiva com ciúmes até da própria sombra de Gilbert.
Assim, ela pegou o botão de rosa e o levou ao nariz, onde o odor suave dele a fez sorrir. Gilbert era tão encantador que estava cada vez mais difícil fingir que essas atitudes tão lindas da parte dele não a afetavam profundamente. Ela que sempre o encarara com desconfiança e certo desprezo por tê-la forçado a aquele casamento, tinha mudado quase completamente sua opinião sobre ele.
Era óbvio que ainda tinha receio de ele se revelar novamente tão arrogante quanto antes, e talvez fosse mais fácil para ela se isso acontecesse, pois dessa forma conseguiria esquecê-lo mais rapidamente quando tivesse que partir, mas seu marido a vinha conquistando diariamente, e assim, Anne se via totalmente perdida naquele sentimento que só crescia por ele em seu coração.
Quando entrara naquele relacionamento, ela tinha plena certeza de que quando tudo aquilo acabasse, não lhe sobraria nada de bom para lembrar, e por isso, sairia intacta dele assim como começara. Mas isso foi muito antes de saber que Gilbert Blythe tinha um coração, e que era apenas um rapaz magoado com o pai, que precisava apenas da aprovação dele e de seu amor, embora ele lhe jurasse de pés juntos, que John não significava nada para ele a não ser um traidor.
Não pensara que poderia estar enganada. Não imaginara que estar com ele seria algo tão envolvente, e pior de tudo, acreditara que nunca se apaixonaria, porque o ódio que sentira dele naquela época por envolver o pai dela em uma situação onde não havia saída nenhuma parecia que nunca seria superado por ela. Contudo, pensando seriamente sobre toda aquela situação, Anne percebeu que quando aceitara ser a esposa dele, se colocara na beira de um precipício do qual não havia como escapar.
Quanto tempo demorara para estar na dele? Um mês? Talvez dois? E quanto tempo demoraria para tirá-lo de sua vida quando o período de cinco anos para a duração do contrato que assinara se extinguisse? Talvez uma eternidade?
Um sorriso triste se formou em seu rosto quando percebeu que não deixaria de amá-lo quando tivesse que dizer adeus, e teria apenas memórias para consolá-la quando estivessem distantes um do outro. Não queria amar Gilbert Blythe, mas não fora ela que escolhera assim.
Anne tinha um coração tão voluntarioso quanto ela, e que decidira lhe mostrar que a decisão nunca fora dela, e que quando fosse a hora de deixar esse amor para trás teria que aprender a fazê-lo sozinha.
Estava tão distraída tentando imaginar como seria sua vida no meio daquela confusão, que só percebeu que não estava mais sozinha quando sentiu Joy tocar sua perna com o focinho. Ela levantou a cabeça, levando aos lábios seu último goleiro de café, e depois encarou Gilbert que acabava de entrar que lhe disse:
-Pensei que acordaria mais tarde. Como está se sentindo?- Gilbert perguntou enquanto se aproximava, dando a ela cinco segundos para observa-lo e sofrer o impacto da beleza masculina em seu peito que disparou sem aviso nenhum
Ele tinha seus cachos escuros desfeitos pela maresia, a barba por fazer aumentando o seu charme absurdamente, e a camisa de linho creme aberta por alguns botões no peito, lhe dava uma visão excitante da pele bronzeada e firme dele. Gilbert também usava calça jeans desbotada e tênis esportivos, que o faziam parecer mais jovem e descontraído.
Aqueles dias longe do trabalho tinham feito muito bem a seu marido. Anne podia perceber que ele não parecia mais tão cansado, impaciente ou preocupado. Até o celular que era seu companheiro diário constante, ele deixara de lado, e passava mais tempo ao ar livre, tirando um cochilo ou vendo um filme na TV. Talvez aquela lua de mel não tivesse sido o que Gilbert planejara, mas no fim acabara se tornando o que exatamente ele precisava.
-Estou bem. Acordei com dor de cabeça, mas tomei o remédio que me deixou aqui, e já me sinto bem melhor. Obrigada. - Anne disse, tentando desviar seu olhar do dele, mas não conseguiu. Havia um magnetismo tão grande ali, que era como se ele a prendesse em uma atração que era mais do que física, e ela só conseguiria se libertar, se Gilbert permitisse.
Ele levantou a mão, segurou o queixo dela com o polegar enquanto lhe examinava o rosto minuciosamente e disse:
-Realmente, você parece melhor do que pensei que estaria.- e ao invés de soltá-la, Gilbert desceu a mão até o ombro dela, onde acariciou longamente, enviando várias mensagens para o corpo dela, que Anne decidiu ignorar ou estaria em maus lençóis .
-Posso perguntar uma coisa?- ela decidiu esclarecer suas dúvidas sobre a noite anterior naquele momento, pois não estava aguentando aquele vácuo em sua cabeça.
-Claro. O que quer saber? - Ele perguntou, colocando uma mecha de cabelo dela atrás da orelha. Era um gesto inocente e sem malícia, mas tudo o que vinha de Gilbert mexia com ela. Era vergonhoso como permitia que seus sentimentos fossem manipulados por ele sem oferecer resistência nenhuma. Tentando se concentrar ela perguntou:
-Ontem à noite aconteceu alguma coisa? Eu não me lembro de quando viemos para o quarto, e também não sei como vesti esse pijama.
-Eu te ajudei a vesti-lo.- Gilbert respondeu, ao mesmo tempo em que Anne arregalava os olhos e tornava a perguntar completamente sem graça:
-Isso quer dizer que nós...- ela não conseguiu terminar, sentindo seu rosto pegar fogo.
Compreendendo seu constrangimento, Gilbert foi direto ao ponto e respondeu:
-Não, nós não chegamos às vias de fato se é essa a sua preocupação. Embora você estivesse bem amorosa comigo ontem a noite.- ele sorriu de forma provocante, levando as mãos à nuca de Anne, que continuava sentada e não conseguia nem se mexer, principalmente porque ele começou a acariciá-la naquela região, e a ruivinha nunca pensara que um toque tão simples pudesse também ser tão erótico.
No entanto, Anne se esforçou para manter o foco na conversa que estavam tendo, e para escapar um pouco daquela tensão, ela pegou Joy no colo, e em seguida perguntou:
-O que quer dizer com isso?
-Que você tentou me convencer ontem à noite que já era hora de consumarmos nosso casamento . - Gilbert respondeu, lançando-lhe um olhar cheio de malícia que deixou Anne mais vermelha que um tomate.
Santo Deus!, ela pensou. Como pudera perder o controle daquela maneira? Realmente, tinha que se manter longe de bebida alcoólica. Nunca mais colocaria uma gota de champanhe na boca, pois não queria passar por uma situação tão constrangedora como aquela, dependendo de outra pessoa para saber o que tinha acontecido, e descobrindo que agira como uma louca sem juízo.
-Você só pode estar brincando.- ela argumentou, tentando acreditar que Gilbert lhe dissera aquilo apenas para envergonhá-la, mas o rapaz acabou com suas esperanças quando respondeu:
-Infelizmente é a pura verdade, minha esposa linda. Mas não se preocupe, não deixei que fosse muito longe.
-Por que? Achei que me levar para cama fosse um de seus objetivos nesse casamento. - Anne disse, espantada por ele ter recusado algo pelo que estava esperando desde que ficaram noivos, pois Gilbert afirmara várias vezes que a queria em sua cama como sua mulher. Gilbert sorriu de leve, depois se inclinou até alcançar o ouvido dela, e disse quase sussurrando:
-Eu quero fazer amor com você quando estiver sóbria, porque quero que se lembre de cada toque e de cada beijo, e que também nunca se esqueça de quem te deu todo esse prazer quando você for minha.- ela se arrepiou inteira, sentindo que nenhuma parte sua ficara imune aquelas palavras. Gilbert a encarou nos olhos, e Anne engoliu a própria saliva várias vezes sem saber como controlar a urgência que a acometeu ao vê-lo passar a ponta da língua pelo próprio lábio várias vezes, fazendo-a desejar naquele momento que a boca dele estivesse na dela, arrancando-lhe cada suspiro, e roubando-lhe a razão.
Desnorteada, ela passou as mãos pelos cabelos, e depois colocou-as sobre o coração, tentando controlar sua inquietação e o súbito calor que subiu pelo seu corpo, deixando-a inquieta, sem saber que tal gesto provocava Gilbert de tal forma que sem resistir, atacou a sua boca com tanta vontade, que ela o segurou pela gola da camisa, impedindo-o de se afastar.
O gosto dela sempre era doce, e o deixava tão maluco que quase não conseguia pensar. Depois da noite anterior, ele estava totalmente aos pés dela, e só de lembrar dela seminua em seus braços o fez suspirar entre o beijo. Ele se afastou minimamente, para colocar Joy no chão, e depois a carregou para a cama, porque precisava desesperadamente acalmar aquela necessidade de senti-la mesmo que fosse sobre as roupas.
Ele a manteve embaixo do corpo dele enquanto o beijo acontecia, a fim de que Anne não pudesse escapar dele. Seu controle estava por um fio, e ele mal conseguia manter-se coerente com seu plano de seduzi-la devagar e dia a dia, porque seu amor e sua paixão por ela exigiam que ela fosse dele o quanto antes.
Porém, ele não era nenhum selvagem, e não estava apenas interessado no seu prazer. Ele queria que Anne estivesse disposta a dividir com ele aquele momento , e sentia que ela ainda não estava pronta para dar aquele passo tão importante e tão sério com ele. Por isso, Gilbert não insistiu quando ela foi o afastando devagarinho e encostou a cabeça no ombro dele.
-Tudo bem? - Gilbert perguntou ao perceber que ela ficou naquela posição por alguns minutos sem intenção de se afastar dele.
-Sim. Só estou me sentindo um pouco enjoada.
-Quer que eu pegue um copo de água para você?- Gilbert perguntou, acariciando os cabelos dela lentamente.
-Quero sim, por favor.- Anne respondeu, sentindo seu estômago realmente incomodá-la.
Quando Gilbert retornou com a água, ela a bebeu de uma vez, e ao devolvê-lo vazio para o marido, Anne disse:
-Obrigada.
-Por nada. Quer mais?- Gilbert perguntou, olhando-a carinhosamente.
Aquilo acabava com ela de tantas formas, pois Gilbert sempre lhe dava a sensação de que queria cuidar dela de todas as maneiras. No início, quando o conhecera, a primeira impressão que tivera era que ele apenas se importava consigo mesmo.
Entretanto, observando-o melhor durante aqueles meses entre o noivado e casamento, especialmente com a avó dele, Anne percebeu que o rapaz tinha uma natureza amorosa, e que se sentia bem fazendo as pessoas que estimava felizes. E isso era mais uma qualidade a ser admirada nele, embora esse detalhe a deixasse em desvantagem, pois tornava mais difícil seu trabalho de não se encantar mais ainda por ele.
-Não, obrigada. Só quero mesmo ficar deitada aqui por algum tempo. Me sinto um pouco indisposta.- ela respondeu, alongando o corpo inteiro na cama.
-Vou te fazer companhia. - Gilbert afirmou, se deitando na cama ao lado de Anne,e puxando a cabeça dela para seu peito.
-Vamos voltar para casa hoje. Está animada?- o rapaz perguntou, enquanto fazia um carinho na bochecha dela.
-De certa forma sim, mas também me sinto triste por deixar esse lugar.- Anne respondeu, pegando a mão de Gilbert e encostando sua palma na dele.
-Isso tem a ver com sua mãe, não é?- ele perguntou, compreendendo os sentimentos dela naquela situação específica.
-Sim.- Anne disse, mas não era apenas por aquilo, tinha a ver com a intimidade que estavam tendo ali, e que quando voltassem para casa, e tornarem a viver a realidade de cada um, aquele sentimento tão reconfortante tenderia a desaparecer.
Ali, naquele paraíso natural, mesmo que não tivessem consumado o casamento, ela podia ter a ilusão de que Gilbert era dela, e que nada poderia estragar aquela sensação tão boa.
Sem pensar muito, ela entrelaçou seus dedos nos dele, e suspirou enquanto pensava na própria situação, e como Gilbert não perdia nenhum movimento seu, e ficou intrigado pelo leve franzir de testa dela, perguntou, lançando um olhar para seus dedos entrelaçados.
-No que está pensando?
-Nada demais. Acho que só estou precisando de um pouco de calor humano.- ela respondeu, apontando para as mãos unidas dos dois.
-Então, eu vou te dar mais do calor humano que precisa.-Gilbert disse, puxando Anne para seus braços, e enlaçando suas pernas com as dele, assim ela poderia apoiar a cabeça em seu peito,e ele poderia abracá-la junto a si.
O que fez mil borboletas voarem livres dentro de seu peito já tão carente daquele contato que era tão bom, mas ao mesmo tempo tão inquietante.
Anne nunca tivera esse tipo de intimidade com ninguém. Mesmo em sua casa, com Diana tentando sempre fazer o papel da mãe que não tinham, era difícil terem momentos de aconchego assim. Elas sempre conversaram sobre tudo, mas carinho, ou mesmo um afago nos cabelos era algo extremamente raro, porque cada uma a sua maneira tivera que crescer compreendendo que precisavam ser autossuficientes para enfrentarem a selva de pedra lá fora com toda a gana e força que pudessem, pois o apoio que precisavam para isso deveria vir mais de si mesmas do que de outra pessoa.
Crescer dessa maneira tornou Anne um pouco avessa a troca de carinho explícita entre duas pessoas. Mesmo com Lindy que era sua amiga a tempos, ela não conseguia ser espontânea quando estavam em um momento que envolvia emoções mais fortes.
Ela era boa para aconselhar, ser ótima ouvinte, oferecer seu apoio incondicional, mas nunca fora de abraços constantes, ou carinhos fáceis, pois sua preocupação e afeição por alguém ela demonstrava através de suas palavras e ações. Contudo, estava aprendendo a ceder um pouquinho, deixando que seus sentimentos falassem em momentos importantes, e assim, trocar carinhos com alguém não estava sendo tão difícil principalmente com Gilbert Blythe cujas mãos quentes eram sua perdição completa.
-Está confortável?- ele perguntou, amando ter Anne daquela maneira. Ela o fazia feliz simplesmente por deixá-lo cuidar dela, e por descobrir pouco a pouco que sua presença já não era tão desagradável como antes para ela, e isso significava seu mundo inteiro.
-Estou sim, principalmente porque está um frio terrível, e você é tão quentinho. - ela disse em tom de brincadeira, fazendo com que a resposta de Gilbert viesse rápida e certeira:
-Se estivéssemos em outra situação, eu te mostraria que posso ser mais quente que isso.
-Gilbert! - Anne disse, sentindo seu rosto pegar fogo. Ele não perdia uma oportunidade de colocar ideias em sua cabeça, e com tanta experiência, ele era bastante preciso em suas colocações. Ceder daria a seu corpo o que ele desejava ardentemente, mas também partiria seu coração irremediavelmente, e assim estava no meio de um dilema que não a deixava dar um passo a frente para acabar com sua indecisão.
-Desculpe, amor. Queria apenas perturbá-la um pouco. Espero que não tenha ficado zangada.- Gilbert se justificou, enquanto por dentro, Anne surtava. Ele a chamara de amor com tanta facilidade, como se sempre tivesse feito isso, e ela, como era uma tola deslumbrada por aquele homem, ia pensar naquilo o resto da vida.
-Não se preocupe. Já me acostumei com sua mania peculiar de me deixar sem graça. Se vamos viver juntos por cinco anos , creio que terei que aprender a lidar com seu jeito provocador.- Anne respondeu, fechando os olhos, enquanto se aconchegava mais ao corpo dele.
- Você logo vai aprender que conviver comigo não é tão desagradável quanto pensa. Acho até que vai gostar muito.
Anne fingiu que estava cochilando, pois quis escapar de dar uma resposta para Gilbert. Mas dentro de si mesma, ela já sabia que conviver com Gilbert na intimidade que estavam partilhando era delicioso demais. Ele era tão naturalmente apaixonante que era impossível não se deixar envolver, mas guardaria essa sua fraqueza bem no fundo de sua mente, para não dar a seu marido munição para que ele a cercasse um pouco mais, sem dar-lhe chance de contra atacar.
Eles ficaram na cama até a hora do almoço, e depois que se alimentaram, pegaram a estrada de volta para casa. Enquanto o motorista os levava em direção à Nova Iorque, Anne sentiu certa melancolia invadi-la.
Tinha vindo para aquela lua de mel sem grandes perspectivas, mas aqueles dias na praia ao lado de Gilbert tinham lhe rendido momentos incríveis. Estava retornando para sua cidade com inúmeras lembranças felizes, além de um filhinho peludo que naquele momento dormia seu sono de bebê, enrolando em uma manta de lã azul, dentro de uma cestinha que Anne tinham comprado para ele. Gilbert lhe garantira que quando chegassem em cada compraria uma casinha de cachorro para Joy, assim o animalzinho teria um lugar só seu e seria tratado como parte da família Blythe.
Enquanto Anne observava a paisagem pela qual passavam, Gilbert também lutava com seus pensamentos. Estavam a caminho de casa e logo estariam iniciando sua vida de casados juntos, e esse fato o deixava feliz, mas também preocupado, pois uma das últimas conversas que tivera com Moody não lhe saía da cabeça.
Gilbert queria conquistar sua esposa, fazê-la tão feliz que quando aqueles cinco anos terminassem, ela sequer pensasse em deixá-lo. Contudo havia algo naquele relacionamento que não era completamente honesto de sua parte. Ele a fizera assinar um contrato que tinha o destino do pai dela selado por ele, mas que fora conseguido por meios não muito louváveis. Se Anne descobrisse, ele a perderia para sempre e isso ele não conseguiria aceitar.
Rasgar o contrato como prova de seu amor somente funcionaria se ela nunca soubesse o que ele tinha feito, mas também não seria certo mantê-la no escuro sobre o que ele fizera, pois construiriam um relacionamento baseado em mentiras, e isso nunca daria certo. Gilbert precisava encontrar uma saída para aquela situação antes que saísse fora do seu controle.
Os recém-casados chegaram no apartamento no final da tarde. Anne enviara uma mensagem para Lindy e Diana, explicando que tinham chegado em cada e que no dia seguinte lhes faria uma visita. Daria mais um dia a si mesma de descanso e voltaria para a Faculdade na terça-feira. Precisava colocar as matérias em dia, e se estabilizar dentro de sua rotina novamente, embora estivesse tremendamente sem ânimo para a vida corrida de antes que a esperava.
Após arrumar suas coisas em seu guarda roupa, alimentar Joy e tomar um longo banho, ela se juntou a Gilbert na cozinha que preparava o jantar de ambos. Ela se surpreendeu por ele não ter pedido a cozinheira que deixasse tudo pronto, e logo se lembrou que Gilbert nunca pedia aos empregados para trabalharem no fim de semana sem um motivo realmente importante.
-Quer ajuda?- ela perguntou admirando a figura do marido, que usava um conjunto de moletom preto, e um avental branco amarrado na cintura.
-Não, já está quase tudo pronto. Não fiz nada de mais, só uma sopa de legumes. Espero que não se importe.- ele disse se desculpando, e Anne achou aquilo tão fofo que não pôde deixar de sorrir.
-Parece ótimo para mim. Não estou com muito apetite.
-Devia comer mais, novinha. Já percebi que essa sua falta de apetite é constante. Está mais magra do que devia.- Gilbert observou, fazendo Anne levantar uma sobrancelha e responder:
-Preferia uma esposa com mais curvas? Sinto muito desapontá-lo meu marido, mas sempre fui esguia assim, e não acho que isso vai mudar nos próximos anos.
-E quem disse que eu quero que mude? Quando vai entender que é perfeita para mim exatamente do jeito que é?- as palavras dele a deixaram sem jeito , e a maneira como Gilbert a encarava a deixava com as malditas borboletas em seu estômago alvoroçados demais. Ela pensou em dizer algo para quebrar o clima íntimo entre eles, mas nada lhe ocorreu. O barulho da panela de pressão avisando que a sopa já estava pronta fez isso por ela, e Anne suspirou aliviada pela interrupção oportuna.
Contudo, Gilbert não desistiu totalmente da conversa, mas apenas justificou sua preocupação com ela dizendo:
-Não falei sobre sua alimentação como uma crítica ao seu físico. Apenas disse isso, porque você tem uma vida muito ativa, e me preocupa perceber que consome mais energia do que repõe. Precisa cuidar melhor de si mesma, Anne.- Aquela nota de preocupação na voz de Gilbert fez Anne ter vontade de chorar. Era a primeira vez em seus vinte e um anos de vida que alguém prestava atenção em suas necessidades pessoais. Diana sempre fora uma excelente irmã, mas tão sobrecarregada com suas responsabilidades familiares que não tinha tempo para se ater a detalhes assim. Anne não a culpava, pois entendia tudo o que sua irmã vinha sacrificando desde que perderam a mãe. E seu pai era um homem que vivia mais para os negócios, embora seu amor pelas filhas fosse inquestionável. Porém, com sua forma de pensar prática, devia imaginar que as filhas sendo bem criadas, saberiam tomar conta de si mesmas sozinhas.
Mas Anne não podia negar, que sentira falta disso, de ter alguém que a enxergasse como realmente era, e que percebesse a fragilidade de seus sentimentos em alguns momentos. E fora encontrar isso com a pessoa que menos esperava que isso acontecesse, e embora sentisse um certo medo de o rapaz usar isso a seu favor, a ruivinha não podia negar que a desarmada totalmente.
Notando seu silêncio, e sua expressão séria, Gilbert tentou imaginar o que Anne estava pensando, mas não perguntou nada, porque não queria invadir o espaço dela. Se fosse algo realmente importante, com certeza, ela lhe diria.
Assim, ele serviu a sopa que acabara de ficar pronta, e observou com atenção crescente, Anne comer tudo o que ele lhe colocara no prato até a última colherada.
-Muito obrigada. Estava uma delícia. - a ruivinha disse, limpando os lábios com o guardanapo de papel que Gilbert colocara sobre a mesa para esse fim.
-Essa é mais uma das receitas da minha avó. Você ficaria surpresa com quanta coisa ela me ensinou na cozinha durante todos esses anos. Sou muito grato a ela por isso.- O rapaz, disse sorrindo e Anne descobriu que essa era uma das facetas dele que mais gostava.
-Eu imagino. Você tem muito talento na cozinha.- Anne respondeu, ajudando- o a lavar os pratos e a guardá-los.
-Obrigado. - ele disse, sorrindo novamente, fazendo-a sentir um calor gostoso em seu peito.
Após deixarem a cozinha imaculadamente organizada, eles foram para a sala e Gilbert pediu:
-Venha comigo. Quero te mostrar uma coisa.- Anne assentiu, e o acompanhou com curiosidade que só aumentou quando chegaram no estacionamento do prédio.
-O que estamos fazendo aqui? - ela perguntou com a testa franzida, sem entender nada sobre as intenções do rapaz de trazê-la até ali.
-Queria te dar seu presente de casamento. - Gilbert respondeu, exibindo uma expressão facial difícil de decifrar.
-Aqui?- ela arqueou a sobrancelha um pouco mais. Gilbert balançou a cabeça concordando, e depois perguntou:
-Está vendo aquele carro vermelho estacionado do lado do Porshe branco?
-Sim. É um Land Rover.- Anne respondeu sem grandes interesse. Não era uma boa conhecedora se carros, mas alguns podia identificar por serem mais populares entre os alunos da faculdade que frequentava.
-Eu o comprei para você. - Gilbert disse como se estivesse lhe dizendo que tinha lhe adquirido um ursinho de pelúcia.
-Você não está falando sério.
-Pode ter certeza que estou falando sério sim. - o rapaz falou , cruzando os braços na frente do corpo.
-Eu não sei dirigir. - Anne afirmou resumindo dessa forma aquela questão.
-Não tem importância. Já te matriculei em uma auto escola. Logo estará dirigindo como uma profissional. - Gilbert respondeu, ignorando sua relutância em aceitar o presente.
-Francamente, Blythe. Não quero um carro.
-Então, pegue-o emprestado por cinco anos e depois o devolva a mim, ou simplesmente o venda. O que fizer com ele, realmente não me importa.- Gilbert disse, dando de ombro.
-Vai mesmo me obrigar a aceitá-lo, não é?- Anne perguntou com um tom de voz conformado.
-Não, Anne. Estou pedindo que aceite meu presente, porque vai facilitar sua vida para ir para a Faculdade, para visitar sua família, ou ir ao shopping fazer compras. Eu te disse antes de nós casarmos que eu te daria todo o conforto do mundo.
-Você sabe que não foi por isso que me casei com você. - Anne disse protestando.
-Eu sei. Isso nunca esteve em questão aqui. Sei que detesta tudo que o nome Blythe representa, e consequentemente me detesta, mas quero que realmente se senta bem vivendo no nosso apartamento e ao meu lado.- Gilbert confessou, e Anne pensou no quanto ele estava enganado ao dizer que ela o detestava. Ela já o amava tanto que era difícil ficar indiferente à qualquer coisa que viesse dele, mas era melhor deixar as coisas como estavam, pois assim conseguiria proteger melhor seu coração.
-Não precisa me dar um carro para isso. - Anne disse, tentando ignorar toda a luz que via nos olhos de Gilbert enquanto a encarava.
-Eu juro que só pensei no seu bem-estar e conforto. Não vai mais depender do veículo de outras pessoas para ir onde quiser. Por favor, aceite meu presente. - Gilbert pediu mais uma vez , e a maneira como ele falou não deixou que Anne recusasse. Ele estava sendo honesto em sua preocupação com ela, e por isso, respondeu finalmente convencida pela sinceridade dele:
-Está certo. Vou aceitar dessa vez, mas não se acostume com isso.
-Claro que não. - ele respondeu com um sorriso largo, sem acrescentar que já havia aberto uma poupança para ela, onde todo mês uma quantia em dinheiro seria depositada. Gilbert queria garantir que se realmente tivessem que se separar pelos motivos que havia pensado naquele dia mais cedo, Anne poderia pelo menos sair daquele casamento com seu futuro garantido.
Eles voltaram para dentro, e logo foram para o quarto dispostos a ter uma noite tranquila de sono. Ambos estavam cansados da viagem, e por isso resolveram dormir mais cedo. Quando já estavam deitados na cama, Gilbert se virou para Anne e perguntou:
-Posso te abraçar?
-Por que?- ela perguntou desconfiada.
-Porque percebi que durmo melhor quando você está em meus braços - ele admitiu, e apesar de saber que mais uma vez estava colocando sua sanidade em risco, ela aceitou, e assim aconchegada ao corpo de seu marido, ela adormeceu, sentindo um beijo dele em sua testa, e ouvindo-o dizer:
-Boa noite, esposinha.
Era quase meia-noite, quando o celular de Gilbert tocou, arrancando o jovem casal de seus doces sonhos. Assim que o rapaz atendeu a chamada, Anne percebeu que ele ficou tenso, se levantou da cama em um pulo e começou a se vestir.
-Gilbert, o que foi?- ela perguntou, vendo-o procurar as chaves do carro em um movimentos puramente nervosos.
-A vovó. Ela está no hospital.- ele respondeu, e pelo seu tom de voz, Anne percebeu que ele estava desesperado.
-O que aconteceu?- ela tornou a perguntar, se levantando da cama, e vestindo a primeira roupa que encontrou.
-Ainda não sei. Foi o médico dela que me ligou , avisando que ela foi encontrada por uma amiga na casa dela desacordada. Ele me ligou primeiro porque eu sou o contato dela em caso de emergência.
-Está bem. Vamos até lá para termos mais informações - Anne disse, vendo Gilbert concordar, e o temor que encheu os olhos dele, lhe mostrou claramente que ele estava esperando o pior.
Eles chegaram no hospital em quinze minutos, pois o trânsito não estava pesado naquela hora da noite. A única preocupação de Anne era o estado emocional de Gilbert que parecia bem precário.
A recepcionista não pôde dar muitas informações, pois só o médico poderia dizer a Gilbert o que estava acontecendo com Cora. Assim, eles se sentaram na poltrona da sala de espera, e Gilbert enterrou o rosto nas mãos, sentindo seu coração em pedaços.
Observando seu marido, Anne também sofria por ele. Odiava vê-lo naquele estado, infeliz e parecendo derrotado. Cora era a pessoa mais importante na vida de Gilbert, e imaginava bem o que se passava na cabeça dele naquele momento.
Assim, ela puxou a cabeça dele para seu ombro, deixou um beijo leve nos lábios dele, e disse:
-Vai ficar tudo bem. Eu estou aqui. Você não vai passar por essa situação sozinho.
Então, Gilbert se agarrou a Anne, como se fosse um garotinho perdido, e mais uma vez se deu conta de que precisava dela mais do que pensara.
Olá, pessoal. Um mimo de Carnaval para quem gosta dessa fic. Espero que me deixem seus comentários e votos para ajudar no incentivo e na visibilidade da fic. Beijos e muito obrigada.
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